INFORMAÇÃO
ESPÍRITA
EDUCAÇÃO
OS
FILHOS DA GUERRA
Carlos
Abranches
O
lar, na Terra, ainda é o ponto de convergência do passado. Dentro
dele (...) recebemos todos os serviços que o tempo nos impõe,
habilitando-nos ao título de cidadãos do mundo.
Emmanuel*
*As
mensagens de Emmanuel e de Meimei estão no livro Luz no Lar (Ed.
FEB), nos capítulos 46 e 57, respectivamente
As
mensagens de Emmanuel e de Meimei estão no livro Luz no Lar (Ed.
FEB), nos capítulos 46 e 57, respectivamente
O
ano de 1989. A região do Planeta é o Leste Europeu. O problema
sociopolítico é o colapso do comunismo e o fim do império montado
pela União Soviética. Neste cenário, a tragédia humana mora
dentro dos corações de milhares de crianças, filhas de romenos,
russos, poloneses...
Abandonadas
pelos pais em orfanatos, elas cresceram em meio a disputas por uma
mamadeira, jogadas dentro do berço por uma babá descomprometida com
a educação emocional dos pequenos, ou desviando-se dos
projéteis não explodidos de uma guerra sem nexo, caídos nas ruas
de cidades semidestruídas.
Quase
dez anos passados deste fato histórico, uma reportagem do The New
York Times Magazine, reproduzida pelo Estado de São Paulo (14 de
junho, 1998), de autoria de Margaret Talbot, traz à tona uma das
mais impressionantes experiências realizadas por pais americanos
junto a menores adotados no Leste Europeu, principalmente na Romênia
e na Rússia. É o relato sobre os sofrimentos de mais de 18 mil
crianças nascidas nessa região. Elas enfrentaram os horrores não
só das guerras que nunca terminaram, mas também da falta de
recursos econômicos, de vínculos afetivos reais e duradouros, de
pais que fizessem algo mais do que gerá-las.
***
A
mãe está sentada de braços cruzados, com um sorriso educado e
constrangido no rosto. É um dia frio de fevereiro, em uma clínica
nos arredores de Denver. Ela, dona-de-casa, fala sobre o filho
adotado. Ele foi trazido da Romênia quando tinha 4 anos, em junho de
1991. A mãe havia morrido - disse aos pais americanos o agente de
adoção daquele país - ou seu pai era alcoólatra, quase cego.
Quando o pai biológico não os forçava a mendigar, tentava
vendê-los a algum estrangeiro; se nada conseguia, deixava-os à
mercê do abandono e da negligência.
Quando
o casal decidiu fazer a adoção, estava consciente de que estaria
assumindo toda a história emocional de um menino que, ainda que com
um pouco de vida, já era herdeiro de intensa vivência de grandes
perdas. Na verdade, os futuros pais e mães não esperavam que as
coisas ficassem mais difíceis do que as imaginariam. O garoto era
desajeitado, sofria com terrores noturnos, não suportava que sua mãe
adotiva o tocasse e demonstrava dificuldade para criar laços
afetivos duradouros.
Na
contramão destas características, ele revelou-se uma criança não
violenta e com capacidade para demonstrar ternura; adorava, por
exemplo, segurar bebês. Na análise de tão grave quadro clínico,
os especialistas definiram o problema por que passam essas crianças:
desordem de vínculo, ou a incapacidade relativa de realizar
vínculos afetivos, por graves carências vividas na primeira
infância.
Os
teóricos do comportamento chegaram a conclusões marcantes, com base
não só no sofrimento enfrentado por esses filhos sem pais, mas
igualmente por outros milhões de crianças espalhadas pelo mundo, em
países ricos ou pobres, que passaram pelas mesmas situações.
Nosso
desiderato, neste artigo, é buscar caminhos para uma compreensão
dos fatos citados sob o prisma do estudo espírita. Algumas dessas
análises já foram feitas por Espíritos de elevada condição, que
traduziram, em seu textos, a compreensão da vida sob a ótica do
Espiritismo. Façamos uma leitura comparada, para notar que a
Doutrina Espírita
sempre esteve sintonizada com o seu tempo histórico (quanto não
caminhou à frente dele), restando ao homem descobrir esse manancial
de valores e conceitos de grandeza incomensurável, à sua disposição
para a efetiva ascensão espiritual.
***
Linda
Mayes e Sally Provence, professoras de desenvolvimento infantil na
Yale University, concluíram que “a continuidade do cuidado afetivo
dado por uma pessoa ou um grupo origina o desenvolvimento das
relações amorosas da criança”.
O
psicanalista D. W. Wiinnicott escreveu que “sem ter alguém
dedicado especificamente às suas necessidades, o bebê não consegue
estabelecer uma relação eficiente com o mundo externo. Sem alguém
para dar-lhe gratificações instintiva e satisfatória, o bebê não
consegue descobrir o seu próprio corpo nem consegue desenvolver uma
personalidade integrada”.
Na
mesma linha de análise, a psicóloga Mary Ainsworth chamou de base
segura a presença de uma pessoa cujo amor seja confiável e para
quem uma criança pode voltar-se em busca de seu reabastecimento
emocional. Paradoxalmente - entende a psicóloga - “poder relaxar
em relação à sua dependência é o primeiro passo na direção da
independência”.
A
convivência com crianças que, anos depois de adotadas, ainda viviam
como que reagindo às experiências traumáticas pelas quais passaram
nos orfanatos, reforçou argumentos defendidos por abordagens que
analisam as relações de afeto, como a Teoria do Vínculo, por
exemplo, desenvolvida por pesquisadores como o psiquiatra inglês
John Bolby e o psicanalista francês René Spitz.
Em
seus estudos, eles demonstraram o impacto que crianças sofrem quando
são separadas de seus pais, por motivos variados, como o abandono ou
negligência, a separação, a necessidade de sair em busca de
emprego e de deixar o filho aos cuidados de uma babá ou em creches
etc. Umas das mães adotivas, Thais Tepper, relatou, na reportagem,
que se revoltou quando descobriu, só depois da adoção, os
problemas de saúde de seu filho. Decorrido um ano depois que o
trouxeram para casa, quando ele ainda não falava e fugia dela sempre
que podia, é que Thais chegou à conclusão de que o amor é uma
experiência que, para alguns, precisa ser aprendida. Foi aí que ela
começou a estudar a Teoria do Vínculo.
Thais
afirma que “essas crianças não têm apenas problemas
psicológicos. Se você não tem uma mãe que senta e lê para você,
vai acabar atrasado cognitivamente”. Neste sentido, a
privação de afeto acaba não permitindo que uma criança não se
torne apta emocionalmente. Torna-se marcante e decisivo o fato de o
bebê não ser alimentado quando precisa, não ouvir uma pessoa
quando está começando a balbuciar, a fazer seus primeiros contatos
com o mundo.
***
O
Espiritismo entende a adoção como uma das mais belas vivências da
alma na Terra. Dar a uma criança a oportunidade de viver em um lar
estruturado, com chances de crescer através de uma convivência
carinhosa com pais e irmãos, é abrir caminhos novos e altamente
positivos para a redenção espiritual. É uma das formas de
resgatar, com base no amor, antigos vínculos do passado e substituir
velhas matrizes de ódio e vingança por novas bases de perdão,
ternura e companheirismo.
Quando
o “novo filho” é também um dos filhos da guerra, não só das
que utilizam armas, mas igualmente das que se travam nas favelas da
miséria socioeconômica de qualquer cidade, os pais ganham valiosos
reforços em suas lutas particulares de crescimento espiritual. Não
só marcantes conquistas no campo da afetividade são realizadas, mas
também novos amigos espirituais se apresentam para partilhar com a
família suas lutas em busca da ascese íntima: os inimigos do
passado, que não resistem à mudança de seus devedores, e os
benfeitores espirituais dos “adotados”, que estão, por si,
lutando para a melhora definitiva de seus queridos do coração.
Os
laços com os rebentos de sangue e os do coração passam a ser um
só. Emmanuel afirma que o filho, sendo a materialização dos sonhos
dos pais, é também a obra deles na Terra. Daí, a necessidade de
recebê-lo como quem encontra a oportunidade mais santa de trabalho
no mundo.
Reforçando
a atitude de quem resolveu acalentar nos braços os filhos de outras
mães como se fossem seus, a recomendação do Espírito Meimei é de
notável beleza, quando relembra que, se os nossos pequeninos trazem
nas feições a perfeição dos astros, somos incenssatemente
chamados a estender as mãos compassivas aos enfermos que chegam à
Terra como lírios contundidos pelo granizo do sofrimento.
Esses
não são apenas os doentes do corpo ou da mente, mas também aqueles
que se tornaram machucados da emoção, por causa do abandono de pais
inscientes de suas responsabilidades.
Segundo
Meimei*, “são aves cegas que não conhecem o próprio ninho,
pássaros mutilados esmolando socorro em recantos sombrios da
floresta do mundo!...”
Como
que enviando uma mensagem amorosa aos corações dos pais americanos,
que estão vivendo a experiência da adoção, ela escreve ainda que
esses outros “são nossos outros filhos do coração, que volvem
das existências passadas, mendigando entendimento e carinho, a fim
de que se desfaçam dos débitos contraídos consigo mesmos...”
***
Enquanto
escrevemos estas páginas, imaginamos o que o conhecimento da
realidade espiritual sob a lente do Espiritismo poderia fazer, em
termos de renovação de ânimo e de coragem, no íntimo de tantos
pais desesperançados.
De
imediato, chega-nos ao coração a vontade de orar por eles,
pedindo-lhes que, por enquanto, não aguardem dos filhos que vieram
de um mundo familiar dilacerado respostas imediatas de reconhecimento
emocional.
No
desejo de confortá-los, repetimos as expressões de Meimei*, quando
afirma que “cada vez que lhes ofertes a hora de assistência ou a
migalha de serviço, o leito agasalhante ou a lata de leite, a peça
de roupa ou a carícia do talco, perceberás que o júbilo do Bem
Eterno te envolve a alma no perfume da gratidão e na melodia da
bênção”.
FONTE:
REFORMADOR, nº2109
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