A biografia de Maria de Magdala é um dos mais admiráveis temas da
história do Cristianismo, destacando-se como exemplos inesquecíveis sua
sujeição na ilusão da beleza inóspita e sua posterior ternura aos hansenianos
do Vale dos Imundos.
Segundo consta na tradição, a “mansão” daquela mulher, em Magdala
ou Migdol (torre), hoje el-Mejdel, à época cidade localizada na costa ocidental
do Mar da Galileia, era procurada pelos príncipes das sinagogas, abastados comerciantes,
bilionários senhores de terras e de escravos, funcionários de alta categoria da
administração herodiana, que lhe assentavam no cofre moedas de ouro, jóias, dracmas
de prata, perfumes raros, presentes exóticos.
Aquela mulher ficou conhecida como Maria Madalena, personagem que
traz à tona discussões com interpretações dessemelhantes sobre sua vida.
Destarte, optamos por esquadrinhar um consenso a propósito de determinadas questões
fundamentais, para que nossa pesquisa não perdesse apropriada uniformização do
seu conteúdo.
Há quem afirme que muito mais a tradição do que a realidade se
encarregou de difundir a suposta má fama de Madalena. “O Talmud apresenta como
casada com o judeu Pappus Benjudah, que abandonou para unir-se ao oficial de
Herodes chamado Panther; não era necessariamente uma "pecadora
pública" nem uma "viciada" como a descreve Gregório Magno”.(1)
Muitos a identificam como endemoninhada (por sete obsessores), prostituta (as
bases históricas dessa última afirmação parecem ser bastante frágeis para
alguns exegetas). Sabe-se, com certeza, que a Maria difamada de Magdala não era
feliz.
Alguns escritores e estudiosos contemporâneos, baseados nos
Evangelhos Canônicos, nos livros apócrifos do Novo Testamento e nos escritos
gnósticos, sobretudo Margaret George, Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard
Leigh, autores do livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada (1982), e Dan Brown,
autor do romance O Código da Vinci (2003), apesar de proporem teses
mirabolantes, descrevem Maria Madalena como uma apóstola.
Certa noite, instada por uma serva de confiança, permitiu um
diálogo sobre um Excelso Peregrino que percorria as estradas da Galiléia e da
Judéia. Entusiasmada, no dia seguinte, servindo-se de frágil embarcação,
atravessou o lago para conhecer Jesus, em Cafarnaum. Os dias se passaram até
quando o Cristo esteve em Magdala, a proprietária da famosa “casa nobre” tomou
de um vaso de alabastro que continha o perfume do lótus, comprada a preço de ouro.
Era seu presente ao sublime Rabi da Galileu. Sabendo-O num
banquete em casa de Simão, um rico comerciante da Galiléia, para lá se
dirigiu.(2) Quase ao final da ágape, rompendo a segurança, a famosa e afamada
de Magdala(3) irrompe na sala e se arroja aos pés do sublime Galileu. O endinheirado
Simão, dono do casarão se enche de fúria, mas receia determinar expulsá-la.(4)
O afetuoso Nazareno exalta o gesto daquela corajosa Madalena que ajoelhada a seus
pés, rega-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus sedosos cabelos e os unge
com o sobrenatural bálsamo que invade todo o recinto. O divino Senhor
simplesmente diz: por esse gesto te digo que os teus muitos pecados te são perdoados,
porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado, pouco ama. Mulher, a tua
fé te salvou; vai-te em paz.(5)
Avaliava o Mestre o coração daquela alma intensamente amorosa,
transitoriamente fraquejada sob o guante da ilusão da beleza física desértica.
Por isso investiu na sua recuperação, incentivando a modificar de vida, o que
ela acolheu com a consistência adamantina da sua personalidade forte e iniciou
um rumo novo, transformando-se, depois da Mãe de Jesus, no maior exemplo de
Amor na face da Terra.
Na manhã subsequente a população de Magdala soube, surpreendida, a
notícia da conversão da mulher, insígnia da iniquidade. Ela abrira mão de todos
os bens materiais que possuía e, com o estritamente necessário, iniciara nova vida.
Juntou-se discretamente aos que seguiam o Messias, mas infelizmente por várias
vezes, recebeu a bofetada da suspeição.
No transcurso dos meses, atingindo os momentos da traição de
Judas, da prisão de Jesus, do julgamento arbitrário, ei-la, peregrinando para o
Gólgota, acompanhando-O. A convertida de Magdala conservou-se ao pé da cruz,
unida a Maria de Nazaré e ao jovem João Evangelista. No instante em que a
fronte do Mestre pendeu pesada, ansiou abraçar-se outra vez aos Seus pés e osculá-los
com soberana veneração, porém se sentiu imobilizada.
No domingo (três dias após o martírio da Cruz), chegando ao túmulo
do Mestre ao lado de Joana de Cusa, Maria (mãe de Marcos) e outras mulheres
(6), deparou com a pedra do sepulcro deslocada, dobrados os lençóis de linho que
lhe haviam envolvido o corpo e o sepulcro vazio.
Madalena teve receio que os fanáticos judeus houvessem furtado e
escondido o corpo do Príncipe da Paz.(7)
Enquanto as demais mulheres retornaram a Jerusalém, a fim de
noticiar o sucedido, Madalena conservou-se no jardim adjacente, a chorar.
A nostalgia feita de agonia lhe enxovalhava o coração, quando
escutou a dúlcida voz do Crucificado, chamando-a:
- Mulher! “[Gyne]”(8) Ela se volta, e mal consegue avistar um
vulto, os olhos ainda embaciados pelas lágrimas e as pupilas dilatadas pela
escuridão do sepulcro.
Seria o jardineiro? Teria ele ocultado o corpo do Divino Amigo?
Então, os ouvidos descobrem o que os olhos não podem desvendar: a voz torna a
chamá-la, mas desta vez pelo nome: Maria! Quando a filha de Magdala ouve aquela
voz transcendente chamando: “- Maria!”, ocorre uma transformação admirável: ela
reconhece o suave Rabi redivivo, e exclama: “- Raboni(9), meu Mestre!” E, literalmente,
tenta abraçá-lo, todavia não era momento para tocá-lO.(10)
Interessante meditar “por que razões profundas deixariam o Divino
Mestre tantas figuras mais próximas de sua vida para surgir aos olhos de
Madalena, em primeiro lugar? O gesto de Jesus é profundamente simbólico em sua
essência divina. Dentre os vultos da Boa Nova, ninguém fez tanta violência a si
mesmo para seguir o Salvador, como a inesquecível obsedada de Magdala.” (11) A
ex-vendedora de ilusões difamada pelos madalenos, em quem se costumava atirar
injúrias, no encontro com o Mestre materializado redescobre sua identidade e
até amplia seu horizonte existencial. Ao reconhecer Jesus, imediatamente O
coloca acima, chamando-O Raboni. O Cristo estava ali, redivivo, radioso como a
madrugada recém nascida.
Madalena foi anunciar o episódio aos apóstolos, que não acreditaram.
Por que haveria Jesus de aparecer logo para ela? No entanto, Maria de Nazaré a
abraçou e lhe pediu detalhes. Os dias que se seguiram foram de saudades e recordações.
As notícias auspiciosas chegavam-lhe aos
ouvidos.
Soube que naquele mesmo dia, indo dois discípulos para suas
residências situadas nos arrabaldes (Emaús), distante de Jerusalém sessenta
estádios(12), os discípulos enquanto conversavam, o Cristo se lhes juntou e se
pôs a caminhar com eles (Jesus havia tido seus pés dilacerados na crucificação);
- mas não O reconheceram. “Ao aproximarem-se de suas casas, o Crucificado
queria ir adiante. Os dois disseram-Lhe: - Fica conosco, que já é tarde. Ele
entrou com os dois. Estando com eles à mesa, dividiu o pão, abençoou-o e lhes
deu. Abriram-se-lhes ao mesmo tempo os olhos e ambos O reconheceram; Jesus, porém,
lhes desapareceu das vistas.
Madalena soube que Jesus apareceu também para “Simão Pedro ,Tomé,
Natanael, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos à margem do mar
de Tiberíades.”.(13)
Depois disso, “Jesus os conduziu para Betânia e, tendo levantado
as mãos, os abençoou, e, tendo-os abençoado, se separou deles e foi arrebatado
ao infinito. Quanto a eles, depois de o terem adorado, voltaram para Jerusalém,
cheios de alegria.”.(14)
A convertida de Magdala experimentou solidão e abandono e, para
suavizar a imensa saudade do Rabi, passou a andar pelas longas praias que tanto
O relembravam. Numa dessas tardes, encontrou leprosos que vinham da Síria a fim
de buscar o socorro da cura. Ela os abraçou, dizendo-lhes que Jesus foi
crucificado. Deteve-se por horas a falar, saudosa, do que aprendera com quem
era o Caminho, a Verdade e a Vida. Depois, seguiu com eles ao vale dos imundos
(leprosos).
Alguns anos após, devorada pela lepra, sentindo que ia desencarnar,
desejou rever Maria de Nazaré e foi a Éfeso.
Após três dias de delírios, sentiu-se repentinamente expulsa do
corpo, na praia onde encontrara os leprosos sírios e, sua aparência era de
quando jovem e bela. Nesse momento vê caminhar sobre as águas a figura de Jesus
que lhe disse:
- Vem Maria, já atravessaste a porta estreita. Todas as tuas culpas
estão perdoadas porque muito amaste e muito sofreste. Eu estava a tua espera.
Agora dorme. Eu te escolho para que venhas ao meu reino! Madalena adormeceu nos
braços de Jesus.
Jesus realizou duas hierarquias de “ressurreição”:
“ressurreição” do corpo, e “ressurreição” do espírito.
“Ressuscitou” Lázaro, e “ressuscitou” Madalena. Aos olhos do
mundo, a primeira dessas duas maravilhas assume maiores proporções, mas, aos
olhos de Deus, o segundo prodígio é mais belo, mais valioso. O corpo de Lázaro
veio a morrer após aquela “ressurreição”.
Madalena nunca mais morreu, porque o que nela ressurgiu não foi a
carne, foi o espírito. O mundo se maravilha na “ressurreição” de Lázaro. O
Mundo Espiritual Superior se extasia da “ressurreição” de Madalena.
Especula-se que após essa encarnação dos tempos apostólicos, Maria
de Magdala ainda teve outras encarnações, até chegar a encarnar pela última vez
como Madre Teresa de Ávila (Santa Teresa de Jesus) cujo nome verdadeiro era
Teresa de Cepeda Y Ahumada, uma revolucionaria religiosa nascida na Espanha em
1515 e falecida em 1582.(15) “Se non è vero, é ben trovato”.(16)
Jorge Hessen
Referência bibliográfica:
(1) Pastorino, Carlos T. Sabedoria do Evangelho , Rio de Janeiro:
Ed Sabedoria, 1964
(2) Não deve ser confundido com outra cena semelhante, ocorrido
mais tarde (em abril do ano seguinte) na casa de Simão, ex-leproso, em Betânia
(Mat. 26:6-13, Marc. 14:3-9 e João, 12:1-8), quando Maria de Betânia, irmã de
Marta, executou o mesmo gesto.
(3) Alguns exegetas não reconhecem Maria Madalena como sendo a
mulher da narrativa de Lucas.
(4) Por delicadeza, Marcos omite o nome da mal-afamada. Esse
silêncio fez com que na igreja antiga se desenvolvesse uma interpretação
extremamente confusa.
(5) Lucas, VII, 47 e 48
(6) De acordo com Lucas e Marcos, o objetivo, para as mulheres se
dirigirem ao túmulo, foi embalsamar o corpo de Jesus com especiarias
(7) A pilhagem de sepulturas era algo bem comum na Palestina, onde
as tumbas ficavam acima do chão. Diante disso, um crime devia ser esperado, uma
vez que Jesus foi sepultado num túmulo emprestado, de um rico doador.
(8) Em grego, mulher é gyne, de onde derivam as palavras
portuguesas “gene”, “genética”, “gênero”, “gênesis”
(9) O termo "Raboni" é mais solene que o habitual
"Rabi"
(10) Na narrativa joanina , Madalena ela é destacada como primeira testemunha
do túmulo vazio (20:1-10) e como a primeira pessoa a quem o Senhor ressurrecto
apareceu (20:11-18), em contraposição aos Sinópticos, onde ela dividiu estas
experiências com várias outras mulheres (Mat. 28:1-10; Mar. 16:1-8; Luc. 24: 1-11
(11) Xavier, Francisco Cândido. Caminho, Verdade e Vida, ditado
pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1999, cap. 92)
(12) O estádio romano valia 625 pés romanos ou seja 185 metros
(13) Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1977, item
59
(14) Lucas, cap. XXIV, vv. 50 -53 e At: 9-12
(15) Disponível em http://feparana.com.br/parolima.comacesso em
16/02/2012
(16) "Se não é verdade, é bem contado."
GRUPOS UNIVERSO ESPÍRITA - WHATSAPP E TELEGRAM
16 9 97935920 - 31 8786-7389
Nenhum comentário:
Postar um comentário