MÃE
Francisco Cândido Xavier
Espíritos Diversos
PREFÁCIO
O CRAVO-BRANCO DE ANNA JARVIS
“Ela disse, com terrível amargura, que lamentava ter criado
o Dia das mães”.
Quando as pessoas leram essa frase impressa, deixaram o
jornal cair-lhes das mãos.
Quedaram num silêncio de reprovação ou de perplexidade que,
nem por isso, diminui o impacto da acusação lançada à face do “way of
life" do mundo ocidental. A declaração foi prestada à imprensa americana
por um jornalista que, a pretexto de entregar uma encomenda, conseguiu ser o
último repórter a entrevistar Anna Jarvis. Foi nas vésperas de um Dia das Mães,
maio entrava triunfante, saltando no trampolim da primavera, o céu azul,
disparando canções de vento e nuvem. Entretanto, no interior da casa cercada de
árvores trêmulas, na Rua 12 Norte, em Filadélfia, havia penumbra, um ar de
outono estagnado, as horas pingando de um velho relógio, em fonte de desalento.
- Antes não o tivesse feito! Lamento ter criado o Dia das
Mães!
Não muito tempo se passou e, exausta, organizaste, Anna
Jarvis era levada para o Sanatório da Praça Marshal, na cidade de West Chester,
Estado da Pensilvânia.
Morreu ali!
Sua cabeça pendeu sobre o travesseiro, cravo-branco ferido,
que murchou e morreu, impotente aos revérberos ferozes de milhares de sóis em
dólar-ouro.
*
Dezenas de mensagens têm chegado, pelas fontes mediúnicas,
dizendo aos espíritas que é preciso dar ao Natal o seu verdadeiro espírito.
Alguém, algum dia, fará isso!
Uma opinião, em processo de cristianização autêntica, vai
desenhar as imensas do natal-pagão, cintilante em seus falsos ouropéis, desbragado,
gargalhando de escárnio ante ao clamor dos bolsos vazios. Vai deter o rio de
sangue de inocentes animais sacrificados, essa correnteza que tinge de
escarlate os personagens todos de um presépio em Belém, cabras e ovelhas com
seu calor para um recém-nascido pobre e desnudo, o jumento que serviu à
inefável Mãe para descer das agruras escarpadas de Nazaré.
Quem poderá dizer que, nos recintos domésticos, os espíritas
- que tão perto têm acesso a tal literatura de protesto! - modificaram esse
Natal de alegrias falsa, garantindo por vinhos coniventos?!
Quem poderá dizer que eles o tentaram?
Todavia já detêm a incipiente caracterização do Natal dos
Homens-de-Paz-e-Boa-Vontade, e saem de suas casas - que importa se apenas por
um dia! - levando o agasalho e o pão se levanta, impossível de ser amordaçado,
o gemido negado da Fome e do Esquecimento, estranhamento desafinando os hinos
distraídos a repetir Glórias e Hosanas.
Assim, pois, soluções e soluções esperam ser encontradas!
E, como se não bastasse, eu venho falar aos espíritas em
nome de Anna Jarvis. Ela me pediu, mil vezes! Em cada página psicografada de
Francisco Cândido Xavier, que eu compilava.
No ruído das teclas, na luz que fugia ou na luz que chegava.
Ela diz que ALGUÉM precisa restabelecer o espírito
abastardado do Dia das Mães. E pergunta: “E uma maldição que os homens tenham
de mercadejar com tudo quanto é belo, santo e puro?”.
Por favor, peça aos espíritas que, conjuntamente ao Natal, retirem
o Dia das Mães dos balcões e caixas registradoras. Enfeitem nos de Bondade e
Alegria, contabilizem-nos no coração!
Eles podem fazer isto!
Eu espero que ela use do seu último argumento e então lhe
digo: “Minha bem-amada Anna, deixe que eu conte aos meus irmãos a tua
história...”
*
Certo dia, em 1925, uma mulher alta e energética, de aspecto
decidido, entrou num hotel de Filadélfia e encaminhou-se na direção de um grupo
de senhoras da Associação das Mães de Veteranos de Guerra, reunidas em
convenção.
Censurou-as, denunciando-as por venderem o cravo branco,
símbolo do Dia das Mães, por preços extravagantes e extorsivos. Diversas
pessoas tentaram interrompê-la, mas a sua invectiva era fria e obstinada.
Finalmente foi chamado um policial. A dama foi presa sob a alegação de
perturbar a ordem. Assim terminava mais um incidente na atribulada carreira de Anna
Jarvis, a criadora do Dia das Mães.
Quando o juiz, constrangido, pôs Anna Jarvis em liberdade,
um repórter foi visitá-la em sua casa, à Rua 12 Norte, em Filadélfia. A bela
mulher, de cabelos brancos e 60 anos de idade, estava sentada numa cadeira de
espaldar reto e seu olhar estava posto no retrato de sua mãe.
O jornalista perguntou-lhe:
- Por que a senhora não desiste? Está lutando contra o mundo
sozinha! Deveria orgulhar- se por ser a criadora do Dia das Mães.
- O Dia das Mães foi transformado num comércio sórdido. O
senhor leu o que escrevi ao Presidente Coolidge?
O rapaz acenou afirmativamente. A carta fora publicada pelos
jornais. Em um certo tópico, Anna Jarvis dizia: “Estou tentando, de todas as
maneiras ao meu alcance, evitar que o Dia das Mães seja aviltado por certa
classe de indivíduos e organizações que vêem nele apenas um meio para ganhar
dinheiro”.
- Mas, retrucou o repórter - , afinal foi à senhora mesma
quem instou durante anos para que o cravo branco fosse transformado em símbolo
do Dia das Mães. Foi a senhora quem insistiu para que todos mandassem mensagens
de carinho às mães, por telegrama ou carta.
- O senhor está dizendo que o meu triunfo é, também, o meu
fracasso. Está bem! Você tem razão, meu rapaz! Este é o paradoxo de minha vida.
Mas não era o único paradoxo na vida de Anna Jarvis. Embora
fosse uma mulher extremamente bela, jamais se casara. Nascera em 1864, em
Grafton, Vírginia Ocidental, onde crescerá, transformando-se numa beldade
esbelta e ruiva. Por que uma jovem assim teria permanecido solteira?
Um amigo da família contou. “Anna teve um caso de amor mal
sucedido e isso a deixou abalada e desiludida.Daí por diante deu as costas a
todos os homens”.
Ao sair da faculdade Mary Baldwin, em 1883, dedicara-se ao
magistério em Grafton.
Não que precisasse do salário. Sua mãe, viúva, gozava de boa
situação. Alguns anos mais tarde, Anna, sua mãe e sua irmã mais nova, Elsinore,
que era cega, mudou-se para Filadélfia.
Anna empregou-se como assistente no departamento de
publicidade de uma companhia de seguros. Assim viveu dos 20 aos 40 anos. Então,
em 1905, a sra. Jarvis faleceu. Foi um golpe terrível que, entretanto, marcou o
início de nova e vital etapa na vida de Anna.
Contava ela, então, 41 anos, era dona de uma bela casa,
tutora da irmã cega e principalmente beneficiária da herança materna.
Enquanto decorriam os dias longos, o coração clamando pela
presença materna, uma visão tomou corpo em seu espírito: a instituição de um
dia consagrado às mães.
Sugeriu a idéia ao Prefeito Reyburn, de Filadélfia. Esse foi
o início da cruzada de Anna Jarvis. O ponto básico era - ela insistia - a
homenagem não só às mães vivas, mas, também, às mães que já haviam morrido. De
sua casa - feita quartel-general - ela dirigiu uma das mais estranhas e
eficientes campanhas epistolares de que se tem notícia. Escreveu a
governadores,
congressistas, clérigos, industriais, clubes femininos - a
qualquer um que pudesse exercer influência. As respostas a essas cartas em
número tão considerável - demandavam tanta correspondência - que Anna deixou o
emprego que tinha a fim de dedicar-se inteiramente à sua campanha.
Quando verificou que sua casa se tornara pequena para servir
de escritório, comprou a casa vizinha. Em breve era convidada a visitar outras
cidades para falar perante diversas organizações.
Escreveu e imprimiu folhetos sobre seu plano,
distribuindo-os gratuitamente.
Toda essas atividades consumiam boa parte de sua fortuna,
mas Anna jamais permitiu que isso a preocupasse.
Corriam os dias em que outras mulheres corajosas e
energéticas - as célebres Sufragettes - lutavam pelo direito de voto. Os
objetivos de Anna Jarvis eram mais sentimentais, menos sujeitos a
controvérsias. Como poderia um legislador combater algo tão doce, puro e cheio
de beleza como um Dia das Mães? E a Virgínia Ocidental foi o primeiro Estado
norteamericano a adotar oficialmente a data festiva.
Anna Jarvis, inspirada por esses primeiros sucessos,
continuou a escrever, a viajar, a fazer conferência. Em 1914 sua eloqüência
persuadiu o Deputado J. Thomas Heflin, do Alabama, e o Senador Morris Sheppard,
do Texas, a apresentarem uma proposta conjunta para que se observasse em toda a
nação norte-americana, o Dia das mães. A proposta foi aprovada pelas duas casas
do Congresso.
O verdadeiro grande momento de Anna chegou quando o
Presidente Woodrow Wilson assinou uma proclamação na qual recomendava que o
segundo domingo de maio (aniversário da morte da mãe de Anna) fosse observado
no país inteiro como o Dia das Mães.
Todavia, para Anna, esse triunfo não era suficiente. Ainda
era preciso conquistar o resto do mundo! Assim, a correspondência, os discursos
e os folhetos de exportação continuaram, agora em escala internacional.
E o seu esforço foi notavelmente bem sucedido. Só no decurso
de sua vida, 43 países adotaram o Dia das Mães. O Brasil foi um deles. A 5 de
maio de 1932, o então chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, promulgou
oficialmente, pelo decreto 21.366, o segundo domingo do mês de maio, o Dia das
Mães.
Infelizmente o triunfo de Anna Jarvis em breve se tornava a
sua grande frustração. Ela escrevia desesperada por centenas de jornais: “Então
comercializando o meu dia das Mães!
Não era isso que eu pretendia! Esse é um dia de sentimentos
e não de lucros!”
Anna não queria que a festa da mãe pobre fosse diferente da
festa da mãe rica. Um simples cravo branco, a flor predileta de sua mãe,
bastava para exprimir um mundo de afeto!
Ela estava atônita. Inesperadamente viu-se pobre e só. A
escada do templo, de onde queria expulsar os vendilhões, tornaram-se uma rua
comercial sem horizontes: dezena de vezes dava a volta ao mundo. Todo o
dinheiro de sua herança se fora.
Então fazemos apagar-se para sempre o seu belo sorriso,
onde, durante anos tatalara asas a borboleta de ouro de suas esperanças,
recolheu-se à sua casa na Rua 12 Norte. Levanto pela mão a passiva Elsinore,
fechou com firmeza a porta às suas costas. Daí para frente recusava-se a
receber quem quer que fosse.
Assim deixou-se levar pelas torrentes crepusculares dos anos
até a enseada da Praça Marshal, em West Chester.
- Antes não o tivesse feito! Lamento ter criado o Dia das
Mães!
*
Agora este livro espírita está pronto. Ele se move no fulcro
mesmo dos anseios, angústias, esperanças e reivindicações de Anna Jarvis.
Eu creio que ele encheu o seu coração vazio!
Entre cravos brancos e preces, louvor, ternura e devoção,
aqui se encontra algo que não pode ser comprado nem vendido, que não se expõe
em vitrinas e nem se embrulha em papel dourado, com laços coloridos: LUZ
ESPIRITUAL.
Eis algo em que Anna Jarvis gostaria de ter pensado.
Todavia, este não é um livro Cor-de-Rosa. O que existe nele
de floração, nasce de um solo cuja fertilidade se chama: consciência e conseqüência.As
vozes que nele vão travar um diálogo, às vezes contumaz, sempre forte como o
cristal, tentam ecoar para muito além das distâncias e dos horários.
Elas chamam a Terra: Mãe! Chama a Miriam, esposa de José,
carpinteiro nazareno:
Mãe! Gritam: Mãe! a todas as mulheres do mundo. E esse grito
é triunfo, pois mil vozes respondem:
Meu filho!
De modo que o desafio de Anna Jarvis está feito.
Em cada página deste livro estão os pensamentos que,
desesperadamente, ela procurou na casa vazia da Rua 12 Norte.
Por isso, hoje, eu me volto para a presença ausente de Anna
Jarvis e suavemente lhe digo:
Este livro é teu! Toma-o! É a bíblia de tua companhia, o
manifesto de teu movimento.
Jamais homem algum poderá mercadejar com quanto vai aqui
escrito. A tua causa, pois, não está perdida!
Depois de tantos e tantos anos, ela sorri - a audaz mulher
de Filadélfia - e, componho de luar um cravo branco, atira-lo. Em sua
trajetória de arco-íris, ele atravessa esta página. E, leitora, eis que cai em
teu regaço.
Tu foste, és, ou serás mãe. Em ti - aurora desagrilhoada -
estão o poder, o Reino e a Glória.
Anna Jarvis dá-te o seu cravo branco, dá-te o seu Dias das
Mães. Lê este livro e faze desse cravo, desse Dia, aquilo que te parece melhor.
Wallace Leal V. Rodrigues
Araraquara, primavera de 1971.
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