Entre a Terra e o Céu_19_Dor e Surpresa.txt
- Julio ! Julio ! Comparece, covarde! ... _
bramia o enfermeiro, possesso.
E percebendo talvez a simpatia que Amaro
nos conquistara, à face da serenidade com que suportava a situação, prosseguiu,
invocando, revel:
- Comparece para desmascarar o patife que
procura comover-nos! Julio, odeio-te! Mas é necessário apareças! Acusa teu
desalmado assassino!...
O Ministro procurava contê-lo, bondoso, mas
Silva, como potro indomesticado, gesticulava a esmo e continuava, conclamando:
(...)
Sim, Julio não respondeu à chamada,
entretanto, alguém surgiu, surpreendendo-nos a atenção.
A irmã Blandina, em pessoa, qual se fora
nominalmente intimada, estacou junto de nós.
(...)
- Irmãos, por amor a Jesus, atendei!...
Temos Julio, sob a nossa guarda. Acha-se doente, aflito... Vossos apelos
individuais alteraram-lhe o modo de ser... Poderia colocar-se mentalmente ao
vosso encontro, contudo, atravessa agora difíceis provas de reajuste...
Venho implorar-vos caridade!...
Compadecei-vos de quem hoje se esforça por olvidar o que foi ontem para
regenerar-se amanhã, com eficiência!...
(...)
Comecei a entender com mais clareza a trama
obscura do romance vivo que abordávamos. Julio, o menino doente, era o
companheiro que voltava na condição de filho do amigo com quem outrora se
desaviera.
Não pude, porém, alongar divagações, porque
Silva, provavelmente revoltado contra a emoção que nos senhoreava o espírito,
passou a reclamar, de novo:
(...) - Que Julio permaneça no céu ou no
inferno, sob a custódia dos arcanjos ou dos demônios, todavia, exijo que a
verdade surja, inteira!
Recorro ao testemunho de Lina!
(...)
Nosso instrutor, assumindo a chefia
espiritual do grupo, convidou com energia e brandura:
- Lina encontra-se não longe de nós.
Entremos.
(...)
Na penumbra do quarto que já conhecíamos a
segunda esposa jazia subjugada pela outra.
Enquanto Odila se nos afigurava mais
rancorosa e mais dura, Zulmira revelava-se mais abatida.
Clarêncio enlaçou Mario, como um pai que
recolhe um filho, carinhosamente, e, apontando a enferma, esclareceu, generoso:
- Amigo, acalma-te! Lina Flores, atualmente,
padece na forja da luta e do sacrifício, a fim de recuperar-se. Apaga a
labareda de ódio que te requeima o coração! Deixa que nova compreensão te
beneficie a alma ulcerada!... Não nos cabe prejudicar o caminho de quem procura
a regeneração que lhe é necessária! ...
(...)
- Lina, hoje, com imensas dificuldades,
tenta alcançar a altura do casamento digno e, superando tremendos obstáculos,
constrói os alicerces da missão de maternidade para a qual se encaminha...
Ajudemo-la com as nossas vibrações de
compreensão e carinho. Quando amamos realmente, antes de tudo é a felicidade da
criatura amada que nos interessa...
(...)
Junto de nós, Blandina mantinha-se em
prece.
(...)
- Zulmira, Zulmira, então é Lina que volta?
O Ministro acariciou-lhe a cabeça e
informou, conciso:
- Sim, regressou em companhia de Armando,
em dolorosas reparações. O consórcio para eles não foi o castelo de flores de
laranjeira, mas sim uma associação de interesses espirituais para o trabalho regenerativo.
Armando, em luta no plano da vida real para
reerguer-se, aceitou o compromisso de reconduzi-la à dignidade feminina,
amparando-lhe as angústias silenciosas...
Estupefato, Silva exclamou, cambaleante:
- Quer dizer então que Zulmira me traiu duas
vezes?
- Não te refiras à traição _ corrigiu
Clarêncio, sem alterar-se -, é imprescindível compreender! Armando, ontem,
escutou apelos inferiores, incompatíveis com as responsabilidades de que se via
depositário. Hoje, é compelido a responder, embora constrangido, a requisições
de natureza edificante, às quais, em verdade, não lhe será lícito fugir. Lina Flores
reclama alguém que a recambie ao serviço renovador, a fim de que se habilite a
auxiliar Julio, devidamente. Todos somos devedores uns dos outros. As almas
aprimoram-se, grupo a grupo, à maneira de pequenas constelações, gravitando em
torno do Sol Magno, Jesus Cristo!... Como um astro que se distancia do núcleo
em que se integra, abandonaste a órbita de velhos companheiros de evolução,
caindo, pelas vibrações de afetividade e ódio, no centro de forças em que
Leonardo Pires e Lola
Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação,
de modo a se liberarem perante a Lei. Amaro, noutro tempo, separou Zulmira e
Julio, estabelecendo espinheiros dilacerantes entre os dois... Agora, cabe-lhe reuni-los
no carinho familiar, para que na posição de mãe e filho se reajustem na afeição
santificadora... Antigamente, isolaste Leonardo da afetuosa assistência de
Lola, criando embaraços asfixiantes à própria marcha... Prepara-te na fé para
congregá-los de novo, no templo doméstico, igualmente na condição de filho e
mãe, de maneira a se redimirem para a bênção do amor puro... Nossas ações são
pesadas na Justiça Divina... Não podemos enganar o Supremo Senhor. Nossos
débitos, por isso mesmo, devem ser resgatados, ceitil a ceitil...
(...)
Amaro dobrara a cerviz, revelando-se
disposto a obedecer aos ditames de natureza superior, fossem como fossem.
Silva, no entanto, não parecia desperto
para as verdades que Clarêncio pronunciara.
(...)
- Não posso modificar-me, desgraçado de
mim!... Odiarei! Odiarei a infame que voltou!... Somente a vingança me convém,
não quero perdoar!
Novamente enraivecido e inquieto, como fera
solta, erguia os punhos cerrados contra a desditosa mulher que jazia no leito,
em lastimável prostração. Seu veículo espiritual rodeava-se agora de um halo cinzento-escuro,
que despedia raios desagradáveis e perturbantes.
Nosso orientador libertou-o da influência
magnética com que lhe tolhia as energias.
Tão logo se reconheceu sem o controle que
lhe sofreava os movimentos, Silva retrocedeu, exclamando:
- Não suporto mais! Não suporto mais!
E correu para o seio da noite.
Clarêncio recomendou-nos seguir-lhe o
passo, enquanto prestaria assistência ao ferroviário e à esposa, em colaboração
com Blandina. O enfermeiro, decerto _ informou o Ministro prestimoso -,
retomaria o corpo denso em aflitivas condições de saúde. Passes anestesiantes deviam
favorecê-lo. Não podia lembrar a experiência grave daquela hora.
A aventura provocada pela insistência
mental dele mesmo era suscetível de perigosas conseqüências.
Num átimo, Hilário e eu achamo-nos ao lado
de Silva, que aderia ao envoltório de carne com o automatismo da molécula de
ferro, atraída pelo ímã.
Examinamo-lo atentamente.
O peito arfava-lhe, sibilante.
O coração acusava-se desgovernado, sob o
império de insopitável arritmia.
De imediato, entramos em ação,
sossegando-lhe o campo mental, quanto possível, através de sedativos
magnéticos.
Ainda assim, apesar dos passes, pelos quais
foi completamente envolvido de energias revigoradoras, o moço acordou agoniado,
hesitante e trêmulo, como se estivesse fugindo de medonhas tempestades no
mundo íntimo.
Semi-inconsciente, despendeu vários minutos
para identificar-se.
O pensamento surgia-lhe atormentado,
nebuloso...
Tentou locomover-se, mas não conseguiu.
Sentia-se chumbado à cama, quase na situação de um cadáver repentinamente
desperto.
Buscou alinhar recordações, contudo, não
pôde.
Sabia tão somente que atravessara grande
pesadelo cujas dimensões lhe não cabiam na memória.
Suarento, aflito, sentia-se morrer...
Instintivamente orou, suplicando a Proteção
Divina.
Bastou essa atitude dalma para ligar-se,
com mais facilidade, aos fluidos restauradores que lhe administrávamos.
Pouco a pouco, readquiriu os movimentos
livres e levantou-se, ingerindo uma pílula calmante.
Amedrontado, sentou-se no leito e,
mergulhando a cabeça nas mãos, falou sem palavras, de si para consigo: - Estou
evidentemente conturbado.
Amanhã, consultarei um psiquiatra. É a
minha única solução.
Sim concordei comigo mesmo -, o ódio gera a
loucura. Quem se debate contra o bem, cai nas garras da perturbação e da morte.
Com semelhante raciocínio, afastei-me.
Clarêncio aguardava-nos.
Era preciso continuar na lição.
Questões para estudo:
1) No trecho - O consórcio para eles não
foi o castelo de flores de laranjeira, mas sim uma associação de interesses
espirituais para o trabalho regenerativo. Reparamos que o casamento na maioria
das vezes não é o encontro de almas gêmeas, num caminho de felicidade suprema.
Por que ?
2) Explique os trechos:
a. As almas aprimoram-se, grupo a grupo, à
maneira de pequenas constelações, gravitando em torno do Sol Magno, Jesus
Cristo!...
b. Como um astro que se distancia do núcleo
em que se integra, abandonaste a órbita de velhos companheiros de evolução,
caindo, pelas vibrações de afetividade e ódio, no centro de forças em que
Leonardo Pires e Lola Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação, de modo a se liberarem
perante a Lei.
3) Neste capítulo, verificamos as
conseqüências de um sono conturbado mediante experiências de nosso espírito
quando _mais liberto. Como devemos nos preparar para um bom sono? De que
depende a garantia de um sono tranqüilo e renovador?
Conclusão:
Após ouvir as explicações de Amaro, Mário
Silva, agora, volta-se contra Júlio, o outro partícipe da trama do passado que
originou todos esses desajustes. Não podendo Júlio acudir à evocação que lhe
foi dirigida pelo enfermeiro, por se encontrar ainda em processo de
recuperação após sua desencarnação, compareceu a benfeitora Blandina,
que dele cuidava no plano espiritual. Mário Silva, após lhe ser revelado
que a amada do passado era a atual esposa de Amaro, abandonou o
local, indo retomar o corpo físico que repousava. Clarêncio ministrou-lhe
passes anestesiantes para que pudesse tranquilizar-se e despertar para a vida
física.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1) No trecho: "O consórcio para
eles não foi o castelo de flores de laranjeira, mas sim uma associação de
interesses espirituais para o trabalho regenerativo." Reparamos que o
casamento, na maioria das vezes, não é o encontro
de almas gêmeas, num caminho de felicidade suprema. Por quê?
Esse chamado "encontro de almas
gêmeas" é uma imagem poética, criada para designar a união de duas pessoas
que se amam. A nossa realidade, contudo, é bem diferente. Richard Simonetti, em
um de seus livros, afirma, com o bom humor de sempre, que, na
maioria dos matrimônios, não existe "alma gêmea", mas
"algema". É claro que há uniões por afinidades amorosas,
que significam a consolidação de afetos. Todavia, dado às vibrações do planeta
e sua destinação como habitação de espíritos ainda muito imperfeitos, a grande
maioria das uniões que aqui acontecem é de caráter provacional. São espíritos
que se reencontram para os reajustes necessários à evolução de ambos.
Esse é o caso de Amaro, que desposou
Zulmira, com quem tivera um romance mal resolvido no passado, para, juntos, reajustarem-se
e receberem Júlio, o outro protagonista do triângulo amoroso de ontem, como
filho. Unidos pelo vínculo da família, os três deveriam
superar os ressentimentos do passado e
se reajustarem na afeição regeneradora, aprendendo
a praticar o verdadeiro amor. Por isso, Clarêncio afirmou que, para eles, o
casamento "não foi o castelo de flores de laranjeira", que simboliza
a felicidade, mas uma união para o trabalho regenerativo.
2) Explique os trechos:
a. "As almas aprimoram-se, grupo
a grupo, à maneira de pequenas constelações, gravitando em torno do Sol Magno, Jesus
Cristo!..."
Ninguém evolui sozinho. A evolução do
espírito é feita junto aos que lhe são afins, uns colaborando com o progresso dos
outros e todos iluminados pelo farol amoroso do Cristo. A imagem criada por
Clarêncio define bem esse processo: somos pequenos astros de uma constelação
que se forma pelas afinidades, gravitando em torno do Astro Rei, Jesus, o
governador do Planeta.
b. "Como um astro que se distancia do
núcleo em que se integra, abandonaste a órbita de velhos
companheiros de evolução, caindo, pelas vibrações de afetividade e
ódio, no centro de forças em que Leonardo Pires e
Lola Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação, de modo a se
liberarem perante a Lei."
Como se disse, os espíritos evoluem em
grupos que se formam por afinidades, resultantes, na maioria das vezes, de desajustes
ocorridos em outras passagens. Prosseguem juntos a caminhada para pode se
hamonizarem. Amaro se afastou do núcleo em que se inserira e se
envolveu com espíritos com quem nada tinha a ver. Ao se envolver naquele triângulo
amoroso, contraiu novos comprometimentos, criando um vínculo espiritual de ódio
e ressentimentos, cujo reparo deveria ser feito na atual encarnação.
3) Neste capítulo, verificamos as
conseqüências de um sono conturbado mediante experiências de
nosso espírito quando mais liberto. Como devemos nos preparar para
um bom sono? De que depende a garantia de um sono tranqüilo e renovador?
Praticando, durante o dia, a lei de
justiça, de amor e de caridade, de modo que, ao nos deitar,
possamos seguir a recomendação de Santo Agostinho na questão
919 do Livro dos Espíritos: fazermos um balanço das nossas
ações naquele dia e examinarmos se praticamos algum ato que possa ter
prejudicado algum irmão de caminhada. Depois disso,
dirigirmos uma prece sincera aos benfeitores espirituais rogando que sejamos
bem assistidos nos momentos de desprendimento do corpo físico.
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