Céu inferno_064_2ª parte cap. V - Suicidas -
Um ateu
TEXTO PARA ESTUDO
O Sr. J.-B.D... era um homem instruído, mas
em extremo saturado de idéias materialistas, não acreditando em Deus nem na
existência da alma. A pedido de um parente, foi evocado dois anos depois de
desencarnado, na Sociedade Espírita de Paris.
1. - Evocação.
- R. Sofro. Sou um réprobo.
2. - Fomos levados a evocar-vos em nome de
parentes que, como tais, desejam conhecer da vossa sorte. Podereis dizer-nos se
esta nossa evocação vos é penosa ou agradável?
- R. Penosa.
3. - A vossa morte foi voluntária?
- R. Sim. Nota - O Espírito escreve com
extrema dificuldade. A letra é grossa, irregular, convulsa e quase
ininteligível. Ao terminar a escrita encoleriza-se, quebra o lápis e rasga o
papel.
4. - Tende calma, que nós todos pediremos a
Deus por vós.
- R. Sou forçado a crer nesse Deus.
5. - Que motivo poderia ter-vos levado ao
suicídio?
- R. O tédio de uma vida sem esperança.
Nota - Concebe-se o suicídio quando a vida
é sem esperança; procura-se então fugir-lhe a qualquer preço. Com o
Espiritismo, ao contrário, a esperança fortalece-se porque o futuro se nos
desdobra. O suicídio deixa de ser objetivo, uma vez reconhecido que apenas se
isenta a gente do mal para arrostar com um mal cem vezes pior. Eis por que o
Espiritismo tem seqüestrado muita gente a uma morte voluntária. Grandemente culpados
são os que se esforçam por acreditar, com sofismas científicos e a pretexto de
uma falsa razão, nessa idéia desesperadora, fonte de tantos crimes e males, de
que tudo acaba com a vida. Esses serão responsáveis não só pelos próprios
erros, como igualmente por todos os males a que os mesmos derem causa.
6. - Quisestes escapar às vicissitudes da
vida... Adiantastes alguma coisa? Sois agora mais feliz?
- R. Por que não existe o nada?
7. - Tende a bondade de nos descrever do
melhor modo possível a vossa atual situação.
- R. Sofro pelo constrangimento em que
estou de crer em tudo quanto negava. Meu Espírito está como num braseiro,
horrivelmente atormentado.
8. - Donde provinham as vossas idéias
materialistas de outrora?
- R. Em anterior encarnação eu fora mau e
por isso condenei-me na seguinte aos tormentos da incerteza, e assim foi que me
suicidei.
Nota - Aqui há todo um corolário de idéias.
Muitas vezes nos perguntamos como pode haver materialistas quando, tendo eles
passado pelo mundo espiritual, deveriam ter do mesmo a intuição; ora, é
precisamente essa intuição que é recusada a alguns Espíritos que, conservando o
orgulho, não se arrependeram das suas faltas. Para esses tais, a prova consiste
na aquisição, durante a vida corporal e à custa do próprio raciocínio, da prova
da existência de Deus e da vida futura que têm, por assim dizer,
incessantemente sob os olhos. Muitas vezes, porém, a presunção de nada admitir,
acima de si, os empolga e absorve. Assim, sofrem eles a pena até que, domado o
orgulho, se rendem à evidência.
9. - Quando vos afogastes, que idéias
tínheis das conseqüências? Que reflexões fizestes nesse momento?
- R. Nenhuma, pois tudo era o nada para
mim. Depois é que vi que, tendo cumprido toda a sentença, teria de sofrer mais
ainda.
10. - Estais bem convencido agora da
existência de Deus, da alma e da vida futura?
- R. Ah! Tudo isso muito me atormenta!
11. - Tornastes a ver vosso irmão?
- R. Oh! Não.
12. - E por que não?
- R. Para que confundir os nossos
desesperos? Exila-se a gente na desgraça e na ventura se reúne, eis o que é.
13. - Incomodar-vos-ia a presença de vosso
irmão, que poderíamos atrair aí para junto de vós?
- R. Não o façais, que o não mereço.
14. - Por que vos opondes?
- R. Porque ele também não é feliz.
15. - Receais a sua presença, e no entanto
ela só poderia ser benéfica para vós.
- R. Não; mais tarde...
16. - Tendes algum recado para os vossos
parentes?
- R. Que orem por mim.
17. - Parece que na roda das vossas
relações há quem partilhe das vossas opiniões. Quereis que lhes digamos algo a
respeito?
- R. Oh! os desgraçados! Assim possam eles
crer em outra existência, eis quanto lhes posso desejar. Se eles pudessem
avaliar a minha triste posição, muito refletiriam.
(Evocação de um irmão do precedente, que
professava as mesmas teorias, mas que não se suicidou. Posto que também
infeliz, este se apresenta mais calmo; a sua escrita é clara e legível.)
18. - Evocação.
- R. Possa o quadro dos nossos sofrimentos
ser útil lição, persuadindo-vos da realidade de uma outra existência, na qual
se expiam as faltas oriundas da incredulidade.
19. - Vós, e vosso irmão que acabamos de
evocar, vos vedes reciprocamente?
-R. Não; ele me foge.
Nota - Poder-se-ia perguntar como é que os
Espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem
obstáculos materiais nem refúgios impenetráveis à vista. Tudo é, porém,
relativo nesse mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam. Só
os Espíritos superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são
limitadas. Para estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos
materiais. Os Espíritos furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito
volitivo, que atua sobre o envoltório perispiritual e fluidos ambientes. A
Providência, porém, qual mãe, por todos os seus filhos vela, e por intermédio
dos mesmos, individualmente, lhes concede ou nega essa faculdade, conforme as
suas disposições morais, o que constitui, conforme as circunstâncias, um
castigo ou uma recompensa.
20. - Estais mais calmo do que vosso irmão.
Podereis dar-nos uma descrição mais precisa dos vossos sofrimentos?
- R. Não sofreis aí na Terra no vosso
orgulho, no vosso amor-próprio, quando obrigados a reconhecer os vossos erros?
"O vosso Espírito não se revolta com a
idéia de vos humilhardes a quem vos demonstre o vosso erro? Pois bem! Julgai
quanto deve sofrer o Espírito que durante toda a sua vida se persuadiu de que
nada existia além dele, e que sobre todos prevalecia sempre a sua razão.
Encontrando-se de súbito em face da verdade imponente, esse Espírito sente-se
aniquilado, humilhado. A isso vem ainda juntar-se o remorso de haver por tanto
tempo esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. A situação é
insuportável; não há calma nem repouso; não se encontra um pouco de
tranqüilidade senão no momento em que a graça divina, isto é, o amor de Deus,
nos toca, pois o orgulho de tal modo se apossa de nós, que de todo nos embota,
a ponto de ser preciso ainda muito tempo para que nos despojemos completamente
dessa roupagem fatal. Só a prece dos nossos irmãos pode ajudar-nos nesses
transes.
21. - Quereis falar dos irmãos encarnados,
ou dos Espíritos?
- R. De uns como de outros.
22. - Enquanto nos entretínhamos com o
vosso irmão, uma das pessoas aqui presentes orou por ele: - essa prece lhe foi
proveitosa?
- R. Ela não se perderá. Se ele agora
recusa a graça, outro tanto não fará quando estiver em condições de recorrer a
essa divina panacéia.
Nota - Aqui lobrigamos um outro gênero de
castigo, mas que não é o mesmo em todos os cépticos. Para este Espírito, é
independente do sofrimento a necessidade de reconhecer verdades que repudiara
quando encarnado. As suas idéias atuais revelam certo grau de adiantamento,
comparativamente às de outros Espíritos persistentes na negação de Deus.
Confessar o próprio erro é já alguma coisa, porque é premissa de humildade. Na
subseqüente encarnação é mais que provável que a incredulidade ceda lugar ao
sentimento inato da fé.
Transmitindo a resultante destas duas
evocações à pessoa que no-las havia solicitado, tivemos dela a seguinte
resposta:
"Não podeis imaginar, meu caro senhor,
o grande benefício advindo da evocação de meu sogro e de meu tio.
Reconhecemo-los perfeitamente. A letra do primeiro, sobretudo, é de uma
analogia notável com a que ele tinha em vida, tanto mais quanto, durante os últimos
meses que conosco passou, essa letra era sofreada e in-decifrável. Aí se
verificam a mesma forma de pernas, da rubrica e de certas letras. Quanto ao
vocabulário e ao estilo, a semelhança é ainda mais frisante; para nós, a
analogia é completa, apenas com maior conhecimento de Deus, da alma e da
eternidade que ele tão formalmente negava outrora. Não nos restam dúvidas,
portanto, sobre a sua identidade. Deus será glorificado pela maior firmeza das
nossas crenças no Espiritismo, e os nossos irmãos encarnados e desencarnados se
tornarão melhores. A identidade de seu irmão também não é menos evidente; na
mudança de ateu em crente, reconhecemos-lhe o caráter, o estilo, o contorno da
frase. Uma palavra, sobre todas, nos despertou atenção - panacéia - sua frase predileta,
a todo instante repetida.
"Mostrei essas duas comunicações a
várias pessoas, que não menos se admiraram da sua veracidade, mas os
incrédulos, com as mesmas opiniões dos meus parentes, esses desejariam
respostas ainda mais categóricas.
"Queriam, por exemplo, que M. D... se
referisse ao lugar em que foi enterrado, onde se afogou, como foi encontrado,
etc. A fim de os convencer, não vos seria possível fazer nova evocação
perguntando onde e como se suicidou, quanto tempo esteve submergido, em que
lugar acharam o cadáver, onde foi inumado, de que modo, se civil ou
religiosamente, foi sepultado? Dignai-vos, caro senhor, insistir pela resposta
categórica a essas perguntas, pois são essenciais para os que ainda duvidam.
Estou convencido de que darão, nesse caso, imensos resultados.
"Dou-me pressa a fim de esta vos ser
entregue na sexta-feira de manhã, de modo a poder fazer-se a evocação na sessão
da Sociedade desse mesmo dia... etc."
Reproduzimos esta carta pelo fato da
confirmação da identidade e aqui lhe anexamos a nossa resposta para ensino das
pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.
"As perguntas que nos pediram para
novamente endereçar ao Espírito de vosso sogro, são, incontestavelmente,
ditadas por intenção louvável, qual a de convencer incrédulos, visto como em
vós não mais existe qualquer sentimento de dúvida ou curiosidade. Contudo, um
conhecimento mais aprofundado da ciência espírita vos faria julgar supérfluas
essas perguntas. Em primeiro lugar, solicitando-me conseguir resposta
categórica, mostrais ignorar a circunstância de não podermos governar os
Espíritos, a nosso talante. Ficai sabendo que eles nos respondem quando e como
querem, e também como podem. A liberdade da sua ação é maior ainda do que
quando encarnados, possuindo meios mais eficazes de se furtarem ao
constrangimento moral que por acaso sobre eles queiramos exercer. As melhores
provas de identidade são as que fornecem espontaneamente, por si mesmos, ou
então as oriundas das próprias circunstâncias. Estas, é quase sempre inútil
provocá-las. Segundo afirmais, o vosso parente provou a sua identidade de modo
inconcusso; por conseguinte, é mais que provável a sua recusa em responder a
perguntas que podem por ele ser com razão consideradas supérfluas, visando
satisfazer à curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. A resposta bem
poderia ser a que outros têm dado em casos semelhantes, isto é: - "para
que perguntar coisas que já sabeis?"
"A isto acrescentarei que a
perturbação e sofrimentos que o assoberbam devem agravar-se com as
investigações desse gênero, que correspondem perfeitamente a querer constranger
um doente, que mal pode pensar e falar, a historiar as minúcias da sua vida,
faltando-se assim às considerações inspiradas pelo seu próprio estado.
"Quanto ao objetivo por vós alegado,
ficai certo de que tudo seria negativo. As provas de identidade fornecidas são
bem mais valiosas, por isso que foram espontâneas, e não de antemão
premeditadas. Ora, se estas não puderam contentar os incrédulos, muito menos o
fariam interrogativas já preestabelecidas, de cuja conivência poderiam
suspeitar.
"Há pessoas a quem coisa alguma pode
convencer. Esses poderiam ver o vosso parente, com os próprios olhos, e
continuariam a supor-se vítimas de uma alucinação.
"Duas palavras ainda, quanto ao pedido
que me fizestes de promover essa evocação no mesmo dia do recebimento de vossa
carta. As evocações não se fazem assim de momento; os Espíritos nem sempre
correspondem ao nosso apelo; é preciso que queiram, e não só isso, mas que
também possam fazê-lo. É preciso, ainda, que encontrem um médium que lhes
convenha, com as aptidões especiais necessárias e que esse médium esteja
disponível em dado momento. É preciso, enfim, que o meio lhes seja simpático,
etc. Pela concorrência dessas circunstâncias nem sempre se pode responder, e
importa muito conhecê-las quando se quer praticar com seriedade e
segurança."
QUESTÕES PARA ESTUDO
1) Como era a escrita no começo da
evocação? E como o Espírito se encontrava?
2) Quando se dá o suicídio? Qual o papel do
Espiritismo para se evitar o suicídio?
3) Qual a situação do Espírito?
4) Por que existem materialistas se todos
nós já passamos pelo plano espiritual e deveríamos, todos, ter dele a intuição?
5) Na sociedade existem pessoas que são
materialistas. Qual o recado que o Espírito lhes diria?
6) Vimos no texto que o primeiro Espírito
evocado fugia de seu irmão. Como e por que os Espíritos fogem uns dos outros no
plano espiritual, já que lá não existem obstáculos materiais nem locais para
esconderijos?
CONCLUSÃO
1) A escrita era muito grossa, irregular,
convulsiva e quase ilegível. No começo, o Espírito se encontrava encolerizado,
quebrando o lápis e rasgando o papel.
2) Concebe-se o suicídio quando a vida é
sem esperança; procura-se então fugir-lhe a qualquer preço. Com o Espiritismo,
ao contrário, a esperança fortalece-se porque o futuro se nos desdobra. O
suicídio deixa de ser objetivo, uma vez reconhecido que apenas se isenta a
gente do mal para arrostar com um mal cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo
tem seqüestrado muita gente a uma morte voluntária. Grandemente culpados são os
que se esforçam por acreditar, com sofismas científicos e a pretexto de uma
falsa razão, nessa idéia desesperadora, fonte de tantos crimes e males, de que
tudo acaba com a vida. Esses serão responsáveis não só pelos próprios erros,
como igualmente por todos os males a que os mesmos derem causa.
3)Sofria por ser obrigado a crer em tudo o
que negava. Sua alma era como um braseiro, horrivelmente atormentada.
4) Muitas vezes nos perguntamos como pode
haver materialistas quando, tendo eles passado pelo mundo espiritual, deveriam
ter do mesmo a intuição; ora, é precisamente essa intuição que é recusada a
alguns Espíritos que, conservando o orgulho, não se arrependeram das suas
faltas. Para esses tais, a prova consiste na aquisição, durante a vida corporal
e à custa do próprio raciocínio, da prova da existência de Deus e da vida
futura que têm, por assim dizer, incessantemente sob os olhos. Muitas vezes,
porém, a presunção de nada admitir, acima de si, os empolga e absorve. Assim,
sofrem eles a pena até que, domado o orgulho, se rendem à evidência.
5) Para crerem em uma outra vida. É o que o
Espírito lhes pode desejar de mais feliz; poderiam compreender a sua triste
posição e isso os faria refletirem bem.
6) Poder-se-ia perguntar como é que os
Espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem obstáculos
materiais nem refúgios impenetráveis à vista. Tudo é, porém, relativo nesse
mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam. Só os Espíritos
superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são limitadas. Para
estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos materiais. Os Espíritos
furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito volitivo, que atua sobre o
envoltório perispiritual e fluidos ambientes. A Providência, porém, qual mãe,
por todos os seus filhos vela, e por intermédio dos mesmos, individualmente,
lhes concede ou nega essa faculdade, conforme as suas disposições morais, o que
constitui, conforme as circunstâncias, um castigo ou uma recompensa.
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