Céu inferno_083_2ª parte cap. VIII - Expiações
terrestres- Max, o mendigo
Em 1850, numa vila da Baviera, morreu um
velho quase centenário, conhecido por pai Max. Por não possuir família, ninguém
lhe determinava a origem. Havia cerca de meio século que se invalidara para
ganhar a vida, sem outro recurso além da mendicidade, que ele dissimulava,
procurando vender, pelas herdades e castelos, almanaques e outras miudezas.
Deram-lhe a alcunha de conde Max, e as crianças o chamavam somente pelo título
- circunstância esta que o fazia rir sem agastamento.
Por que esse título? Ninguém saberia
dizê-lo. O hábito o sancionara. Talvez tivesse provindo da sua fisionomia, das
suas maneiras, cuja distinção fazia contraste com a miserabilidade dos
andrajos.
Muitos anos depois da morte, Max apareceu
em sonho à filha do proprietário de um castelo em cuja estrebaria era outrora
hospedado, porque não possuía domicílio próprio. Nessa aparição, disse ele:
"Agradeço o terdes lembrado o pobre Max nas vossas preces, porque o Senhor
as ouviu. Alma caritativa, que vos interessastes pelo pobre mendigo, já que
quereis saber quem sou, vou satisfazer-vos, ministrando, ao mesmo tempo e a
todos, um grande ensinamento. Há cerca de século e meio era eu um dos ricos e
poderosos senhores desta região, porém orgulhoso da minha nobreza. A fortuna
imensa, além de só me servir aos prazeres, mal chegava para o jogo, para o
deboche, para as orgias, que eram a minha única preocupação na vida. Quanto aos
vassalos, porque os julgasse animais de trabalho destinados a servir-me, eram
espezinhados e oprimidos, para proverem as minhas dissipações. Surdo aos seus
queixumes, como em regra também o era com todos os infelizes, julgava eu que
eles ainda se deveriam ter por honrados em satisfazer-me os caprichos. Morri
cedo, exausto pelos excessos, mas sem ter, de fato, experimentado qualquer
desgraça real. Ao contrário, tudo parecia sorrir-me, a ponto de passar por um
dos seres mais ditosos do mundo. Tive funerais suntuosos e os boêmios
lamentavam a perda do ricaço, mas a verdade é que sobre o meu túmulo nenhuma
lágrima se derramou, nenhuma prece por mim se fez a Deus, de coração, enquanto
minha memória era amaldiçoada por todos aqueles para cuja miséria contribuíra.
Ah! E como é terrível a maldição dos que prejudicamos! Pois essa maldição não
deixou de ressoar-me aos ouvidos durante longos anos que me pareceram uma
eternidade. Depois, por morte de cada uma das vitimas, era um novo espectro
ameaçador ou sarcástico que se erguia diante de mim, a perseguir-me sem
tréguas, sem que eu pudesse encontrar um vão esconso onde me furtasse às suas vistas!
Nem um olhar amigo! Os antigos companheiros de devassidão, infelizes como eu,
fugiram, parecendo dizer-me desdenhosos: "Tu não podes mais custear os
nossos prazeres."
Oh! Então, quanto daria eu por um instante
de repouso, por um copo d’água para saciar a sede ardente que me devorava!
Entretanto eu nada mais possuía, e todo o ouro a jorros derramado sobre a Terra
não produzia uma só bênção, uma só que fosse... Ouviste, minha filha?!
Cansado por fim, opresso, qual viajor que
não lobriga o termo da jornada, exclamei: "Meu Deus, tende compaixão de
mim! Quando terminará esta situação horrível?"
Então uma voz - primeira que ouvi depois de
haver deixado a Terra - disse: "Quando quiseres." Que será preciso
fazer, grande Deus? - repliquei. Dizei-o, que a tudo me sujeitarei. - "É
preciso o arrependimento, é preciso te humilhares perante os mesmos a quem
humilhastes; pedir-lhes que intercedam por ti, porque a prece do ofendido que
perdoa é sempre agradável ao Senhor."
Conclusão:
1. Com certeza, as penas eternas, que
compõem dogmas religiosos sem lógica e irracionais, levando-se em conta a
natureza de Deus, não têm mais guarida nos corações da maioria dos homens.
Porém, não ficamos mais irresponsáveis, muito pelo contrário. Ao nos darmos
conta de que as penas são as consequências das nossas próprias ações,
obedecendo a uma lei natural de ação e reação, a qual todos compreendem, nos
leva a um maior senso de responsabilidade, pautada na luz da razão.
Esta visão lógica e racional da lei natural
a qual estamos sujeitos nos consola e nos dá esperanças no futuro, pois embora
muito tenhamos errado, temos empre mais uma chance de refazer o caminho e nos
retratarmos.
2. Ele poderia ter utilizado a riqueza e a
posição social - "empréstimos" de Deus - para aliviar a miséria dos
irmãos menos afortunados neste aspecto. Poderia ter sido humilde e caridoso e,
com certeza, teria "economizado" tempo e expiação no futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário