Dalmo Duque dos Santos
O século XIX foi marcado pela explosão de movimentos
de busca de felicidade, como reflexo dos desequilíbrios causados pela revolução
industrial. No século XX essas ideologias e utopias tomaram formas esdrúxulas,
em forma de sistemas políticos totalitários, guerras monstruosas, aniquilamento
humano e ambiental. O próprio planeta foi colocado em risco diante da ameaça de
uma hecatombe nuclear. Morte, servidão industrial, massificação, miséria, individualismo,
narcisismo foram as principais marcas desse século tão promissor e ao mesmo
tempo tão sombrio. Durante esses cem anos estivemos mergulhados na ambição e no
medo, na extravagância e na fome, nas multidões e na solidão, nas fantasias e
na depressão; ora iludidos pela fama de quinze minutos, ora derrotados pela
desilusão das coisas efêmeras. Nunca se registrou tamanha situação de caos na
experiência humana, uma crise sem precedentes; nunca se consumiu tantas drogas
e alucinógenos para facilitar a fuga da realidade. A expansão da criminalidade
e o aumento da população carcerária atingiram níveis assustadores.
Mas foi também no mesmo século XX, em plena crise, que
surgiram os germes de uma nova forma de vida. Da própria ciência decadente
aparecem novos paradigmas de observação da realidade; das próprias
instituições, impotentes e desmoralizadas, brotam novas perspectivas para
civilização. Uma nova geração começa a nascer no planeta, demonstrando um
comportamento diferente dos seus antepassados. É a emergência da pessoa, antes
sufocada pelo coletivismo da cultura de massas. Marilyn Ferguson[1] definiu esse curioso fenômeno
como uma “conspiração ”. Esse novo ser humano se recusa ser tratado como uma
peça de consumo ou mero dado estatístico. São eles novos focos de uma
transformação silenciosa, sem alardes, e que se intercomunicam pela afinidade
de sentimentos. “Conspiram” porque “respiram” juntos o mesmo ar, os mesmos
anseios. São portadores de uma revolução invertida, de dentro para fora, e por
isso permanecem em silêncio, num compasso de espera, aguardando o momento certo
para atuar. Não poderiam comprometer a nova ordem das coisas. Muitos deles já
entraram em cena e desempenharam complicados papéis de mudança; papéis de
destaque ou anônimos, como suportes ou pontas de lança, mas todos comprometidos
com as transformações. São pessoas diferentes e que continuam a nascer todos os
dias. Segundo Carl Rogers[2], eles terão uma infância atormentada, sofrerão as
adversidades de um ambiente estranho e hostil, mas conseguirão sobreviver. Irão
crescer, instruir-se para exercer as mais diversas profissões, geralmente
ligadas ao processo de mudanças: na educação, nas artes, nos laboratórios, no ativismo
social. Serão autênticos agentes da regeneração planetária e por isso ocuparão
novos espaços e saberão explorar o novo tempo. É claro que também estão
nascendo seres iguais ou piores aos do século XX, mas já são em menor número e
brevemente serão impedidos de agir negativamente, pois serão vistos claramente
como seres medíocres ou aberrações de passado inaceitável.
O momento atual é de lutas entre o velho e o novo,
entre o vício e a virtude e de intensas contradições; é muito delicado e exige
paciência e confiança no futuro; é uma longa fase de transição que deve ser
vivida com coragem e vivenciada com aceitação e até sacrifício, como
necessidade natural do processo de transformação.
Neste início de um novo século e de um novo milênio as
instituições que trabalham pela qualidade de vida no planeta e pelo
desenvolvimento da Humanidade já demonstram um vivo interesse em dar novos
rumos no conhecimento e na melhoria da experiência humana. A Unesco, por
exemplo, que é um órgão da Organização das Nações Unidas e voltado para as questões
educacionais, elaborou um vasto estudo sobre as necessidades a serem
preenchidas neste setor. Tais estudos devem preparar a Humanidade para os novos
paradigmas sociais do novo milênio. Esse relatório, preparado por célebres
educadores de diversos países e coordenado por Jacques Delors, elegeu como
ponto fundamental os Quatro Pilares da educação para o futuro:
• Aprender a Conhecer
• Aprender a Fazer
• Aprender a Conviver
• Aprender a Ser.
Nesses quatro verbos dinâmicos, certamente inspirados
por inteligências espirituais superiores, estão contidas e sintetizadas as
experiências essenciais da vivência humana, incluindo as inteligências
múltiplas. Neles visualizamos não só os conteúdos teóricos racionais e
exteriores, mas também a valorização das experiências emocionais, fortemente
responsáveis pela plenitude existencial da nossa espécie. Numa ordem evolutiva
de transformação da pessoa – de dentro para fora e de fora para dentro - eles
contemplam, portanto, não só as habilidades cognitivas, mas também as
competências, que influenciam o ser humano a tomar as mais importantes
decisões. Mostram ainda, pela interação, as múltiplas faces e possibilidades do
Ser:
• Ser corpóreo: de dimensão e complexidade biológica.
• Ser inteligente: de dimensão mental e complexidade psicológica.
• Ser emotivo: de sensibilidade e expressividade sentimental.
• Ser social: de relações e afinidades interpessoais.
• Ser livre: de ir e vir, de agir e decidir.
• Ser estético: que se alimenta de imagens e auto-imagens.
• Ser volitivo: que se move pela vontade.
• Ser histórico e planetário: do seu tempo e do seu ambiente.
• Ser cósmico: de condição e consciência meta planetária.
• Ser espiritual: de origem e condição metafísica.
• Ser moral: de natureza ética, de dinâmica evolutiva e positiva.
Nessa mesma linha de novas descobertas sobre a
natureza humana e de propostas renovadoras Bernardo Toro[3] desenvolveu “Os Sete Códigos da Modernidade”,
que são os saberes necessários para compreender e conviver na nova sociedade
contemporânea. Baseando-se em experiências desafiadoras de ensino e educação em
escolas públicas e comunidades carentes, o pesquisador colombiano identificou
as principais ferramentas para interpretação e experimentação desse novo mundo,
dessa nova ordem: velocidade tecnológica, diversidade social, incerteza e
instabilidade de paradigmas, incongruência entre o efêmero e as permanências, multiculturalismo
e fragmentação da realidade são as novas condições de vida e perspectivas que a
humanidade tem pela frente.~
• Dominar as diferentes formas de
leitura e escrita;
• Resolver equações lógicas e
psicológicas;
• Analisar, descrever e interpretar
dados, fatos e situações;
• Compreender e atuar no contexto
social;
• Receber aberta e criticamente os
meios e mensagens da comunicação;
• Localizar, acessar e otimizar a
informação acumulada;
• Planejar, trabalhar e decidir em
grupo.
As Contra-correntes de regeneração
Outra tendência afinada com tais propostas são as
idéias do filósofo Edgard Morin[4], cuja análise histórica da
passagem do milênio identificou as três principais forças negativas
predominantes no século XX : o aniquilamento, o irracionalismo e a servidão
industrial. Identificou também, por outro lado, as contra-correntes que lutam
pelo estabelecimento de uma nova ordem mundial, mais harmônica e humanista:
Ecologista: movimenta-se pela preservação ambiental e pela conscientização
ecológica;
Qualitativa: luta pela qualidade de vida, pela humanização do trabalho, pelo exercício
dos direitos de cidadania e integridade humanas;
Resistência ao consumismo: pratica a temperança, a frugalidade e luta contra o
consumo supérfluo e a cultura do desperdício de recursos;
Resistência ao capitalismo desumano: é contra a tirania do dinheiro e do lucro e luta
pela correta aplicação e distribuição da riqueza;
Resistência à frieza utilitarista: exemplifica a poesia, a espiritualidade e o amor;
combate a disseminação do comportamento individualista e da indiferença social;
Pacifista: acredita no amor e no perdão e trabalha contra a disseminação da
violência.
Segundo Morin todas essas contra-correntes buscam um
novo sentido para a Humanidade, na construção de uma Civilização Planetária,
através do desenvolvimento de uma consciência antropológica, da maturação de um
civismo global e da espiritualização da condição humana. Profetizadas nas obras
de ficção científica de Isac Asimov, como “fundações”, esses núcleos sociais ou
átomos regeneradores foram surgindo em pequenos grupos idealistas na medida em
ocorriam os abusos empreendidos pelas forças destruidoras e tirânicas e que
colocavam em risco milhões de anos de evolução. Inicialmente foram vistas com
desconfiança pela sociedade exatamente porque ousavam destoar dos conceitos
comuns. Eram desacreditados porque se apoiavam em pessoas sem nenhuma
influência formal, e sim em jovens idealistas, ad ultos já conhecidos como
velhos rebeldes, grupos de utopistas que nunca haviam mostrado resultados
práticos de suas idéias. Mas com o tempo essas contra-correntes foram
crescendo, tomando forma e força, ocupando espaço político e social. Na década
de 1960 eram apenas pequenos grupos isolados; na década de 1980 foi tomando formato
de organizações, como do Partido Verde, na Alemanha. E de protesto em protesto,
e muitos abaixo-assinados, as contra-correntes foram se impondo como
alternativas aos sistemas opressores do capital industrial, gerador de guerras,
de morte e destruição ambiental. Podemos identificar na reunião de todas elas a
síntese da Regeneração, na qual o nosso planeta poderá superar a condição de
mundo inferior - de provas e expiações – adquirindo um perfil superior em
moralidade e harmonia com as leis universais.
Atualmente continuamos insistindo nessa desarmonia com
essas leis e por isso sofremos constantemente os choques de retorno dessas
ações negativas. Elas são, quase sempre, estimuladas pelo egoísmo, pelo
individualismo, pela ganância, pelo hábito pessoal e social das fugas da
realidade, da mentira, da ilusão, da alucinação e outros mecanismos defensivos
mentais. Essa situação de impasse entre a animalidade instintiva e a humanidade
intuitiva exige uma reestruturação mental, pela educação dos sentidos físicos e
psíquicos.
Novos verbos dinâmicos também estão nesse repertório
de grandes transformações históricas visualizadas por Morin: o bem pensar; o
cultivo da introspecção; a abertura para novas idéias e experiências;
compreensão, pela empatia , da diversidade planetária e da complexidade humana.
Tudo isso se resume numa nova Inteligência Global.
Referências:
[1] A Conspiração Aquariana – Transformações pessoais
nos anos 80. Editora Record
[2] Um novo mundo, uma nova pessoa, in Em busca de
vida. Summus Editorial.
[3] Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita.
[4] Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.
Cortez.
Artigo Reproduzido com Autorização do
Autor
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