Entre a
Terra e o Céu_34_Em tarefa de socorro
À noite do dia seguinte, fomos
inesperadamente visitados por Odília, que nos pedia socorro. ...e rogava
assistência para Zulmira, novamente acamada.
.........
Arrojara-se Zulmira a profundo abatimento.
Recusava remédio e alimentação
Enfraquecia assustadoramente.
Sabia agora que a permanência dela no mundo e
na carne se revestia de excepcional importância para o seu grupo familiar e,
atenta a isso, continuava intercedendo.
Era mais de meia noite, na cidade, quando
atravessamos a porta acolhedora da casa do ferroviário que, desde muito,
constituía para nós valioso ponto de ação.
A dona da casa de pensamento fixo nas
derradeiras cenas de morte do pequenino jazia no leito em prostração
deplorável.
Emagrecera de modo alarmante.
.......
Reparamos que diversos medicamentos se
alinhavam à cabeceira, mas nosso instrutor examinou-os, auscultou a doente e
informou:
- O remédio de Zulmira é daqueles que a
farmácia não possui. Virá dela mesma. Precisamos refazer-lhe a esperança e o
gosto de viver. Descontrolou-se-lhe, de novo, a mente. Desinteressou-se da luta
e a abstenção de alimentos acarreta-lhe a inanição progressiva.
- E o reencontro com filhinho? – perguntou
Hilário – não seria o melhor processo de restaurar-lhe o bom ânimo?
- É o que esperamos – concordou o Ministro -,
todavia, Júlio, na fase que atravessa, requisita, pelo menos, uma semana de
absoluto repouso e, até lá, é indispensável entreter-lhe as energias.
Em seguida, Clarêncio entrou em ação
aplicando-lhe recursos magnéticos, com o nosso humilde concurso.
Mario Silva, desligado do corpo denso, com a
rapidez de um relâmpago, penetrou o quarto, de olhos esgazeados, à maneira de
louco, contemplou a doente por alguns instantes e afastou-se.
Volvemos nossa indagadora atenção para o
Ministro, que esclareceu, sem detença:
- É sabido que o criminoso habitualmente
volta ao local do crime. O remorso é uma força que nos algema a retaguarda.
.......... o instrutor aquietou-nos,
recomendando:
- Aguardemos, Mário voltará.
Com efeito, Silva, depois de alguns minutos
regressou ao aposento. Com a mesma expressão de dementado, fixou a pobre
enferma e, dessa vez, rojou-se de joelhos, exclamando:
- Perdão! Perdão! ... Sou um assassino!
Um assassino!...
Levantamo-nos, instintivamente, com o
propósito de socorrê-lo, mas tocado de longe pela nossa influência magnética,
qual se fora alcançado por um raio, o enfermeiro projetou-se para fora.
............
Num átimo, ganhamos o domicilio de Mário,
encontrando-o em pesadelo aflitivo, contido no leito à custa de poderosos
anestésicos.
Com surpresa para nós, uma freira
desencarnada rezava, junto dele.
Interrompeu as preces, a fim de saudar-nos,
acolhendo-nos com simpatia.
- Estava certa – disse delicada e
confiante – de que Nosso Senhor nos enviaria o socorro justo. Desde algumas
horas, ocupo aqui o serviço de vigilância. A posição do nosso amigo - e
indicou Mario estendido na cama – é francamente anormal e temos a intromissão
de Espíritos diabólicos.
Clarencio assumiu o aspecto de simples
visitante, vulgarizando-se ao olhar da religiosa, que se sentia evidentemente
encorajada com a nossa presença.
- É enfermeira? – perguntou nosso instrutor,
cortês.
- Não sou propriamente do serviço da saúde –
replicou a interpelada -, mas colaboradora no hospital onde Silva trabalha.
- É um cooperador devotado às crianças
doentes e a cuja assiduidade e carinho muito passamos a dever.
- Muitas almas benditas têm descido do Céu
para testemunhar-lhe agradecimentos. Isso tem acontecido tantas vezes que, com
alguns médicos e assistentes, fez-se credor das melhores atenções de nossa
irmandade.
Usando o tato que lhe era característico,
nosso orientador indagou:
- Como soube a irmão que o nosso amigo se
achava tão conturbado?
- Não recebemos qualquer notificação direta,
contudo, ele não compareceu hoje às tarefas habituais e isso foi suficiente
para indicar-nos que algo de grave estava acontecendo.
A palavras da freira saturava-se de tanta
bondade e evidenciava uma fé pura tão encantadoramente ingênua, que a
curiosidade me espicaçou o íntimo.
- É comovente pensar na sublimidade de sua
missão, depois de ausentar-se do corpo terrestre – falou o Ministro, bondoso,
talvez provocando alguma elucidação direta, capaz de satisfazer-nos.
- Sim, trabalhamos sob a direção da Madre
Paula – informou a interlocutora, sincera – que nos explica ser a enfermagem
nas casas públicas de tratamento uma forma de purgatório benigno, até que
possamos mercê novas bênçãos de Deus.
A freira acercou-se respeitosamente de nosso
instrutor e disse calma:
- Irmão, Madre Paula costuma dizer-nos que os
ouvidos de Deus vivem no coração das grandes almas. Estou certa de que
escutastes minhas rogativas. Tenho-vos por emissários da Corte Celeste.
Acredito que, desse modo, me compete a obrigação de confiar-vos nosso doente.
A sós conosco, o orientador, dedicado, embora
de atenção ligada ao enfermeiro, explicou, atenciosamente:
- Nossa irmã pertence à organização
espiritual de servidores católicos, dedicados à caridade evangélica. Temos
diversas instituições dessa natureza, em cujos quadros de serviço inúmeras
entidades preparam gradualmente para o conhecimento superior.
- Sob a direção de autoridades ainda ligadas
à Igreja Católica? Perguntou Hilário, admirado.
- Como não? Todas as escolas religiosas
dispõem de grandes valores na vida espiritual. Como acontece à personalidade
humana, as crenças possuem uma região clara e luminosa e outra ainda obscura.
Em nossa alma, a zona lúcida vive alimentada pelos nossos melhores sentimentos,
enquanto que, no mundo sombrio de nossas experiências inferiores, habitam as
inclinações e os impulsos que ainda nos encadeiam à animalidade. Nas religiões,
o campo da sublimação está povoado pelos espíritos generosos e liberais,
conscientes de nossa suprema destinação para o bem, ao passo que, nas linhas
escuras da ignorância, ainda exameiam as almas pesadas de ódio e egoísmo.
..............
... Não pude conter a indagação espontânea.
- Mas essa freira sabe que deixou o mundo,
sabe que desencarnou e prossegue assim mesmo, como se via antes?
- Sim – confirmou o instrutor imperturbável.
- E estará informada de que a vida se estende
a outras esferas, a outros domínios e a outros mundos? Perceberá que o céu ou o
inferno começa de nós mesmos?
O orientador meneou a cabeça, dando mostras
de negativa e acrescentou:
- Isso não. Ela não oferece a impressão de
quem se libertou do circulo das próprias idéias para caminhar ao encontro das
surpresas de que o Universo transborda. Mentalmente, revela-se adstrita às
concepções que elegeu na Terra, como sendo as mais convenientes à própria
felicidade.
..............
- Antes de tudo, deve nossa irmã merecer-nos
a maior veneração pelo bem que pratica e, quanto ao modo de interpretar a vida,
não podemos esquecer que Deus é o Nosso Pai. Com a mesma tolerância, dentro do
qual Ele tem esperado por nossa mais elevada compreensão, aguardará um melhor
entendimento de nossa irmã. Cada Espírito tem uma senda diversa a percorrer,
assim como cada mundo tem a rota que lhe é peculiar.
- A maior lição aqui, André, é a da
sementeira que produz, inevitável. Mario Silva, na posição de enfermeiro, não
obstante a ruinosa impulsividade em que se caracteriza, tem sido prestimoso e
humano, tornando-se credor do carinho alheio. Segundo vemos, não é um homem
devotado às lides religiosas. É irritável e agressivo. De ontem para hoje,
chega a sentir-se criminoso... Entretanto, é correto cumpridor dos deveres que
abraçou na vida e sabe ser paciente e caridoso, no desempenho das próprias
obrigações. Com isso, granjeou a simpatia de muitos e encontram-lo
fraternamente guardado por uma freira reconhecida...
Em seguida, Clarencio reergueu-se e falou:
- Pobre amigo! Permanece impressionado com a
morte de Julio, conservando aflitivo complexo de culpa. Tem o pensamento ligado
ao pequenino morto, à maneira de imagem fixada na chapa fotográfica. Passou o
dia acamado, sob extrema perturbação. Observo que não foi à casa de Antonina,
conforme previa. Sentiu-se vencido, envergonhado .... Entretanto, somente nossa
irmã possui para ele o remédio indispensável...
...............
E, indicando o enfermeiro excitado, anunciou:
- Na tarde de amanha, voltaremos para
conduzi-lo à residência de nossa irmã. Por intermédio de Antonina, habitar-se-á
para o indispensável reerguimento. Por agora, não podemos fazer mais.
Decorridos alguns instantes, a freira
regressou à nossa presença, assistida por outra irmã, que nos cumprimentou com
atenciosa reserva.
Ambas haviam sido designadas para a tarefa de
auxilio ao cooperador doente
QUESTÕES
PARA ESTUDO
1 - Neste capitulo vemos, por intermédio de
Mario Silva, as condições que ficou com o sentimento de culpa. O que nos
orienta o espiritismo sobre esse sentimento quanto a nossa evolução espiritual?
2 - Qual a razão que levou Clarêncio a fazer
esta pergunta: "Como soube a irmão que o nosso amigo se achava tão
conturbado?"
3 - E o que podemos concluir com a resposta
da freira?
4 - O que fez Mario merecedor do carinho e a
atenção da freira, uma vez que ele não pertencia a nenhuma religião?
5 - Podemos afirmar que esse trabalho de
assistencia espiritual aos necessitados, é um trabalho desenvolvido em qualquer
religião, mesmo os que não acreditam em vida após a morte?
6 - Qual é a condição básica para que seja
desempenhado esse trabalho, na espiritualidade?
Conclusão:
1 -
Neste capitulo vemos, por intermédio de Mário Silva, as condições que ficou com
o sentimento de culpa. O que nos orienta o espiritismo sobre esse sentimento
quanto a nossa evolução espiritual?
O sentimento de culpa é um passo importante
para a evolução do espírito. Resulta da condenação imposta por sua consciência,
que é o juiz que lhe faz reconhecer a violação das leis naturais. Nela estão
escritas as leis naturais, que o espírito não pode desconhecer. O passo
seguinte deve ser o arrependimento, que será o começo do
processo de mudança e do desejo de reparação da falta. Nem todos,
contudo, dão esse segundo passo, reconhecendo a culpa mas não manifestando
qualquer sentimento de arrependimento.
Desconhecendo a atuação dos benfeitores
espirituais impedindo que os fluidos deletérios que de si
emanavam em direção ao menor desencarnado, face ao sentimento de
desafeição que nutria em relação àquela família, Mário Silva reconhecia-se
culpado pelo ocorrido, supondo que influíra no resultado final. Mas, também,
sentia-se arrependido, indo ao encontro de Zulmira, fora do veículo físico, a
fim de buscar o perdão. Com esse procedimento
demonstrou que, embora ainda carregando sentimentos negativos,
trazia, em seu íntimo, a vontade de se refazer dos erros do passado.
2 - Qual a razão que levou Clarêncio a
fazer esta pergunta: "Como soube a irmã que o nosso amigo
se achava tão conturbado?"
Provavelmente, Clarêncio procurou conhecer os
motivos que levaram a freira ao local para poder avaliar em que condição ela se
situava. Poderia ser alguém mais que houvera se envolvido nos fatos passados,
que originaram todo esse drama.
3 - E o que podemos concluir com a
resposta da freira?
A freira pertencia a uma organização do mundo
espiritual que congrega profitentes do catolicismo, também dedicada aos
serviços de socorro espiritual. Essa organização presta serviço no hospital em que
o enfermeiro exerce suas atividades profissionais
4 - O que fez Mário merecedor do carinho e
a atenção da freira, uma vez que ele não pertencia a nenhuma religião?
Apesar dos débitos contraídos em passagens
pretéritas e que geraram tanta dor e sofrimento aos envolvidos nestes episódios,
Mário Silva já iniciara seu processo de transformação moral. O Esteves de
ontem, que se dedicava aos prazeres do corpo, agora era um enfermeiro devotado,
que se entregava com abnegação ao atendimento de crianças enfermas, conforme
testemunhou a freira. O trabalho no bem nunca passa despercebido pelo Alto.
O enfermeiro, assim, fez-se merecedor da intercessão da freira,
pois, como ensinou o Cristo, cada um recebe segundo as suas obras.
5 - Podemos afirmar que esse trabalho de
assistência espiritual aos necessitados, é um trabalho desenvolvido
em qualquer religião, mesmo os que não acreditam em vida após a morte?
As mesmas denominações religiosas existentes
no plano terreno, criadas pelos homens, continuam existindo no mundo
espiritual. Cada uma delas espelha o momento evolutivo daqueles que a
professam. Como nos ensina o Espiritismo, os espíritos se reúnem no
mundo extra-físico em torno de suas afinidades. O desejo de trabalhar no bem
não é monopólio de nenhuma corrente religiosa. É um resultado do progresso
moral do espírito, independentemente de credo religioso ou mesmo de não
professar credo algum. Deus, através de seus mandatários, tratam a todos que cumprem
sua Lei com o mesmo amor. E até os que não cumpre recebem também o auxílio do
Alto, na medida de suas necessidades de momento. Ninguém deixa de
receber esse auxílio por professar determinado credo religioso ou por não
professar qualquer credo. Da mesma forma que há benfeitores espirituais
espíritas, como temos visto através do estudo das obras de André Luiz, também
há católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, dentre outros.
6 - Qual é a condição básica para que seja
desempenhado esse trabalho, na espiritualidade?
A condição básica é o amor ao próximo, aliado
ao desejo de servir. Sem amor não há caridade. Os benfeitores que prestam esse
serviço, independentemente da corrente religiosa em que se situam, já
alcançaram um nível de evolução que os permite compreender o verdadeiro sentido
da nossa existência. O amor ao próximo é o combustível move suas ações. A
caridade está indissoluvelmente ligada ao amor, como ensina Allan Kardec no
Evangelho segundo o Espiritismo. Como disse Paulo:
"Ainda que eu falasse as línguas dos
homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o
címbalo que retine.
E ainda
que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que
transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse todos os meus bens
para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser
queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria."
(I Coríntios 13.1-3)
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