A Fé Ativa construindo uma Nova Era 15
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Os Milagres
do Evangelho
(Allan Kardec, in “A Gênese” – cap. XV)
Curas
Primeiro Diálogo – O Crítico (Allan Kardec, in “O
que é o Espiritismo?”)
Visitante: Eu vos
direi, senhor, que minha razão se recusa a admitir a realidade dos fenômenos
estranhos atribuídos aos Espíritos e que, disso estou persuadido, não existem
senão na imaginação. Todavia, diante da evidência, seria preciso se inclinar, e
é o que farei se eu puder ter provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de
vossa bondade a permissão para assistir somente a uma ou duas experiências,
para não ser indiscreto, a fim de me convencer, se for possível.
Allan Kardec:
Desde o instante, senhor, que vossa razão se recusa a admitir o que nós
consideramos fatos comprovados, é que vós a credes superior de todas as pessoas
que não compartilham de vossa opinião. Eu não duvido do vosso mérito e não
teria a pretensão de colocar a minha inteligência acima da vossa. Admiti, pois,
que eu me engano, uma vez que é a razão que vos fala, e que esteja dito tudo.
Visitante:
Todavia, se vós chegásseis a me convencer, eu que sou conhecido como um
antagonista das vossas ideias, isso seria um milagre eminentemente favorável
vossa causa.
A.K. Eu o lamento,
senhor, mas não tenho o dom dos milagres. Pensais que uma ou duas sessões
bastarão para vos convencer? Isso seria, com efeito, um verdadeiro prodígio.
Foi-me necessário mais de um ano de trabalho para eu mesmo estar convencido, o
que vos prova que, se o sou, não o foi por leviandade. Aliás, senhor, eu não
dou sessões e parece que vos enganastes sobre o objetivo de nossas reuniões, já
que nós não fazemos experiências para satisfazer curiosidade de quem quer que
seja.
Visitante: Não
desejais, pois, fazer prosélitos?
A.K. Por que eu
desejaria fazer de vós um prosélito se vós mesmo isso não o desejais? Eu não
forço nenhuma convicção. Quando encontro pessoas sinceramente desejosas de se
instruírem e que me dão a honra de solicitar-me esclarecimentos, é para mim um
prazer, e um dever, responder-lhes no limite dos meus conhecimentos. Quanto aos
antagonistas que, como vós, têm convicções firmadas, eu não faço uma tentativa
para os desviar, já que encontro bastante pessoas bem dispostas, sem perder meu
tempo com as que não o são. A convicção virá, cedo ou tarde, pela força das
coisas, e os mais incrédulos serão arrastados pela torrente. Alguns partidários
a mais, ou a menos, no momento, não pesam na balança. Por isso, não vereis
jamais zangar-me para conduzir às nossas ideias aqueles que têm tão boas razões
como vós para delas se distanciarem.
Visitante:
Haveria, entretanto, no meu convencimento mais interesse do que vós o credes.
Quereis me permitir explicar-me com franqueza e me prometer não vos ofender com
minhas palavras? São minhas ideias sobre o assunto e não sobre a pessoa à qual
me dirijo; posso respeitar a pessoa sem partilhar sua opinião.
A.K.: O
Espiritismo me ensinou a dar pouco valor às mesquinhas suscetibilidades do amor
próprio, e a não me ofender com palavras. Se vossas palavras saírem dos limites
da urbanidade e das conveniências, concluirei, com isso, que sois um homem mal
educado, eis tudo. Quanto a mim, prefiro deixar aos outros os erros, ao invés
de os partilhar.
Vedes, só por
isso, que o Espiritismo serve para alguma coisa.
Eu vos disse,
senhor, não me empenho de nenhum modo em vos fazer partilhar minha opinião;
respeito a vossa, se ela é sincera, como desejo que se respeite a minha. Uma
vez que tratais o Espiritismo como um sonho quimérico, vindo para mim, dizeis a
vós mesmo: eu vou ver um louco. Confessai-o, francamente, isso não me
melindrará. Todos os espíritas são loucos, É coisa convencionada. Pois bem,
senhor, uma vez que olhais isso como uma doença mental, sentiria escrúpulo em
vo-la comunicar, e eu me espanto que com um tal pensamento vós procureis
adquirir uma convicção que vos colocará entre os loucos. Se estais
antecipadamente persuadido de não poder ser convencido, vossa tentativa é
inútil, porque não tem por objetivo senão a curiosidade. Abreviemos, pois, eu
vos rogo, porque eu não teria tempo a perder em conversas sem objetivo.
Visitante: Podemos
nos enganar, iludir-nos, sem por isso ser louco.
A. K.: Falai
claramente: dizeis, como tantos outros, que é um capricho que tem seu tempo;
mas convireis que um capricho que em alguns anos ganhou milhões de partidários
em todos os países, que conta com sábios de todas as ordens, que se propaga de
preferência nas classes esclarecidas, é uma singular mania que merece algum
exame.
Visitante: Eu
tenho minhas ideias sobre esse assunto, é verdade. Elas, porém, não são tão
absolutas que eu não consinta sacrificá-las à evidência. Eu vos disse, pois,
senhor, que tendes um certo interesse em me convencer. Eu vos confessarei que
devo publicar um livro onde me proponho demonstrar ex-professo (sic) o que eu
vejo como um erro, e como esse livro deve ter um grande alcance e atacar
vivamente os Espíritos, se eu chegar a ser convencido, não o publicarei.
A.K.: Eu ficaria
desolado, senhor, por vos privar do benefício de um livro que deve ter um
grande alcance. Eu não tenho, de resto, nenhum interesse em vos impedir de
fazê-lo, mas lhe desejo, ao contrário, uma grande popularidade, já que isso nos
servirá de prospectos e de anúncios. Quando uma coisa é atacada, isso desperta
a atenção; há muitas pessoas que querem ver os prós e os contras, e a crítica a
faz conhecida daqueles mesmos que dela não sonhavam.
Assim que a
publicidade, frequentemente, sem o querer, aproveita aqueles aos quais se quer
prejudicar. A questão dos Espíritos, aliás, é tão palpitante de interesse e ela
espicaça a curiosidade a um tal ponto, que basta mencioná-la à atenção para dar
o desejo de aprofundá-la16.
16 Depois deste
diálogo, escrito em 1859, a experiência veio demonstrar largamente a justeza desta
proposição.
Visitante: Então,
segundo vós, a crítica não serve para nada, a opinião pública não conta para
nada?
A. K.: Eu não
considero a crítica como a expressão da opinião pública, mas como uma opinião
individual que pode se enganar. Lede a História e vereis quantas obras-primas
foram criticadas quando apareceram, o que não as impediu de permanecerem
obras-primas. Quando uma coisa é má, todos os elogios possíveis não a tornarão
boa. Se o Espiritismo é um erro, ele cairá por si mesmo; se é uma verdade,
todas as diatribes não farão dele uma mentira. Vosso livro será uma apreciação
pessoal sob o vosso ponto de vista; a verdadeira opinião pública julgará se é
correta. Por isso, quererão ver e se, mais tarde, for reconhecido que vos
enganastes, vosso livro será ridículo como aquele que se publicou recentemente
contra a teoria da circulação do sangue, da vacina, etc.
Mas esqueci que
vós deveis tratar a questão ex-professo, o que quer dizer que a haveis estudado
sob todas as faces, que haveis visto tudo o que se poder ver, tudo o que se
escreveu sobre a matéria, analisado e comparado as diversas opiniões; que vos
encontrastes nas melhores condições para observar por vós mesmo; que vós lhe
consagrastes vossas vigílias, durante anos; em uma palavra, que não negligenciastes
em nada para atingir a constatação da verdade.
Eu devo crer que
assim o é, se sois um homem sério, porque só aquele que fez tudo isso, tem o
direito de dizer que fala com conhecimento de causa.
Que pensareis de
um homem que se erigisse em censor de uma obra literária sem conhecer
literatura? De um quadro sem ter estudado pintura? De uma lógica elementar que
o crítico deva conhecer, não superficialmente, mas a fundo, aquilo de que fala,
sem o que sua opinião não tem valor. Para combater um cálculo, é preciso
opor-lhe outro cálculo, mas, para isso, é preciso saber calcular. O crítico não
deve se limitar a dizer que tal coisa é boa ou má; é preciso que ele justifique
sua opinião por uma demonstração clara e categórica, baseada sobre os próprios princípios
da arte ou da ciência. Como poderá fazê-lo se ignora esses princípios? Podereis
apreciar as qualidades ou os defeitos de uma máquina se vós não conheceis a
mecânica? Não, pois bem! Vosso julgamento sobre o Espiritismo, que não
conheceis, não teria mais valor do que o que fareis sobre essa máquina. Sereis
a cada instante preso em flagrante delito de ignorância, porque aqueles que o
estudaram, verão, consequentemente, que estais fora da questão; de onde se
concluirá ou que não sois um homem sério ou que não sois de boa-fé; em um e
outro caso vos exporeis a receber desmentidos pouco lisonjeiros para vosso
amor-próprio.
Visitante:
precisamente para evitar esse escolho que vim vos pedir permissão para assistir
a algumas experiências.
A.K.: E pensais
que isso vos bastaria para falar do Espiritismo ex- professo? Mas como podereis
compreender essas experiências, e com mais forte razão julgá-las, se não haveis
estudado os princípios que lhes servem de base?
Como podereis
apreciar o resultado, satisfatório ou não, de experiências metalúrgicas, por
exemplo, se não conheceis a fundo a metalurgia? Permiti-me dizer-vos, senhor,
que vosso projeto é absolutamente como se, não sabendo nem matemática, nem
astronomia, fosseis dizer a um desses senhores do Observatório: Senhor, eu
quero escrever um livro sobre astronomia, e além disso provar que vosso sistema
é falso; mas como disso eu não sei nem a primeira palavra, deixai-me olhar uma
ou duas vezes através de vossas lunetas. Isso me bastará para conhecê-la tanto
quanto vós.
Não é senão por
extensão que a palavra criticar é sinônimo de censurar. Em seu significado
próprio, e segundo sua etimologia, ela significa julgar, apreciar. A crítica
pode, pois, ser aproveitada ou desaproveitada. Fazer crítica de um livro não é
necessariamente condená-lo. Aquele que empreende essa tarefa deve fazê-la sem
ideias preconcebidas.
Mas, se antes de
abrir o livro já o condenou em seu pensamento, seu exame não pode ser
imparcial.
Tal é o caso da
maioria daqueles que têm falado do Espiritismo. Apenas sobre o nome formaram
uma opinião e fizeram como um juiz que pronunciou uma sentença sem se dar ao
trabalho de examinar o processo. Disso resultou que seu julgamento ficou sem
razão e, ao invés de persuadir, provocou riso. Quanto àqueles que estudaram
seriamente a questão, a maioria mudou de opinião e mais de um adversário dela
tornou-se partidário, quando viu que se tratava de coisa diversa daquela em que
ele acreditava.
Visitante: Falais
do exame dos livros em geral. Credes que seja materialmente possível a um
jornalista, ler e estudar todos os que lhe passam pelas mãos, sobretudo quando
se trata de teorias novas que lhe seria preciso aprofundar e verificar?
Igualmente exigirias de um impressor que lesse todas as obras que saem das suas
impressoras.
A.K.: A um
raciocínio tão judicioso eu não tenho nada a responder, senão que, quando não
se tem tempo de fazer conscientemente uma coisa, não se deve envolver-se com
ela, e que é melhor não fazer senão uma coisa bem, do que fazer dez mal.
Visitante: Não
creais, senhor, que minha opinião esteja formada levianamente. Eu vi mesas
girarem e baterem; pessoas que estavam supostamente escrevendo sob a influência
de Espíritos; mas eu estou convencido de que havia charlatanismo.
A.K.: Quanto
pagastes para ver isso?
Visitante: Nada,
seguramente.
A.K. Então eis
charlatães de uma espécie singular, e que vão reabilitar a palavra. Até o
presente não se viu ainda charlatães desinteressados. Se algum brincalhão
maldoso quis se divertir uma vez por acaso, segue- se que as outras pessoas
sejam cúmplices da fraude? Aliás, com que objetivo se tornariam cúmplices de
uma mistificação? Para divertir a sociedade, direis. Eu aceito que uma vez
alguém se preste a um gracejo; mas quando um gracejo dura meses e anos, é, eu
creio, o mistificador que está mistificado. É provável que, pelo único prazer
de fazer crer em uma coisa que se sabe ser falsa, espera-se aborrecidamente
horas inteiras sobre uma mesa? O prazer não valeria o trabalho.
Antes de concluir
pela fraude é preciso primeiro se perguntar qual interesse se pode ter em
enganar; ora, concordareis que há posições que excluem toda suspeita de fraude;
pessoas das quais s o caráter é uma garantia de probidade.
Outra coisa seria
se se tratasse de uma especulação, porque a atração do lucro é uma péssima
conselheira. Mas, admitindo-se mesmo que, neste último caso, um fato de manobra
fraudulenta seja positivamente constatado, isso não provaria nada contra a
realidade do princípio, já que se pode abusar de tudo. Do fato de que há pessoas
que vendem vinhos adulterados, não se segue da que não haveria vinho puro. O
Espiritismo não é mais responsável pelos que abusam desse nome e o exploram, do
que a ciência médica não o é pelos charlatães que vendem suas drogas, nem a
religião pelos sacerdotes que abusam do seu ministério.
O Espiritismo,
pela sua novidade e pela sua própria natureza, devia prestar-se a abuso; mas
ele dá os meios de os reconhecer, definindo claramente seu verdadeiro caráter e
recusando qualquer solidariedade com aqueles que o exploram ou o desviam de seu
objetivo exclusivamente moral para fazer dele um ofício, um instrumento de
adivinhação ou de procuras fúteis.
Desde que o
próprio Espiritismo traça os limites nos quais ele se contém, precisa o que ele
diz e o que não diz, o que ele pode e o que não pode, o que está ou não está em
suas atribuições, o que ele aceita e o que repudia, o erro está naqueles que,
não se dando ao trabalho de o estudar, julgam-no sobre as aparências; que,
porque encontram saltimbancos usando o nome de Espíritas, para atrair os que
passam, dirão gravemente: Eis o que é o Espiritismo. Sobre o que, em
definitivo, recai o ridículo? Não é sobre o saltimbanco que faz o seu trabalho,
nem sobre o Espiritismo cuja doutrina escrita desmente semelhantes assertivas,
mas sobre os críticos convictos de falarem daquilo que não sabem, ou de
alterarem conscientemente a verdade. Aqueles que atribuem ao Espiritismo o que
está contra sua própria essência, o fazem, ou por ignorância ou
deliberadamente. No primeiro caso é por leviandade, no segundo é por má fé.
Neste último caso,
eles se assemelham a certos historiadores que alteram os fatos históricos no
interesse de um partido ou de uma opinião. Um partido se desacredita sempre
pelo emprego de semelhantes meios, e falta ao seu objetivo.
Notai bem, senhor,
que eu não pretendo que a crítica deva necessariamente aprovar nossas ideias,
mesmo depois de as ter estudado; não censuramos de modo algum aqueles que não
pensam como nós. O que é evidente para nós, pode não o ser para todo o mundo.
Cada um julga as coisas pelo seu ponto de vista, e do fato mais positivo todo o
mundo não tira as mesmas consequências. Se um pintor, por exemplo, coloca em
seu quadro um cavalo branco, qualquer um poderá dizer que esse cavalo faz um
mau efeito e que um preto conviria melhor: mas seu erro será dizer que o cavalo
é branco se ele é preto. É o que faz a maioria dos nossos adversários.
Em resumo, senhor,
cada um é perfeitamente livre para aprovar ou criticar os princípios do
Espiritismo, para deduzir deles tais consequências boas ou más, como lhe
agrade, mas a consciência impõe um dever a todo crítico sério de não dizer ao
contrário do que é; ora, por isso, a primeira condição é de não falar daquilo
que não se sabe.
Visitante:
Retornemos, eu vos peço, às mesas moventes e falantes. Não poderia ocorrer que
elas estivessem preparadas?
A.K.:É sempre a
questão da boa fé à qual já respondi. Quando a fraude estiver provada eu vo-la
entrego; se vós assinalardes fatos confirmados de fraude, de charlatanismo, de exploração,
ou de abuso de confiança, eu os entrego à vossa fustigação, vos declarando de
antemão que não lhes tomarei a defesa, porque, o Espiritismo sério é o primeiro
a repudiá-los, e mencionar os abusos é ajudar a preveni-los e prestar- lhe
serviço. Mas generalizar essas acusações, derramar sobre uma massa de pessoas
honradas a reprovação que merecem alguns indivíduos isolados, é um abuso de um
outro gênero: o da calúnia.
Admitindo, como
vós o dizeis, que as mesas estivessem preparadas, seria preciso um mecanismo
bem engenhoso para fazer executar movimentos e ruídos tão variados. Como não se
conhece, ainda, o nome do hábil fabricante que as confecciona? No entanto, ele
deveria ter uma enorme celebridade, uma vez que seus aparelhos estão espalhados
nas cinco partes do mundo. É preciso convir, também, que seu procedimento é bem
sutil, uma vez que se pode adaptar à primeira mesa encontrada, sem nenhum sinal
exterior. Por que desde Tertuliano que, ele também, falou das mesas girantes e
falantes, até o presente ninguém pôde ver o mecanismo, nem descrevê-lo?
Visitante: Eis o
que vos engana. Um célebre cirurgião reconheceu que certas pessoas podem, pela
contração de um músculo da perna, produzir um ruído parecido com o que vós
atribuís à mesa, de onde ele concluiu que vossos médiuns se divertem às custas
da credulidade.
A. K.: Então, se é
um estalido do músculo, não é a mesa que está preparada. Uma vez que cada um
explica essa pretendida fraude à sua maneira, isso é prova, a mais evidente, de
que nem uns nem outros conhecem a verdadeira causa.
Eu respeito a
ciência desse sábio cirurgião, somente que surgem algumas dificuldades na
aplicação dos fatos que ele assinala às mesas falantes. A primeira, que é
singular que essa faculdade, até o presente excepcional, e olhada como um caso
patológico, tenha de repente se tornado tão comum. A segunda, que é preciso ter
uma bem robusta vontade de mistificar para fazer estalar seu músculo durante
duas ou três horas seguidas, quando isso não produz nada além da fadiga e da
dor. A terceira é que não entendo como esse músculo se corresponde com as
portas e paredes nas quais as pancadas se fazem ouvir. A quarta, enfim, que e
preciso a esse músculo estalante uma propriedade bem maravilhosa, para fazer
mover uma pesada mesa, levantá-la, abri-la, fechá-la, mantê-la suspensa sem
ponto de apoio e, finalmente, quebrá-la na queda. Não se desconfiava que esse
músculo tivesse tanta virtude. (Revista Espírita, junho de 1859, página 141: O
músculo estalador).
O célebre
cirurgião do qual falastes, estudou o fenômeno da tiptologia naqueles que o
produzem? Não; ele constatou um efeito fisiológico anormal entre alguns
indivíduos que jamais se ocuparam com as mesas batedoras, tendo uma certa
analogia com aquele que se produz nas mesas, e, sem um exame mais amplo,
concluiu, com toda a autoridade da sua ciência, que todos aqueles que fazem as
mesas falarem devem ter a propriedade de fazer estalar seu músculo curto
peroneiro, e que não são senão enganadores, sejam eles príncipes ou operários,
façam- se pagar ou não.
Ao menos estudou o
fenômeno da tiptologia em todas as suas fases?
Verificou se, com
a ajuda desse estalido muscular, poder-se-ia produzir todos os efeitos
tiptológicos? Nada mais, sem isso estaria convencido da insuficiência do seu
processo; o que não impediu de proclamar sua descoberta em pleno Instituto. Não
há aqui, para um sábio, um julgamento bem sério? O que restou dele hoje? Eu vos
confesso que, se tivesse que sofrer uma intervenção cirúrgica, hesitaria muito
em me confiar a esse profissional, porque temeria que ele não julgasse meu mal
com mais perspicácia.
Uma vez que esse
julgamento é de umas das autoridades sobre as quais pareceis dever vos apoiar
para abrir uma brecha no Espiritismo, isso me tranquiliza completamente sobre a
força dos outros argumentos que apresentareis, se vós não os tomardes de fontes
mais autênticas.
Visitante:
Todavia, vedes que a moda das mesas girantes já passou; durante um tempo foi um
furor, hoje, dela não se ocupam mais. Por que isso, se é uma coisa séria?
A.K.: Porque das
mesas girantes saiu uma coisa mais séria ainda; delas saiu toda uma ciência,
toda uma doutrina filosófica, muito mais interessante para os homens que
refletem. Quando estes não tinham mais nada para aprender vendo rodar uma mesa,
dela não se ocuparam mais. Para as pessoas fúteis que não se aprofundam em
nada, era um passatempo, um brinquedo e o tiveram bastante; essas pessoas não
são consideradas em ciência. O período de curiosidade teve seu tempo: o da
observação lhe sucedeu. O Espiritismo, então, entrou para o domínio das pessoas
sérias, que não se divertem com ele, mas que se instruem. Também as pessoas que
fazem dele uma coisa séria não se prestam para nenhuma experiência de
curiosidade, e menos ainda para aqueles que nela viriam com pensamentos hostis.
Como elas próprias não se divertem, não procuram divertir os outros; e eu sou
desse número.
Visitante: Não há,
todavia, senão a experiência para convencer, mesmo não tendo, no início, senão
um objetivo de curiosidade. Se vós não operais senão em presença de pessoas
convencidas, permiti-me dizer-vos que pregais aos convertidos.
A.K.: Uma coisa é
estar convencido, outra é estar disposto a se convencer. É a estes últimos que
eu me dirijo, e não àqueles que creem humilhar sua razão vindo escutar aquilo
que chamam de fantasia. Com estes eu me preocupo o menos possível. Quanto
àqueles que dizem ter o desejo sincero de se esclarecer, a melhor maneira de o
provar é mostrando perseverança. Se os conhece por outros sinais além do desejo
de ver uma ou duas experiências: estes querem trabalhar seriamente.
A convicção não se
forma senão com o tempo, por uma contínua observação feita com um cuidado
particular. Os fenômenos espíritas diferem essencialmente daqueles que se
apresentam nas ciências exatas: eles não se produzem à vontade. É preciso
compreendê-los quando ocorrem. É vendo-os muito e por longo tempo, que se
descobre uma multidão de provas que escapam ao primeiro olhar, sobretudo,
quando não se está familiarizado com as condições nas quais eles podem se
produzir, e ainda mais quando se leva um espírito de prevenção. Para o
observador assíduo e refletido, as provas são bastante: para ele uma palavra,
um fato aparentemente insignificante, pode ser um sinal de luz, uma
confirmação. Para o observador superficial e de passagem, para o simples
curioso, elas nada são. Eis porque eu não me presto para experiências sem
resultado provável.
Visitante: Mas,
enfim, é preciso um começo para tudo. O iniciante, que é uma tábula rasa, que
não viu nada, mas que quer se esclarecer, como pode fazê-lo se vós, para isso,
não lhe dais os meios?
A.K.: Eu faço uma
grande diferença entre o incrédulo por ignorância e o incrédulo sistemático.
Quando vejo em alguém disposições favoráveis, nada me custa esclarecê-lo. Mas
há pessoas em que o desejo de se instruir não é senão uma aparência: com estes
perde-se tempo, porque se eles não encontram imediatamente o que têm o ar de
procurar, e que talvez os descontentariam encontrar, o pouco que veem é
insuficiente para destruir suas prevenções. É inútil lhes fornecer oportunidade
porque elas a julgam mal e a fazem objeto de zombaria.
Àquele que deseja
se instruir, direi: "Não se pode fazer um curso de Espiritismo
experimental como se faz um curso de física ou de química, já que não se é
jamais senhor para produzir os fenômenos à vontade, e que as inteligências que
lhes são agentes, frustram frequentemente todas as nossas previsões. O que vós
podereis ver acidentalmente, não apresentando nenhuma continuidade, nenhuma
ligação necessária, seria pouco inteligível para vós.
Instruí-vos,
primeiro, pela teoria; lede e meditai os livros que tratam dessa ciência; ali
aprendereis seus princípios, encontrareis a descrição de todos os fenômenos,
compreendereis sua possibilidade pela explicação que é dada, e pela narração de
uma multidão de fatos espontâneos, dos quais podeis ter sido testemunhas sem o
saber e que vos tornarão à memória. Vós vos edificareis sobre todas as
dificuldades que podem se apresentar e formareis, assim, uma primeira convicção
moral. Então, quando se apresentarem as circunstâncias de ver e de operar por
vós mesmos, compreendereis, qualquer que seja a ordem pela qual os fatos se
apresentem, porque nada vos será estranho."
Eis, senhor, o que
aconselho a quem diz querer se instruir, e, pela sua resposta, é fácil de se
ver se tem outra coisa além da curiosidade.
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