Entre a
Terra e o Céu_35_Reerguimento moral
Consoante o programa traçado, regressamos no
dia imediato, estagiando primeiramente no lar de Zulmira, cuja posição orgânica
era mais aflitiva.
...
O médico cercara-a de drogas valiosas,
entretanto, a infortunada criatura demorava-se em profunda exaustão.
Amaro e Evelina desvelavam-se, preocupados,
todavia, a torturada mãezinha deixava-se morrer.
Diante da nossa apreensão manifesta, o
Ministro apenas afirmou:
- Aguardemos. Numa equipe, quase sempre
a melhora de um companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A
recuperação de Silva, ao que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa
contra a morte.
...
Sem detença, procuramos o domicilio do
enfermeiro, encontrando-o superexcitado quanto na véspera, mas abnegadamente
assistido pelas freiras que persistiam dedicadas, na oração.
...
Clarêncio, contudo, assegurou-lhes otimista
que Mário passaria conosco e, após entreter-se, voltaria melhor.
Em seguida, abeirou-se do enfermo e,
tocando-lhe a fronte com a destra, orou sem alarde.
Qual se recebesse preciosa transfusão de
forças fluídicas, Silva aquietou-se como por encanto. Revelou-se mais calmo,
não obstante entristecido.
A expressão facial que lhe denunciava a
sublevação interior transformou-se-lhe no semblante em dolorosa serenidade.
Nosso orientador desenvolveu alguns passes de
auxílio e notificou:
- Silva experimenta enorme necessidade de
ouvir a palavra de Antonina, contudo, está hesitante. Afirma-se
intimamente envergonhado. Crê-se responsável pela morte da criança e teme
o contato com a nobreza espiritual de nossa irmã, apesar de sentir-se arrastado
para ela. Buscaremos, porém, auxiliar-lhes a reaproximação.
Acariciou a fronte do moço atormentado e
acentuou:
- O desabafo descarregar-lhe-á a atmosfera
mental, favorecendo-lhe o alívio e a recepção de elementos renovadores.
Em seguida, o instrutor abraçou-o,
envolvendo-o em amorosa solicitude. Aquele amplexo afetuoso e longo
figurou-se-nos um apelo às energias recônditas do rapaz que, de imediato,
levantou-se e vestiu-se.
Ignorando como explicar a si mesmo a súbita
resolução que o movia, desceu para a rua, seguido de perto por nosso cuidado, e
tomou o carro que o transportaria até a residência da simpática família que o
acolhera carinhosamente na ante-véspera.
Antonina e os filhos abriram-lhe os braços,
alegremente.
...
Qual se convivesse com Mário, de longo tempo,
a dona da casa fitou-o apreensiva.
Preocupada notou-lhe o abatimento, enquanto o
hóspede parecia esmolar-lhe, em silêncio, ajuda e compreensão.
Percebendo-lhe a angústia oculta, a jovem
viúva induziu-o à conversação particular, em singelo recanto da sala, onde
atendia com os filhinhos ao culto da oração.
O enfermeiro pediu-lhe desculpas por tratar
de assunto pessoal e, começando a justificar a sua ausência na véspera, de
frase a frase entrou na faixa dolorosa do próprio coração, desabafando...
Lembrou que ali, junto dela, recebera
ensinamentos da mais elevada significação para ele e, por esse motivo, não
vacilava em descerrar-lhe o espírito desolado, implorando compaixão e socorro.
...
Mário reportou-se à juventude, comentou os
problemas psíquicos de que se via rodeado, desde a infância, descreveu-lhe o
amor que nutrira pela moça que o abandonara em pleno sonho, relacionou as
provas que lhe haviam castigado o brio de rapaz, salientou o esforço que
despendera para recuperar-se, e por fim, extremamente conturbado, explanou
sobre o reencontro com a ex-noiva e com o ex-rival, junto do pequenino
agonizante... Referiu-se ao ódio inexplicável que sentira pelo anjinho
moribundo, encareceu os benefícios do culto evangélico em sua alma incendiada
de revolta e amargura, expondo-lhe a convicção de haver contribuído para a
morte da criancinha que detestara à primeira vista...
Guardava a impressão de haver descido a
tormentoso inferno moral.
Antonina sentiu por ele a piedade amorosa com
que as mães de dispõem ao soerguimento espiritual dos filhos sofredores e
rogou-lhe serenidade.
Silva, contudo, em pranto convulsivo, era um
doente que reclamava mais ampla intervenção...
Atraída irresistivelmente para ele, a nobre
amiga deixou de sublinhar o tratamento com a palavra "senhor",
tornando-se mais íntima, obtemperou, carinhosa:
- Mário, quando caímos é preciso que nos
levantemos, a fim de que o carro da vida, em seu movimento incessante, não nos
esmague. Conhecemo-nos há dois dias, no entanto, sinto que profundos
laços de fraternidade nos reúnem. Não acredito estejamos aqui juntos,
obedecendo a simples acaso. Decerto, as forças que nos dirigem a
existência impelem-nos aos testemunhos afetivos desta hora. Enxugue as
lágrimas para que possamos ver o caminho... Compreendo o seu drama de homem
rudemente provado na forja da vida, entretanto, se posso pedir-lhe alguma
coisa, rogar-lhe-ia bom ânimo.
Fixando-o com mais doçura no olhar,
prosseguiu, depois de leve pausa:
- Também eu tenho lutado muito. Lutado
e sofrido. Casei-me por amor e vi-me espoliada em minhas melhores
esperanças. Meu marido, antes de encontrar a morte, relegou-nos a
dolorosa penúria. Quando mais intensa era a nossa agonia doméstica, vi um
filhinho morrer ao toque das aflitivas provações que nos flagelavam a casa...
Graças a Deus, todavia, reconheço que seríamos tão somente ignorância e miséria
sem o auxílio da dor. O sofrimento é uma espécie de fogo invisível,
plasmando-nos o caráter. Não se deixe abater assim. Você está moço
e as suas realizações no mundo podem ser as mais elevadas...
- Mas estou certo de que sou um assassino!...
- soluçou o rapaz, desacoroçoado.
- Quem poderia confirmá-lo? - exclamou
Antonina, com mais ternura na voz. - É indispensável recordemos que, atento à
profissão, atendeu você a um menino completamente entregue ao domínio do crupe.
O pequenino Júlio, à sua chegada, já estaria ofegante, sob as asas da
morte.
- Mas, e a impressão? E o remorso?
Sinto-me derrotado, aflito... Tenho medo de mim mesmo...
...
- Mário, você acredita na reencarnação da alma
?
E porque o interlocutor a contemplasse, com
estranheza, continuou sem ouvir-lhe a resposta:
- Todos somos viajores no grande caminho
da eternidade. O corpo de carne é uma oficina em que nossa alma trabalha,
tecendo os fios do próprio destino. Estamos chegando de longe, a
revivescer dos séculos mortos, como as plantas a renascerem do solo profundo...
Naturalmente, você, Amaro, Zulmira e Júlio estão recapitulando alguma tragédia
que ficou distanciada no espaço e no tempo, mas viva nos corações. E,
mediante o carinho de sua confissão espontânea, não duvido de minha
participação em algum lance da luta que motivou os acontecimentos da
atualidade. Amor e ódio não se improvisam. Resultam de nossas construções
espirituais nos milênios. Provavelmente, alguma responsabilidade me
compete nos serviços em cuja execução você se comprometeu. Nossa
confiança imediata, nossa associação neste assunto sem qualquer base prévia,
essa simpatia fraternal com que você vem a mim e o interesse com que lhe ouço a
exposição me autorizam a admitir que o presente está refletindo o passado.
E, em razão disso, ofereço-me para cooperar com o seu esforço de algum
modo...
- Cooperar? - atalhou o moço, quase alucinado
- é impossível... O menino está morto...
Envolta nas irradiações de Clarêncio,
Antonina alegou com sensatez:
- E quem nos diz que Júlio não possa
voltar à Terra? quem nos pronunciará incapazes de algo fazer a benefício da
criancinha que partiu ?
- Como? Como? - indagou, atônito, o infeliz.
- Escute Mário. O egoísmo não se revela
feroz tão somente em nossas alegrias. Muitas vezes, comparece também,
asfixiante e terrível, em nossas dores. Isso se verifica, quando em nossa
mágoa pensamos apenas em nós. Você se declara delinqüente, amargurado,
vencido, qual se fosse um herói repentinamente arrojado do altar da admiração
pública à poeira da desconsideração. Admito que concentrar demasiada
atenção em culpas imaginárias é mera vaidade a encarcerar-nos na angústia
vazia. Enquanto lastimamos a nossa imperfeição, perdemos a hora que seria
justo utilizar em nossa própria melhoria.
...
- Você já meditou no padecimento dos
pais feridos pela separação? Já refletiu nos sonhos maternos,
despedaçados? Porque não estender fraternos braços aos progenitores na sombra
do infortúnio? Creio na imortalidade da alma e na redenção dos nossos
erros, penso que a renovação do dia é um símbolo da graça do Senhor sempre
repetida em nosso caminho, para que lhe aproveitemos o tesouro de bênçãos no
crescimento ou no reajuste... Porque não visitar você o lar de nossos
desventurados amigos, nesta hora em que naturalmente precisam de carinho e
solidariedade? É possível que a Divina Bondade esteja reservando ali
algum serviço para o seu propósito de elevação. Quem sabe? A volta
de Júlio pode efetuar-se. Para isso, porém, será necessário reerguer o
ânimo materno...
Passando da energia de conselheira à ternura
de irmã, aduziu carinhosa:
- Deixaria você a outrem o privilégio de
semelhante serviço?
- Não tenho coragem! - lamentou o rapaz,
chorando.
- Não, Mário! Em ocasiões dessas,
não é a coragem que nos falha e sim a humildade. Nosso orgulho neste
mundo, apesar de inconseqüente e vão, é por demais envolvente e excessivo.
Não sabemos liberar a personalidade segregada no visco de nosso exagerado
amor próprio. Em suma, aprisionamos o coração na escura fortaleza da
vaidade e não sabemos ceder...
Apegando-se ao socorro moral que lhe era
lançado, o enfermeiro suplicou pesaroso:
- Antonina, creio em sua amizade e na
elevada compreensão que flui de suas palavras. Ajude-me! Não vim aqui
senão rogar auxílio e discernimento. Exponha você mesma o que devo fazer.
Dê-me um plano. Perdoe-me a intimidade, tenho sido um homem sem
fé... Não tenho autoridades ou amigos para quem apelar... Não nos conhecemos
senão há dias, mas encontrei em seu coração e em sua casa algo novo para meu
pobre espírito... Suporte-me e ampare-me por amor de Deus, em cuja
providência você crê com tanta sinceridade! ...
A jovem viúva, sentindo-se verdadeiramente
irmã dele, acariciou-lhe as mãos quais se fossem velhos conhecidos, e agora,
igualmente em lágrimas de emotividade e reconhecimento, convidou-o a visitarem
juntos o casal sofredor, na noite seguinte.
...
Desejava auxiliá-lo, a ele, Mário, na justa
recuperação, e, para esse fim, estimaria acompanhá-lo, de maneira a ser mais
útil.
O moço aceitou a gentileza, exultante.
Estava convencido de que, ao lado de
Antonina, encontraria uma solução.
Um sorriso de reconforto assomou-lhe aos
lábios e foi assim que deixamos o enfermeiro atormentado, sob a eclosão de nova
e abençoada esperança.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1) O que o Ministro Clarêncio quis dizer com
sua afirmação: "Numa equipe, quase sempre a melhora de um
companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao
que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte"?
Explique.
2) Porque as freiras que assistiam o
enfermeiro não puderam auxiliá-lo do mesmo modo como fez o Ministro Clarêncio,
uma vez que elas também estavam lá para auxiliá-lo?
3) Nesta afirmação: "Nosso
orientador desenvolveu alguns passes de auxílio"... O que se deduz?
Existem vários tipos de passe? No que diferem
eles, e de que forma eles agem sobre o assistido?
4) Nesta frase "Buscaremos, porém,
auxiliar-lhes a reaproximação", deduzimos que Clarêncio influenciou a ida
de Mário à casa de Antonina. Os espíritos influenciam na nossa vida? De
que maneira?
5) Na sua opinião, quais foram os
principais pontos do diálogo entre Mário e Antonina?
6) Qual o principal ensinamento neste
capítulo ?
Conclusão:
1) O que o Ministro Clarêncio quis
dizer com sua afirmação: "Numa equipe,
quase sempre a melhora de um companheiro
pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao que me
parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte"?
Explique.
A equipe a que se refere Clarêncio são os
espíritos envolvidos em todo esse drama, ligados psiquicamente por
sentimentos malsãos ocasionados por fatos passados e dos quais não conseguiram
ainda se desvencilhar. A troca permanente e recíproca de energias negativas geradas
por esses sentimentos atinge indistintamente a todos, repercutindo
em seus veículos físicos. O mesmo se dá quando se trata de sentimentos e
pensamentos sadios, que operam a melhora do organismo enfermo. Assim, o
benfeitor quis dizer que, melhorando sua psicosfera, o enfermeiro influenciaria
para a melhora de Zulmira, pois mudaria a natureza das energias que lhe
dirigia.
2) Por que as freiras que assistiam o
enfermeiro não puderam auxiliá-lo do mesmo modo como fez o Ministro Clarêncio, uma
vez que elas também estavam lá para auxiliá-lo?
As freiras que lá compareceram em auxílio a
Mário Silva, embora dotadas de bons sentimentos e de boas intenções, não
possuíam os conhecimentos de que Clarêncio era portador, a respeito da nossa
realidade espiritual. Pela educação religiosa que receberam os mecanismos que
regem a reencarnação e a atuação do espírito sobre o organismo físico lhes
eram desconhecidos. Não dominavam a técnica do passe magnético, recurso de que
se utilizou o benfeitor para operar a melhora do enfermeiro. Por
esse motivo, o único recurso de que dispunham para auxiliá-lo era a prece.
3) Nesta afirmação: "Nosso orientador
desenvolveu alguns passes de auxílio"... O que se deduz? Existem vários
tipos de passe? No que diferem eles e de que forma eles agem sobre o assistido?
No livro "Nos Domínios da
Mediunidade", André Luiz conceitua o passe como uma transfusão de energias
que altera o campo celular. Esclarece que essas energias não são unicamente
anímicas, ou seja, originadas do próprio médium, mas, também, espirituais,
através dos fluidos doados pelos benfeitores em serviço. No mesmo sentido o
ensinamento de Emmanuel, em "O Consolador", na questão 98, que define
o passe como uma transfusão de energias psíquicas, que são retiradas
das forças espirituais e que operam uma renovação das forças físicas.
Quanto aos tipos de passe, André Luiz, em
suas obras, nos dá notícia de várias modalidades de passe. Para nós, que
enquanto encarnados, entendemos que basta a imposição de mãos, conforme Jesus
ensinou. Os benfeitores espirituais, mais adiantados em
conhecimentos e livres dos embaraços da matéria, têm condições de
examinar o organismo do paciente por dentro, adotando a modalidade
de passe mais conveniente, o que,
para o médium encarnado, não é possível.
Não temos, ainda, a compreensão dos diversos
tipos de passe que o plano espiritual manipula. Por enquanto, o que nos é
possível saber é que o passe opera uma transfusão de fluidos doados pelos
espíritos e de fluidos emanados do próprio médium, que circulam, primeiramente,
pela cabeça do médium (centro coronário), para depois escorrer pelas suas mãos
e atingir o centro coronário do assistido, que absorverá essa energia e a
distribuirá por todo o corpo.
4) Nesta frase "Buscaremos, porém,
auxiliar-lhes a reaproximação", deduzimos que Clarêncio influenciou
a ida de Mário à casa de Antonina. Os espíritos influenciam na
nossa vida? De que maneira?
Na questão 459 do Livro dos Espíritos, Kardec
indagou dos Espíritos se eles influem em nossos pensamentos e em nossos
atos. Responderam os Codificadores espirituais que "muito mais do que
imaginais. Influem a tal ponto que, de ordinário, são eles que vos
dirigem."
Portanto, como nos ensinam os Espíritos,
estamos sendo freqüentemente influenciados pelo plano espiritual. Quando um pensamento
nos é sugerido, sentimos a sensação de que alguém nos fala. É, na verdade,
alguém que está os falando pelo pensamento, que é o meio pelo qual os espíritos
se comunicam conosco, encarnados. Por essa razão, Jesus recomendou: "Vigiai
e orai, para que não entreis em tentação." Para que recebamos a influência
dos bons espíritos, afastando de nosso convívio os perturbadores e
recebendo boas influências, é necessário orarmos e praticarmos a lei de
justiça, de amor e de caridade, procurando vivenciar os ensinos da Boa Nova de
Jesus.
5) Na sua opinião, quais foram os
principais pontos do diálogo entre Mário e Antonina?
O principal ponto do diálogo havido entre
Mário e Antonina foi o momento em que o Autor relatar o convencimento do
enfermeiro quanto à necessidade da reconciliação com os adversários.
Relutante, de início, aos poucos Antonina, envolvendo-o com muito amor e
compreensão, fez uso de seu conhecimento acerca das lições de Jesus contidas no
Evangelho.
6) Qual o principal ensinamento neste
capítulo?
Dentre as muitas lições trazidas por esse
capítulo, destacamos a de que o exercício do perdão não é um ato de
coragem, mas de humildade. Para praticá-lo, não precisamos nos encorajar, mas
humildarmo-nos.
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