Fernando A. Moreira
"...mas, se não perdoardes aos homens quando
vos tenham ofendido, vosso Pai Celestial também não vos perdoará os
pecados." (S. Mateus, cap. XVIII, vv. 15,
21 e 22.)
Inúmeras vezes, Jesus nas suas parábolas fez
referência ao perdão, para que ficasse bem nítida a sua importância no nosso
relacionamento com o nosso próximo e pudéssemos dimensionar a bondade, a
misericórdia e a justiça divina, que irão balizar o caminho de nossa evolução.
"(...) – Então, aproximando-se dele, disse-lhe
Pedro: ‘Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado
contra mim ? Até sete vezes ?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Não vos digo que
perdoareis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes."
(S. Mateus, cap. XVIII, vv. 15, 21, 22.)
Jesus deixa bem claro que não há limite para o
perdão, que não pode ser contado, porque sendo ele o esquecimento da ofensa,
como é apagado, nada sobra para se contar.
Perdoar até setenta vezes sete vezes equivale a
dizer que temos que perdoar sempre, sendo o perdão, pois, incondicional; é o
perdão do coração. Mas, às vezes concedemos somente o perdão dos lábios, o
falso perdão:
"Eu o perdôo, mas não esquecerei jamais o que
me fez."
Mais além afirmamos: "- Entrego à Deus e à sua justiça", quando na realidade, estamos desejando a sua
condenação; não temos nenhuma procuração divina para assim nos referirmos,
mesmo porque, desde que Deus nos criou, já a Ele estamos entregues.
Freqüentemente também dizemos ou ouvimos dizer:
"- Se ele vier se desculpar, eu o
perdôo."
Esta é uma atitude orgulhosa, estática e
condicional, se contrapondo aos ensinamentos de Jesus, que nos mostrou de quem
deve ser a iniciativa e em que momento deve-se perdoar nestas três passagens
evangélicas:
" Se contra vos pecou vosso irmão, ide
fazer-lhe sentir a falta em particular, a sós com ele; se vos atender tereis
ganho o vosso irmão." (Mateus;
XVIII, 15)
"Reconciliai-vos o mais depressa possível com
o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos
entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não sejais
metido em prisão. – Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não
tiveres pago o último ceitil." ( Mateus: V, 25 e 26)
"Se, portanto, quando depor vossa oferenda,
vos lembrardes que o vosso irmão tem qualquer coisa contra vos, deixai a vossa
dádiva junto do altar e ide, antes, reconciliar-vos com o vosso irmão; depois
então voltai a oferecê-la." (Mateus, cap. V, vv. 23, 24)
Fica bastante evidente que a iniciativa da
reconciliação deve ser nossa, quer sejamos os ofendidos ou os ofensores, isto é
, sempre. Igualmente depreende-se que a atitude é extremamente dinâmica,
urgente; temos que ir de encontro ao nosso irmão e isto, não deve ser deixado
para amanhã, para a outra reencarnação; é para hoje, enquanto ele está no nosso
caminho.
Quando nós não perdoamos, sintonizamos com o
adversário. A ele, nos vinculamos agora pelo ressentimento, mágoa, raiva, ódio,
despertando o desejo de vingança, para encontrá-lo mais além como obsessor,
podendo, às vezes, chegar até ao grau de subjugação ou possessão. Nos estabelecemos
no círculo do endividamento (FIG. 1-A), perante ao inimigo e a nós mesmos e, em
última análise, perante à lei divina.
No entanto, ao termos misericórdia e agirmos com
amor, nós perdoamos e nos libertamos para a nosso progresso espiritual (FIG.
1-B), cumprimos a lei, estamos com ela, porque " (...) quem assim procede, põe de seu lado o
bom direito e Deus não consente que, aquele que perdoou, sofra qualquer
vingança." (1)
"Perdoar os inimigos é pedir perdão para si
próprio; perdoar os amigos é dar uma prova de amizade.; perdoar as ofensas é
mostrar-se melhor do que era.(...)" (1)
Jesus assim se pronunciou a respeito dos nossos
desafetos:
"Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos
têm ódio e orai pelos que vos perseguem e caluniam, para serdes filhos do vosso
Pai ". (Mateus, 5: 43-47)
Amar os inimigos é dar a outra face, isto é, ante à
face do mal, mostrar a face do bem.
"Feliz, pois, daquele que pode todas as noites
adormecer dizendo: Nada tenho contra o meu próximo." (1). Quem assim procede, pode orar, falar com Deus: "Perdoai as nossas ofensas, assim como
perdoamos aos que nos hão ofendido." (Mateus,6:9-13)
Às vezes, o que nos leva a não administrarmos o
perdão é o sentimento de que o outro é que está errado, porque os faróis dos
outros automóveis sempre nos parecem mais ofuscantes do que os nossos; é o
egoísmo e o orgulho que fazem o homem dissimular seus defeitos. Julgamos os
outros com a nossa justiça falha e deformada, olvidando os ensinamentos
evangélicos.
"Não julgueis para não seres julgados; -
porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; empregar-se-á
convosco a mesma medida de que vos tenhais servido para com os outros." (Mateus, cap. VII, vv. 1,2.)
De igual teor é a "Parábola da mulher adúltera" ( João, cap. VIII, vv. 3 a 11)
"Aquele dentre vos que estiver sem pecado,
atire a primeira pedra."
Noutra ocasião, na "Parábola do credor incompassivo", Jesus compara o Reino dos Céus a um rei, que
resolveu ajustar contas com um servo que lhe devia dez mil talentos; como este,
não lhe pudesse pagar, ordenou que fossem vendidos, ele, sua mulher, seus filhos
e seus bens. Após dramáticos apelos, o rei compadeceu-se dele e perdoou suas dívidas.
Ele, porém, ao libertar-se, encontrou-se com um companheiro que lhe devia cem
denários, quantia infinitamente inferior. Como também, este não teria como lhe pagar,
fez-lhe idênticos e dramáticos apelos mas ele, ao contrário, não o atendeu, deixando-o
preso. Ao saber disso, o rei se indignou, entregando seu devedor aos verdugos
até que ele lhe pagasse tudo o que devia, indagando: - Tu não devias ter tido compaixão
do teu companheiro como eu tive de ti?
Completa então, Jesus:
"Assim também meu Pai Celestial vos fará, se
cada um de vos do íntimo do coração não perdoar a seu irmão." (Mateus, XVIII 21- 35)
Portanto, não perdoar as ofensas é uma das formas de
ir contra a lei e assim fazer recair sobre si a justiça divina; é ingressar no
terreno da ofensa à lei (FIG. 2) e "daí não sairá enquanto não tiver pago o último
ceitil."
Só será possível retirar-se deste terreno, fazendo
esse ressarcimento entrando-se na CASA DO PERDÃO, e escolhendo-se entre duas
opções; primeira, o caminho do arrependimento, que é o prelúdio, a ante-sala do
perdão. É o primeiro passo, mas não o único, porque a "graça", com
que acenam outras doutrinas em que basta arrepender-se para daí sair não faz
parte da justiça divina que não anistia, mas anula, após a quitação da dívida.
Essa anistia, essa "graça", "de graça", seria uma injustiça
para o ofensor, uma desgraça, um perdão sem reforma, pois assim lhe roubaria a
oportunidade de se educar e evoluir, e para o ofendido, que também não poderia
se ressarcir das perdas sofridas. O segundo cômodo desta opção é a reforma
íntima. "A persistência do
indivíduo no descobrimento dos próprios defeitos ampliará consideravelmente o
âmbito de possibilidade de êxito. Somente quem sabe os males que possui, pode curá-los."
(2) A reforma íntima "deixa de ser algo constrangedor ou como
exigência de conquista do dia para a noite, para ser entendida como algo que
conquistaremos gradativamente, através do esforço pessoal que a Doutrina vai
aos poucos interiorizando nos corações." (3)
Admitindo sua culpa e arrependendo-se, promovendo-se
a conscientização do erro, a avaliação da dívida, impõe-se a passagem ao
terceiro cômodo, a reparação, que é um ato de amor, uma doação nesta encarnação
ou uma prova noutra existência.
"Quem perdoa ( de coração ), ama, e quem ama,
não se endivida, não contrai débitos, prevenindo-se de períodos expiatórios
(...). Harmoniza-se com as leis do Criador." (4)
"Quem não repara pelo amor", permanecendo na inércia e no endurecimento, recai
na segunda opção da CASA DO PERDÃO (FIG 2,B), "resgata pela dor, e resgates são expiações." (4) Este cômodo é o mais sombrio e dorido da CASA DO
PERDÃO, representando o caminho mais difícil para se deixa-la , mas por
qualquer das duas opções alcançamos a saída da CASA DO PERDÃO, o perdão divino
e a nossa evolução.
A CASA DO PERDÃO é a construção do nosso Pai Eterno,
bálsamo da sua justiça e que infinitamente sábio, bom e misericordioso, não
iria exigir de nós que perdoássemos sempre, se Ele também assim não
procedesse.(5) Portanto, como nos ensina a Doutrina Espírita, calcada no
Evangelho de Jesus, nós nunca seremos deserdados, porque o Criador, nosso Pai
amoroso, não nos condena à penas eternas, nos perdoando sempre, mas, como bom
educador, nos remete a um novo ensino, dando-nos uma nova oportunidade, um novo
renascimento na carne, para que alcancemos fatalmente nossa meta, a perfeição.
Isto fica bem evidente na parábola do "Filho pródigo e do irmão egoísta".(6)
Um homem tinha dois filhos e o mais moço requisitou
sua herança e atendido, partiu para um país longínquo, onde dissipou toda a
fortuna, vivendo dissolutamente. Em conseqüência disso, tornou-se pobre,
passando fome e vivendo entre os porcos.
Arrependido, resolve voltar a seu pai e lhe diz: - Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não
sou digno de ser chamado seu filho.
O pai, no entretanto, teve compaixão dele e correndo
o abraçou e o beijou. Mandou que seus servos o vestissem com a melhor roupa,
lhe colocassem sandálias nos pés e anel no dedo e matassem um novilho,
promovendo uma festa com música e dança.
O filho egoísta indignou-se com o tratamento dado a
seu irmão, pela bondade e misericórdia do pai, mas este retrucou: - Filho, tu
sempre estais comigo e tudo o que tenho é teu, entretanto cumpre
regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão, era morto e reviveu,
estava perdido e se achou. (Lucas 15:11-32)
Vamos, enquanto nos encontramos a caminho, amar ao
próximo como a nos mesmos, perdoando nossos inimigos, nos perdoando e
promovendo a nossa reforma íntima, único roteiro para conquistarmos,
ressarcidos nossos débitos, o perdão divino e alcançarmos a nossa evolução.
Para isso peçamos a inspiração do nosso Mestre
amado, que na cruz, na intercorrência de seus algozes, pediu ao Pai:
"- Perdoai-lhes, eles não sabem o que
fazem."
BIBLIOGRAFIA
1. KARDEC, Allan _ O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Ed. FEB,1995, pg. 171
2. GLASER, Abel, pelo Espírito Caibar Schutel _
Fundamentos da Reforma Íntima, Casa Ed. O Clarim, 2000, pg. 23.
3. CARRARA, Peter Orson _"Mundo Espírita",
jun./2000, pg. 9
4. EDITORIAL _ O Perdão de Deus, "O
Clarim", jul./2000, pg. 2.
5. SCHUTEL, Caibar _ Parábolas e Ensinos de Jesus,
Casa Ed. O Clarim, 1993, pg. 94.
6. VINICIUS _ Na Seara do Mestre, Ed. FEB, 1985, pg.
40. (Artigo
originalmente publicado pela Casa Editora O Clarim na edição de janeiro de 2001 da Revista Internacional de Espiritismo e
reproduzido com atuorização do autor)
GRUPO UNIVERSO ESPÍRITA
WHATSAPP 16 9 97935920
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