A Fé Ativa construindo uma Nova Era 14
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Os Milagres do Evangelho
(Allan Kardec, in “A
Gênese” – cap. XV)
Curas
Prodígios por ocasião da morte de
Jesus
54. - Ora, desde a sexta hora do dia até à nona, toda a Terra se cobriu
de trevas.
Ao mesmo tempo, o véu do Templo se rasgou em dois, de alto a baixo; a
terra tremeu; as pedras se fenderam; - os sepulcros se abriram e muitos corpos
de santos, que estavam no sono da morte, ressuscitaram; - e, saindo de seus
túmulos após a ressurreição, vieram à cidade santa e foram vistos por muitas
pessoas. (S. Mateus, cap. XXVII, versículos 45, 51 a 53.)
55. - É singular que tais prodígios, operando-se no momento mesmo em que
a atenção da cidade se fixava no suplício de Jesus, que era o acontecimento do
dia, não tenham sido notados, pois que nenhum historiador os menciona.
Parece impossível que um tremor de terra e o ficar toda a Terra envolta
em trevas durante três horas, num país onde o céu é sempre de perfeita
limpidez, hajam podido passar despercebidos.
A duração de tal obscuridade teria sido quase a de um eclipse do Sol,
mas os eclipses dessa espécie só se produzem na lua nova, e a morte de Jesus
ocorreu em fase de lua cheia, a 14 de Nissan, dia da Páscoa dos judeus.
O obscurecimento do Sol também pode ser produzido pelas manchas que se
lhe notam na superfície. Em tal caso, o brilho da luz se enfraquece
sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar obscuridade e trevas.
Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado, ele decorreria
de uma causa perfeitamente natural 10.
10 Há constantemente, na superfície do
Sol, manchas físicas, que lhe acompanham o movimento de rotação e hão servido
para determinar-se a duração desse movimento. Às vezes, porém, essas manchas
aumentam em número, em extensão e em intensidade.
Quanto aos mortos que ressuscitaram, possivelmente algumas pessoas
tiveram visões ou viram aparições, o que não é excepcional. Entretanto, como
então não se conhecia a causa desse fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam
dos sepulcros.
Compungidos com a morte de seu Mestre, os discípulos de Jesus sem dúvida
ligaram a essa morte alguns fatos particulares, aos quais noutra ocasião
nenhuma atenção houveram prestado. Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo
se haja destacado naquele momento, para que pessoas inclinadas ao maravilhoso
tenham visto nesse fato um prodígio e, ampliando-o, tenham dito que as pedras
se fenderam.
Jesus é grande pelas suas obras e não pelos quadros fantásticos de que
um entusiasmo pouco ponderado entendeu de cercá-lo.
Aparição de Jesus, após sua morte
56. - Mas, Maria (Madalena) se conservou fora, perto do sepulcro, a
derramar lágrimas. E, estando a chorar, como se abaixasse para olhar dentro do
sepulcro, - viu dois anjos vestidos de branco, assentados no lugar onde
estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o outro do lado dos pés. -
Disseram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela respondeu: É que levaram o meu
Senhor e não sei onde o puseram. Tendo dito isto, voltou-se e viu a Jesus de
pé, sem saber, entretanto que fosse Jesus. - Este então lhe disse: Mulher, por
que choras? A quem procuras? Ela, pensando fosse o jardineiro, lhe disse:
Senhor, se foste tu quem o tirou, dize-me onde o puseste e eu o levarei.
É então que se produz uma diminuição da luz e do calor solares. O
aumento do número das manchas parece coincidir com certos fenômenos
astronômicos e com a posicão relativa de alguns planetas, o que lhes determina
o reaparecimento periódico. É muito variável a duração daquele obscurecimento;
por vezes não vai além de duas ou três horas, mas, em 535, houve um que durou
catorze meses.
Disse-lhe Jesus: Maria. Logo ela se voltou e disse: Rabboni, isto é: Meu
Senhor. - Jesus lhe respondeu: Não me toques, porquanto ainda não subi para meu
Pai; mas, vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte: Subo a meu Pai o
vosso Pai, a meu Deus e vosso Deus.
Maria Madalena foi então dizer aos discípulos que vira o Senhor e que
este lhe dissera aquelas coisas. (S. João, cap. XX, vv. 11 a 18.)
57. - Naquele mesmo dia, indo dois deles para um burgo chamado Emaús,
distante de Jerusalém sessenta estádios - falavam entre si de tudo o que se
passara. - E aconteceu que, quando conversavam e discorriam sobre isso, Jesus
se lhes juntou e se pôs a caminhar com eles; - seus olhos, porém, estavam
tolhidos, a fim de que não o pudessem reconhecer. - Ele disse: De que vínheis
falando a caminhar e por que estais tão tristes?
Um deles, chamado Cleofas, tomando a palavra disse: Serás em Jerusalém o
único estrangeiro que não saiba do que aí se passou estes últimos dias? - Que
foi? Perguntou ele. Responderam-lhe: A respeito de Jesus de Nazaré, que foi um
poderoso profeta diante de Deus e diante de toda a gente, e acerca do modo por
que os príncipes dos sacerdotes e os nossos senadores o entregaram para ser
condenado à morte e o crucificaram. - Ora, nós esperávamos fosse ele quem
resgatasse a Israel, no entanto, já estamos no terceiro dia depois que tais
coisas se deram. - É certo que algumas mulheres das que estavam conosco nos
espantaram, pois que, tendo ido ao seu sepulcro antes do romper do dia, nos
vieram dizer que anjos mesmos lhes apareceram, dizendo-lhes que ele está vivo -
E alguns dos nossos, tendo ido também ao sepulcro, encontraram todas as coisas
conforme as mulheres haviam referido; mas, quanto a ele, não o encontraram.
Disse-lhes então Jesus: Oh! Insensatos, de coração tardo a crer em tudo
a que os profetas hão dito! Não era preciso que o Cristo sofresse todas essas
coisas e que entrasse assim na sua glória? - E, a começar de Moisés, passando
em seguida por todos os profetas, lhes explicava o que em todas as Escrituras
fora dito dele.
Ao aproximarem-se do burgo para onde se dirigiam, ele deu mostras de que
ia mais longe. - Os dois o obrigaram a deter-se, dizendo-lhe: Fica conosco, que
já é tarde e o dia está em declínio. Ele entrou com os dois. - Estando com eles
à mesa tomou do pão, abençoou-o e lhes deu. - Abriram-se-lhes ao mesmo tempo os
olhos e ambos o reconheceram; ele, porém, lhes desapareceu das vistas.
Então, disseram um ao outro: Não é verdade que o nosso coração ardia
dentro de nós, quando ele pelo caminho nos falava, explicando-nos as
Escrituras? - E, erguendo-se no mesmo instante, voltaram a Jerusalém e viram
que os onze apóstolos e os que continuavam com eles estavam reunidos - e
diziam: O Senhor em verdade ressuscitou e apareceu a Simão. - Então, também
eles narraram o que lhes acontecera em caminho e como o tinham reconhecido ao
partir o pão.
Enquanto assim confabulavam, Jesus se apresentou no meio deles e lhes
disse: A paz seja convosco; sou eu, não vos assusteis. - Mas, na perturbação e
no medo de que foram tomados, eles imaginaram estar vendo um Espírito.
E Jesus lhes disse: Por que vos turbais? Por que se elevam tantos
pensamentos nos vossos corações? - Olhai para as minhas mãos e para os meus pés
e reconhecei que sou eu mesmo. Tocai-me e considerai que um Espírito não tem
carne, nem osso, como vedes que eu tenho. - Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos
e os pés.
Mas, como eles ainda não acreditavam, tão transportados de alegria e de
admiração se achavam, disse-lhes:
Tendes aqui alguma coisa que se coma? - Eles lhe apresentaram um pedaço
de peixe assado e um favo de mel. – Ele comeu diante deles e, tomando os
restos, lhes deu, dizendo: Eis que, estando ainda convosco, eu vos dizia que
era necessário se cumprisse tudo o que de mim foi escrito na lei de Moisés, nos
profetas e nos Salmos.
Ao mesmo tempo lhes abriu o espírito, a fim de que entendessem as
Escrituras - e lhes disse: É assim que está escrito e assim era que se fazia
necessário sofresse o Cristo e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia;
- e que se pregasse em seu nome a penitência e a remissão dos pecados em todas
as nações, a começar por Jerusalém. - Ora, vós sois testemunhas dessas coisas.
- Vou enviar-vos o dom de meu Pai, o qual vos foi prometido; mas, por enquanto,
permanecei na cidade, até que eu vos haja revestido da força do Alto. (S.
Lucas, cap. XXIV, vv. 13 a 49.)
58. - Ora, Tomé, um dos doze apóstolos, chamado Dídimo, não se achava
com eles quando Jesus lá foi vindo. -
Os outros discípulos então lhe disseram: Vimos o Senhor. Ele, porém,
lhes disse: Se eu não vir nas suas mãos as marcas dos cravos que as
atravessaram e não puser o dedo no buraco feito pelos cravos e minha mão no
rasgão do seu lado, não acreditarei, absolutamente.
Oito dias depois, estando ainda os discípulos no mesmo lugar e com eles
Tomé, Jesus se apresentou, achando-se fechadas as portas, e, colocando-se no
meio deles, disse-lhes: A paz seja convosco.
Disse em seguida a Tomé: Põe aqui o teu dedo e olha minhas mãos; estende
também a tua mão e mete-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas fiel. - Tomé
lhe respondeu: Meu Senhor e meu Deus! - Jesus lhe disse: Tu creste, Tomé,
porque viste; ditosos os que creram sem ver. (S. João, cap. XX, vv. 24 a 29.)
59. - Jesus também se mostrou depois aos seus discípulos à margem do mar
de Tiberíades, mostrando-se desta forma:
Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná, na
Galileia, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos estavam juntos.
- Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Os outros disseram: Também nós vamos
contigo. Foram-se e entraram numa barca; mas, naquela noite, nada apanharam.
Ao amanhecer, Jesus apareceu à margem sem que seus discípulos
conhecessem que era ele. - Disse-lhes então:
Filhos, nada tendes que se coma? Responderam-lhe: Não. Disse-lhes ele:
Lançai a rede do lado direito da barca e achareis.
Eles a lançaram logo e quase não a puderam retirar, tão carregada estava
de peixes.
Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor. Simão
Pedro, ao ouvir que era o Senhor, vestiu-se (pois que estava nu) e se atirou ao
mar. - Os outros discípulos vieram com a barca, e, como não estavam distantes
da praia mais de duzentos côvados, puxaram daí a rede cheia de peixes. (S.
João, cap. XXI; vv. 1 a 8.)
60. - Depois disso, ele os conduziu para Betânia e, tendo lavado as
mãos, os abençoou, - e, tendo-os abençoado, se separou deles e foi arrebatado
ao céu.
Quanto a eles, depois de o terem adorado, voltaram para Jerusalém,
cheios de alegria. – Estavam constantemente no templo, louvando e bendizendo a
Deus. Amém. (S. Lucas, cap. XXIV, vv. 50 a 53.)
61. - Todos os evangelistas narram as aparições de Jesus, após sua
morte, com circunstanciados pormenores que não permitem se duvide da realidade
do fato. Elas, aliás, se explicam perfeitamente pelas leis fluídicas e pelas
propriedades do perispírito e nada de anômalo apresentam em face dos fenômenos
do mesmo gênero, cuja história, antiga e contemporânea, oferece numerosos
exemplos, sem lhes faltar sequer a tangibilidade. Se notarmos as circunstâncias
em que se deram as suas diversas aparições, nele reconheceremos, em tais
ocasiões, todos os caracteres de um ser fluídico. Aparece inopinadamente e do
mesmo modo desaparece; uns o veem, outros não, sob aparências que não o tornam
reconhecível nem sequer aos seus discípulos; mostra-se em recintos fechados,
onde um corpo carnal não poderia penetrar; sua própria linguagem carece da
vivacidade da de um ser corpóreo; fala em tom breve e sentencioso, peculiar aos
Espíritos que se manifestam daquela maneira; todas as suas atitudes, numa
palavra, denotam alguma coisa que não é do mundo terreno. Sua presença causa
simultaneamente surpresa e medo; ao vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a
mesma liberdade de antes; sentem que já não é um homem.
Jesus, portanto, se mostrou com o seu corpo perispirítico, o que explica
que só tenha sido visto pelos que ele quis que o vissem. Se estivesse com o seu
corpo carnal, todos o veriam, como quando estava vivo. Ignorando a causa
originária do fenômeno das aparições, seus discípulos não se apercebiam dessas
particularidades, a que, provavelmente, não davam atenção. Desde que viam o
Senhor e o tocavam, haviam de achar que aquele era o seu corpo ressuscitado.
(Cap. XIV, nos 14 e 35 a 38.)
62. - Ao passo que a incredulidade rejeita todos os fatos que Jesus
produziu, por terem uma aparência sobrenatural, e os considera, sem exceção,
lendários, o Espiritismo dá explicação natural à maior parte desses fatos.
Prova a possibilidade deles, não só pela teoria das leis fluídicas, como
pela identidade que apresentam com análogos fatos produzidos por uma imensidade
de pessoas nas mais vulgares condições. Por serem, de certo modo, tais fatos do
domínio público, eles nada provam, em princípio, com relação à natureza
excepcional de Jesus 11.
11 Os inúmeros fatos contemporâneos de
curas, aparições, possessões, dupla vista e outros, que se encontram relatados
na Revue Spirite e lembrados nas observações acima, oferecem, até quanto aos
pormenores, tão flagrante analogia com os que o Evangelho narra, que ressalta
evidente a identidade dos efeitos e das causas. Não se compreende que o mesmo
fato tivesse hoje uma causa natural e que essa causa fosse sobrenatural
outrora; diabólica com uns e divina com outros. Se fora possível pô-los aqui em
confronto uns com os outros, a comparação mais fácil se tornaria; não o
permitem, porém, o número deles e os desenvolvimentos que a narrativa
reclamaria.
63. - O maior milagre que Jesus operou, o que verdadeiramente atesta a
sua superioridade, foi a revolução que seus ensinos produziram no mundo, mau
grado exiguidade dos seus meios de ação.
Com efeito, Jesus, obscuro, pobre, nascido na mais humilde condição, no
seio de um povo pequenino, quase ignorado e sem preponderância política,
artística ou literária, apenas durante três anos prega a sua doutrina; em todo
esse curto espaço de tempo é desatendido e perseguido pelos seus concidadãos;
vê-se obrigado a fugir para não ser lapidado; é traído por um de seus
apóstolos, renegado por outro, abandonado por todos no momento cm que cai nas
mãos de seus inimigos. Só fazia o bem e isso não o punha ao abrigo da
malevolência, que dos próprios serviços que ele prestava tirava motivos para o
acusar. Condenado ao suplício que só aos criminosos era infligido, morre
ignorado do mundo, visto que a História daquela época nada diz a seu respeito 12. Nada escreveu; entretanto, ajudado
por alguns homens tão obscuros quanto ele, sua palavra bastou para regenerar o
mundo; sua doutrina matou o paganismo onipotente e se tornou o facho da
civilização. Tinha contra si tudo o que causa o malogro das obras dos homens,
razão por que dizemos que o triunfo alcançado pela sua doutrina foi o maior dos
seus milagres, ao mesmo tempo que prova ser divina a sua missão. Se, em vez de
princípios sociais e regeneradores, fundados sobre o futuro espiritual do
homem, ele apenas houvesse legado à posteridade alguns fatos maravilhosos,
talvez hoje mal o conhecessem de nome.
12 Dele unicamente fala o historiador
judeu Flávio Josefo, que, aliás, diz bem pouca coisa.
Desaparecimento do corpo de Jesus
64. - O desaparecimento do corpo de Jesus após sua morte há sido objeto
de inúmeros comentários. Atestam-no os quatro evangelistas, baseados nas
narrativas das mulheres que foram ao sepulcro no terceiro dia depois da
crucificação e lá não o encontraram. Viram alguns, nesse desaparecimento, um
fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração clandestina.
Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um corpo carnal, mas apenas
um corpo fluídico; não teria sido, em toda a sua vida, mais do que uma aparição
tangível; numa palavra: uma espécie de agênere. Seu nascimento, sua morte e
todos os atos materiais de sua vida teriam sido apenas aparentes. Assim foi
que, dizem, seu corpo, voltado ao estado fluídico, pode desaparecer do sepulcro
e com esse mesmo corpo é que ele se teria mostrado depois de sua morte.
É fora de dúvida que semelhante fato não se pode considerar radicalmente
impossível, dentro do que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos;
mas, seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em formal oposição ao
caráter dos agêneres. (Cap. XIV, nº 36.) Trata-se, pois, de saber se tal
hipótese é admissível, se os fatos a confirmam ou contradizem.
65. - A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu
e o que se seguiu à sua morte. No primeiro, desde o momento da concepção até o
nascimento, tudo se passa, pelo que respeita à sua mãe, como nas condições
ordinárias da vida 13. Desde o seu nascimento até a sua
morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da
sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade. São acidentais os
fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois
que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus
diferentes, noutros indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele
revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois estados, que não
podem ser assimilados.
13 Não falamos do mistério da encarnação,
com o qual não temos que nos ocupar aqui e que será examinado ulteriormente.
Nota da Editora: Kardec, em vida, não pôde cumprir esta promessa, visto que, no
ano seguinte, ao dar publicação a esta obra, foi chamado à Pátria Espiritual.
O corpo carnal tem as propriedades inerentes à matéria propriamente
dita, propriedades que diferem essencialmente das dos fluidos etéreos; naquela,
a desorganização se opera pela ruptura da coesão molecular. Ao penetrar no
corpo material, um instrumento cortante lhe divide os tecidos; se os órgãos
essenciais à vida são atacados, cessa-lhes o funcionamento e sobrevém a morte,
isto é, a do corpo. Não existindo nos corpos fluídicos essa coesão, a vida aí
já não repousa no jogo de órgãos especiais e não se podem produzir desordens
análogas àquelas. Um instrumento cortante ou outro qualquer penetra num corpo
fluídico como se penetrasse numa massa de vapor, sem lhe ocasionar qualquer
lesão. Tal a razão por que não podem morrer os corpos dessa espécie e por que
os seres fluídicos, designados pelo nome de agêneres, não podem ser mortos.
Após o suplício de Jesus, seu corpo se conservou inerte e sem vida; foi
sepultado como o são de ordinário os corpos e todos o puderam ver e tocar. Apôs
a sua ressurreição, quando quis deixar a Terra, não morreu de novo; seu corpo
se elevou, desvaneceu e desapareceu, sem deixar qualquer vestígio, prova
evidente de que aquele corpo era de natureza diversa da do que pereceu na cruz;
donde forçoso é concluir que, se foi possível que Jesus morresse, é que carnal
era o seu corpo.
Por virtude das suas propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das
sensações e das dores físicas, que repercutem no centro sensitivo ou Espírito.
Quem sofre não é o corpo, é o Espírito recebendo o contragolpe das lesões ou
alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo sem Espírito, absolutamente nula é
a sensação. Pela mesma razão, o Espírito, sem corpo material, não pode
experimentar os sofrimentos, visto que estes resultam da alteração da matéria,
donde também forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu materialmente, do que
não se pode duvidar, é que ele tinha um corpo material de natureza semelhante
ao de toda gente.
66. - Aos fatos materiais juntam-se fortíssimas considerações morais.
Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as dos seres
fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo.
Supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e de
sofrimentos que escolhera, como exemplo de resignação. Se tudo nele fosse
aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena
dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos
lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último
brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro,
para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de
sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto,
e com mais forte razão de um ser tão superior. Numa palavra: ele teria abusado
da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as consequências
lógicas desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o rebaixariam
moralmente, em vez de o elevarem 14.
14 Nota da Editora: Diante das
comunicações e dos fenômenos surgidos após a partida de Kardec, concluiu-se que
não houve realmente vão simulacro, como igualmente não houve simulacro de
Jesus, após a sua morte, ao pronunciar as palavras que foram registradas por
Lucas (24:39): - "Sou eu mesmo, apalpai-me e vede, porque um Espírito não
tem carne nem osso, como vedes que eu tenho."
Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico,
Q que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe
assinalaram a existência.
67. - Não é nova essa ideia sobre a natureza do corpo de Jesus. No
quarto século, Apolinário, de Laodicéia, chefe da seita dos apolinaristas,
pretendia que Jesus não tomara um corpo como o nosso, mas um corpo impassível,
que descera do céu ao seio da santa Virgem e que não nascera dela; que, assim,
Jesus não nascera, não sofrera e não morrera, senão em aparência. Os
apolinaristas foram anatematizados no concílio de Alexandria, em 360; no de
Roma, em 374; e no de Constantinopla, em 381.
Tinham a mesma crença os Docetas (do grego dokein, aparecer), seita
numerosa dos Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros séculos 15.
15 Nota da Editora: Não somente foram
anatematizados os apolinaristas, mas também os reencarnacionistas e os que se
põem em comunicação com os mortos.
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