Quando pessoa querida desencarna é crucial
resignar-nos, observando no fenômeno da “morte” a manifestação da Lei de Deus
que governa a vida. A desencarnação é a única certeza futura que temos. Todos
passaremos por essa provisória despedida. Não há como tapearmos o pensamento a
respeito desse impositivo da natureza. Em face disso, permitamos que o
pensamento sobre a “morte” componha de forma ininterrupta e serena nossos
estados mentais, reflexão sem a qual estaremos desaparelhados, ou para o
regresso inevitável ou despreparados para arrostarmos com quietação a “morte”
dos nossos entes queridos.
Compreendemos que “nenhum sofrimento, na Terra, será talvez
comparável ao daquele coração que se debruça sobre outro coração regelado e
querido que o ataúde transporta para o grande silêncio. Ver a névoa da morte estampar-se,
inexorável, na fisionomia dos que mais amamos, e cerrar-lhes os olhos no adeus
indescritível, é como despedaçar a própria alma e prosseguir vivendo.” (1)
Em verdade, depois do desenlace, sobrevém ao “falecido”
um período de inquietação transitória, variando obviamente de espírito a
espírito, consoante seu talhe moral, mormente no que tange ao desprendimento
das coisas materiais. Em verdade, nem todo Espírito se desune imediatamente da
carcaça biológica. Entretanto, em qualquer circunstância, jamais escasseará o
socorro espiritual, sobretudo aos que fazem jus, proporcionado pelos bons
espíritos. É como elucidou Jesus: "Em verdade vos digo que, se alguém
guardar a minha palavra, nunca verá a “morte”." (2)
Quando a desencarnação de ente amado nos bata à porta, dominemos
o desespero e dissolvamos a corrente da aflição no manancial da prece,
porquanto os desencarnados são tão somente ausentes e os pingos de nossas
lágrimas lhes açoitam a consciência como chuva de fel. “Eles pensam e lutam,
sentem e choram, inquietam-se pelos que ficam. Ouvem-nos os gritos e as
súplicas, na onda mental que rompe a barreira da grande sombra e tremem cada
vez que os laços afetivos da retaguarda se rendem à inconformação.” (3)
O luto (4) pode variar muito dependendo das pessoas, do
tipo de “morte” e da cultura, mas que o caminho mais comum é entender que a
pessoa partiu e redefinir a vida com a ausência do ente querido. Uma das
teorias mais consagradas para elucidar a reação humana durante o luto é a dos “cinco
estágios”, desenvolvida pela psiquiatra suíça e reencarnacionista Elizabeth
Kübler-Ross, em 1969.
Segundo Kübler-Ross, até superar uma perda, as pessoas enlutadas
passam por fases sucessivas de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Cerca de 50% das pessoas lidam muito bem com a “perda” e volta à vida normal em
semanas. Apenas 15 % de enlutados desenvolvem graves dificuldades que afetam a convivência
social, possivelmente porque o “aceitar perdas”, especialmente aquelas
referentes aos sentimentos, é enormemente complexo e trabalhoso para tais
pessoas.
Se o luto não é essencialmente tão insuportável quanto
se concebia, e se a maior parte dos enlutados conseguem suplantar bem uma “perda”,
por que razão algumas pessoas não conseguem superar o trauma? Pois os 15% atravessam
anos sobrevivendo como nos primeiros e mais complicados períodos do luto. Essas
pessoas não conseguem retomar a vida. Cultuam a dor, em uma espécie de luto
crônico, chamado pelos psiquiatras de “luto patológico” ou “luto complicado”.
Transportando o sentimento para a família, o luto pode provocar
uma grave crise doméstica, pois exige a tarefa de renúncia, de excluir e
incluir novos papéis na cena familiar. Sigmund Freud, em “Luto e Melancolia”,
remete-nos para ponderações razoáveis sobre o desencadear patológico da “perda”
afetiva pela desencarnação. Entre suas teses, o pai da psicanálise assegura que
o luto é a resposta emocional benéfica, adequada para a ocorrência da “perda”,
já que há necessidade do enlutado de reconhecer a “morte” como evento, como
realidade que se apresenta e que naturalmente suscita constrangimento. O “pai
da psicanálise” afiança que na melancolia o enlutado identifica-se com o morto
e, ao deparar com essa “perda”, a pessoa entende que parte dela também está
indo; há uma identificação patológica com o “de cujus”. Vemos então que no
enlutamento melancólico há o que Freud chama de estado psicótico, em que o ego
não suporta essa ruptura e adoece gravemente.
A revelação Espírita demonstra que “morte” física não é
o extermínio das aspirações e anseios no bem, porém o ingresso para a
existência autêntica, para a vida real. Sim!
A existência física é ilusória, fugaz, transitória
demais. A separação do corpo pela “morte” não é uma anomalia da natureza.
Simplesmente transfere-se da dimensão física, para o sítio espiritual.
O chamado morto jaz na ligação pelo pensamento, de modo
que ele captura as orações que lhe forem direcionadas e se sentirá apoiado com
isso. Da mesma forma ficará descansado sabendo que os familiares estão resignados
e trabalhando para que a vida terrena continue sem sobressaltos. Não olvidemos
que em futuro mais próximo que imaginamos respiraremos entre os falecidos, comungando-lhes
as necessidades e os problemas, porquanto terminaremos também a própria viagem
no mar das provas terrenas.
Quando a saudade é dolorida, há os que buscam a instituição
espírita para obter informações do finado, porém, nem sempre é possível
obterem-se notícias sobre os parentes desencarnados; para tanto é necessário
que eles tenham condições morais e a permissão dos Bons Espíritos. Mas, para
abrando de alguns, existem episódios em que os saudosos poderão ter encontros
com seus entes queridos no plano espiritual; isso poderá ocorrer durante o sono,
quando os Benfeitores permitem essas aproximações, a fim de que sobrevenha
renovação de ânimo entre encarnados e desencarnados.
De qualquer modo, o tema “morte” ainda se revela
assunto quase inteiramente incompreendido na Terra.
Efetivamente, “morrer” (término da vida biológica) e desencarnar
(ruptura do laço magnético que une espírito ao corpo) são fenômenos que nem
sempre acontecem simultaneamente. Os intervalos de tempo para desligar-se do
corpo variam para cada Espírito. Para uns pode ser mais dilatado, para outros é
uma passagem rápida.
A intermitência de tempo entre a “morte” biológica e a desencarnação
tem relação direta com os pensamentos e ações praticados enquanto encarnado.
Ninguém topará com o “céu” ou o “inferno” do lado de “lá”, porquanto o “empíreo”
e a “geena” são conteúdos mentais construídos aqui no plano físico. Após o
fenômeno da fatalidade biológica pela “morte”, cada Espírito irá deparar com o cárcere
ou a liberdade a que faz merecer como fruto do desleixo ou disciplina mental
que cultivou durante a experiência física.
Para os que alcançaram aproveitar a encarnação, sem viciações
e apegos, os que cumpriram a lei de amor, tornam-se menos densos os laços
magnéticos que prendem o Espírito ao corpo. Nesse caso, a desencarnação será rápida,
proporcionando adequada liberdade, até mesmo antes de sua consumação. Todavia,
os indisciplinados que se afundaram nos excessos, nas viciações, nos prazeres mundanos,
cunham intensas impressões e vínculos magnéticos na matéria, e unicamente
alcançarão a liberação após um intervalo de tempo, análogo ao tempo de
desequilíbrio vivido na carne. Contudo, mesmo após a ruptura dos embaraços
magnéticos, que o algemavam à vida física, padecerá, por tempo indefinido, dos
tormentos disseminados nas vias de suas experiências no mal (eis aí a metáfora
do inferno).
Ante os impositivos cristãos, devem-se emitir para os desencarnados,
sem exceção, pensamentos de consideração, paz e desvelo, seja qual for a sua
condição moral. Temos consciência da imortalidade, da vida além túmulo.
Allan Kardec nos remete a Jesus, e com o Meigo Rabi certificamos
que o fenômeno da “morte” é totalmente diferente. No túmulo de Jesus não há
sinal de cinzas humanas, nem pedrarias, nem mármores luxuosos com frases que
indiquem ali a presença de alguém. Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na
gloriosa manhã da Ressurreição, não havia aí nem luto nem tristeza. Lá encontraram
um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: não está aqui. Os séculos
se dissiparam e o túmulo [de Jesus] permanece aberto e vazio, há mais de dois
mil anos. Seguindo, pois, com o Cristo, através da luta de cada dia, jamais
localizaremos a amargura do luto por ensejo da “morte” de pessoa amada, e sim a
vida em plenitude.
Jorge Hessen
http://jorgehessen.net
Referências bibliográficas:
(1) Xavier, Francisco Cândido. Religião dos Espíritos ,
ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1960
(2) JOÃO, 8:51
(3) _________ Francisco Cândido. Religião dos Espíritos
, ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1960
(4) Luto [do latim luctu] – 1. Sentimento de pesar ou de
dor pela morte de alguém.
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