“VINDE A MIM...”
(Mateus, 11: 28-30; Lucas, 10: 23-24)
Ayrton Xavier
Fazia um mês da saída de Cafarnaum (a “Cidade do
Consolador”), coração da
Galiléia, terra das bem-aventuranças do Cristo, onde havia
reunido os doze, Levi Mateus o último deles...
A travessia da Samaria, buscando o caminho dos vales entre
as montanhas, passara ao largo do Tabor e de Nazaré, e já o clima ameno da
Galiléia se transformava no cheiro seco de outono, nas pedregosas estradas
samaritanas.
Para acompanhar a “Marcha da Paz”, no ritmo do Mestre, e
chegar a Jerusalém a tempo da festa dos Tabernáculos, era preciso seguir a
passos firmes. O Filho do Homem não tinha toca nem ninho, nem pedra onde
repousar a cabeça. Era preciso anunciar o Reino de Deus; que os mortos sepultassem
seus mortos.
Não havia a hora da despedida. Quem quisesse juntar-se à
marcha, seria como o lavrador que, tendo lançado mão do arado nem mais olharia
para trás, ou não estaria apto a lavrar a terra do Reino de Deus.
As primeiras palavras de Jesus, na caminhada, tinham o peso
de profecias sobre cidades que desapareceriam na poeira dos tempos. Depois de
testemunharem tantos prodígios, guardavam com frieza a memória das bênçãos
recebidas: Corazim, Betsaida e a própria Cafarnaum.
A má recepção, previsível, aos precursores, João e Tiago, já
na primeira aldeia da Samaria, avivara a chama de amor no coração do Mestre.
Não viera para perder, antes salvar as almas.
Os setenta e dois da Galiléia, enviados à frente da
caravana, poucos obreiros para o tamanho do campo a semear, haviam partido como
cordeiros em meio a lobos, sem levar bolsa nem alforge, nem sandálias na bagagem.
Em silêncio, pressurosos, avançavam, sondando casas onde entrar, para anunciar
a Paz.
Percorrido todo o Vale do Siquém, a vista do poente por
detrás do Monte Garizim, voltariam depois os discípulos, então cercados por
mais de 400 novos caminheiros entusiastas e muita gente do povo.
Traziam rostos de alegria, não por haverem submetido
espíritos rebeldes, mas por saberem-se inscritos nas cortes celestiais.
A emoção contagiara a todos, naquela marcha de homens de
roupas brancas. Levantando, então, a mão direita, o Mestre convidou a que se
sentassem ao seu redor, em um trecho da descida para Jericó em que a curva da
estrada formava um anfiteatro natural, entre pequeno bosque de sicômoros e
flores amarelas ao chão.
Os olhos do Mestre pareciam procurar o brilho de cada olhar,
o sorriso em cada rosto – ele também sorrindo – quando começou a falar ao Pai,
em voz alta: “Pai, Senhor do céu e da terra, como te glorifico por haveres
revelado o caminho de Teu Reino a esses pequeninos, enquanto o trazes oculto aos
ditos sábios e entendidos!”
“De Ti recebi as revelações que vim trazer ao mundo.
Escolheste a mim como mensageiro da Tua palavra e ninguém conhece Teu rosto,
que não Teu Filho e aqueles a quem ele o tenha revelado...”
Parecia que sua presença abraçava a pequena assembléia;
muitos choravam, outros deitavam sobre a relva cansados da caminhada, outros
mais se apoiavam sobre os companheiros ao lado. Foi, então, que, cheio de
ternura, desceu os olhos sobre eles, de mãos estendidas, a dizer: “Vinde a mim,
vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo, aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis
descanso para as vossas almas. Vinde comigo, pois meu jugo é suave, e o meu
fardo é leve...”
Voltando-se então, particularmente, para os discípulos, lhes
disse: “Felizes os olhos que vêem o que vedes, pois nem muitos dos profetas e
reis, que tanto o ansiaram, o viram e nem ouviram o que vós ouvis!”
Foi quando um doutor da Lei, que a tudo assistia, ao
provocá-lo, deu motivo a que narrasse a parábola do bom samaritano, como se, naquela
mesma estrada, o personagem da história houvesse acolhido o viandante caído.
“O lar é o santuário em que a bondade de Deus te situa.
Dentro dele, nos fios da consangüinidade, recebes o teu primeiro mandato de
serviço cristão.”
“Família” Emmanuel
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