LUTO E INTERNET, UMA
REFLEXÃO ESPIRITA-CRISTÃ
Quase tudo que há alguns anos era armazenado em meio físico é
agora arquivado em computadores, sejam os emails (substitutos das tradicionais
cartas), fotos, vídeos ou outros tipos que talvez nem existissem sem a web.
Atualmente é natural possuirmos uma “identidade” na internet – um
perfil no twitter, no facebook, no buzz ou no blog. Um fenômeno intrigante tem
surgido nesse ambiente virtual: a homenagem póstuma, ou seja, uma maneira de reconhecimento
e congratulação realizada posteriormente à morte de um internauta.
Alguns murais do mundo internético têm-se transformado em
memoriais aos finados. Escrevem-se mensagens de condolências para a família. Os
comentários quase sempre são simples. Destaque-se que para alguns parentes de falecidos
da rede são muito positivas as manifestações de carinho, por se tratar de um
lugar que para “sempre” vai ser do extinto. Há quem compare esses avisos como
visitas
ao cemitério. Creem ser muito bom o túmulo ser assim, um lugar
virtual onde o desencarnado já esteve e deixou um pouco de sua essência.
Surgiu um ponto curioso: quando desencarnarmos, quem atualizará
nossos dados? Que novos elementos seriam esses? Será que nossa “identidade
virtual” permanecerá congelada em um onipresente sem futuro? Há quem afirme que
existem hoje mais de 5 milhões de falecidos na rede
social. O que advém com o espólio digital depois que um internauta
desencarna? Será que os dados (perfis) deles, mantidos nas redes sociais da
internet, podem alterar o luto dos parentes?
Para alguns estudiosos, a permanência na internet de uma parte da
identidade virtual da pessoa morta altera um pouco a forma como lidamos com a
morte. As funcionalidades das redes
sociais ganham outros
significados: um espaço para troca de mensagens e links vira um
espaço de homenagens póstumas e até de conversas transcendentais.
O luto(1), seja ele virtual ou real, pode variar muito dependendo
das pessoas, do tipo de morte e da cultura, mas que o caminho mais comum é
entender que a pessoa partiu e redefinir a vida com a ausência do ente querido.
Uma das teorias mais consagradas para elucidar a reação humana
durante o luto é a dos “cinco estágios”, desenvolvida pela psiquiatra suíça e
reencarnacionista Elizabeth Kübler-Ross, em 1969. Segundo Kübler-Ross, até
superar uma perda, as pessoas enlutadas passam por fases sucessivas de negação,
raiva, barganha, depressão e aceitação. Essa teoria entrou até para a cultura
popular.
Foi tema de um episódio recente do seriado americano Grey’s
anatomy e serviu como conteúdo ilustrativo para demonstrar o funcionamento do
novo aparelho da Apple, o iPad.
Talvez , em razão da imponderável vida virtual, os recentes
estudos sinalizam que há outras maneiras de lidar com a “partida” de quem
amamos. Cerca de 50% das pessoas lidam muito bem com a “perda” e volta à vida normal
em semanas. Apenas 15 % de enlutados desenvolvem graves dificuldades que afetam
a convivência social, possivelmente porque o “aceitar perdas”, especialmente
aquelas referentes aos sentimentos é enormemente complexo e trabalhoso para
tais pessoas.
Se o luto não é essencialmente tão insuportável quanto se concebia
e se a maior parte dos enlutados conseguem suplantar bem uma “perda”, por que
razão algumas pessoas não conseguem superar o trauma? Pois os 15% atravessam
anos sobrevivendo como nos primeiros e mais complicados períodos do luto. Essas
pessoas não conseguem retomar a vida. Cultuam a dor, em uma espécie de luto
crônico, chamado pelos psiquiatras de “luto patológico” ou “luto complicado”.
Nas mortes
traumáticas, como acidente, suicídio, assassinato, pode haver uma
fase de negação mais prolongada; a culpa e a revolta podem aparecer com mais
intensidade.
Transportando o sentimento para a família, o luto pode provocar
uma grave crise doméstica, pois exige a tarefa de renúncia, de excluir e
incluir novos papéis na cena familiar. Percebe-se então que existe aí uma
confusão, pois essa crise pode estancar o desenvolvimento dos
parentes, fator que pode definir o processo de um luto crônico
coletivo.
Sigmund Freud, em “Luto e Melancolia”, nos remete para ponderações
razoáveis sobre o desencadear patológico da “perda” afetiva pela desencarnação.
Entre outras teses, o pai da psicanálise assegura que o luto é a resposta emocional
benéfica, adequada para a ocorrência da “perda”, já que há necessidade do
enlutado de reconhecer a morte como evento, como realidade que se apresenta e que,
naturalmente, suscita constrangimento. O luto nos coloca diante do fato, nos
oferece condições de obter dentro de nós mesmos esse impulso frente ao que nos origina
ansiedade; ele é, consequentemente, uma maneira de reorganização psíquica.
Freud afiança que na melancolia o enlutado identifica-se com o
morto e, ao deparar com essa “perda”, a pessoa entende que parte dela também
está indo; há uma identificação patológica com o “de cujus”. Vemos então que no
enlutamento melancólico há o que Freud chama de estado psicótico, em que o ego
não suporta essa ruptura e adoece gravemente.
Para nós espíritas, a morte tem outro significado, sobretudo para
os que aqui permanecem. Temos consciência da imortalidade, da vida além-tumulo.
Allan Kardec nos remete a Jesus, e com o Meigo Rabi certificamos que o fenômeno
da morte é totalmente diferente. “No túmulo de Jesus não há sinal de cinzas humanas.
Nem pedrarias, nem mármores luxuosos com frases que indiquem ali a presença de
alguém.
Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manhã da
Ressurreição, não havia aí nem luto nem tristeza. Lá encontraram um mensageiro
do reino espiritual que lhes afirmou: não está aqui. Os séculos se esvairam e o
“túmulo [de Jesus] continua aberto e vazio, há mais de dois mil anos” (2)
Seguindo, pois, com o Cristo, através da luta de cada dia, jamais
encontraremos a angústia do luto por causa da morte de pessoa amada, e sim a
vida incessante.
Jorge Hessen
Referencias:
(1) Luto [do latim luctu] – 1. Sentimento de pesar ou de dor pela
morte de alguém. 2. A exteriorização do referido sentimento ou o tempo de sua
duração. 3. Consternação, tristeza.
(2) Xavier, Francisco Cândido. Alvorada Cristã, cap. 1, ditada
pelo Espírito Neio Lucio, Rio d e Janeiro: Ed. FEB, 1991
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