Roberto Valadão Fortes
Sumário:
1. O papel da miséria no processo de animalização da
criatura humana.
2. Causas desse panorama sombrio na sociedade
brasileira.
3. O motivo pelo qual os maus sobrepujam os bons.
4. Caminho para uma sociedade pautada na justiça.
5. O papel do espírita na sociedade brasileira.
6. Referências.
1. O papel da miséria no processo de animalização
da criatura humana
A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
A morte não causa mais espanto
O Sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto (1)
Os versos acima, de forma lírica, retratam a capacidade
da miséria de bestializar o indivíduo, privando-o da sensibilidade que o
caracteriza como criatura humana, desumanizando-o, justamente por causar a supressão
das condições mínimas de uma existência digna.
Nem é para menos.
Nos bolsões de miséria deste rico Brasil é comum ver
crianças, muitas das vezes, com cinco anos de idade, por completa falta de
opção para garantir a subsistência própria e de seus familiares, prostituindo-se
para as oligarquias locais ou servindo como soldados para o tráfico de drogas
ilícitas.
Também é comum nesses ambientes miseráveis identificar famílias
que comercializam os seus filhos recém-nascidos ou a sua força de trabalho e
liberdade por comida ou parcos recursos, em condições análogas às de escravo,
para quadrilhas mantidas pelas elites locais deste vasto Brasil.
Por não respeitar as conveniências geográficas ou
políticas, a miséria se faz presente nos centros urbanos desta nação. Basta um
olhar mais atento para contemplar famílias inteiras perambulando sem destino
nas grandes cidades, sem casa, sem leito, sem trabalho ou escola, alimentando-se
dos restos de comida existentes nos ditos lixões ou nas lixeiras dos
condomínios e feiras, submetidos a toda sorte de privações.
E fala-se em um olhar mais atento porque esses
desafortunados, de tão comuns, são confundidos com a arquitetura urbana, à
semelhança dos pombos e dos cães abandonados, pelas ditas pessoas de bem.
Não fosse tudo isso suficiente, há ainda inúmeras outras
pessoas experimentando grotescos dramas ocasionados pela total ausência ou
deficiência dos serviços de saneamento básico, de saúde e de educação, morrendo
de tuberculose, dengue, doença de chagas, câncer de útero, isto é, de
enfermidades praticamente erradicadas do Primeiro Mundo, típicas de regiões
miseráveis do globo terrestre.
Nesse panorama, cuja dramaticidade as palavras não
conseguem traduzir, as fibras morais de quem nele está inserido sofrem,
invariavelmente, profundas macerações, retalhando a sua pauta de valores para admitir
tão-somente aqueles que facilitam a constituição de uma armadura capaz de assegurar
a
sobrevivência em ambientes de extremada hostilidade.
Em outras palavras, para quem não chega a experimentar
sequer um patamar mínimo civilizatório, a vida se torna uma mera sucessão de
dias, sem qualquer espaço para medo ou encantamento, para poesia ou perplexidade,
para tudo aquilo que nos peculiariza como seres humanos.
Por isso oportuna se faz a seguinte explicação de
Camilo:
Não tendo do que lançar mão, honestamente, para prover
as necessidades básicas, o indivíduo, com sua família, muitas vezes se achará
presa de ideações infelizes que o poderão conduzir a experiências tortuosas,
uma vez que a fome não conhece moralidade. (2)
Sem conhecer a moralidade, vítimas e algozes alternam-se
nos seus papéis, multiplicando insanamente a violência, em seus diversos
níveis, na sociedade brasileira.
Banalizada a vida, banaliza-se a morte!
2. Causas desse panorama sombrio na sociedade
brasileira Causa espécie qualquer estudo sobre
esse assustador quadro social, perceptível mediante simples desvio do olhar do
aparelho de televisão, quando se tem consciência de que o Brasil figura como
oitava economia mundial por possuir diversas riquezas naturais e por
desconhecer quaisquer dos grandes dissabores climáticos, geológicos ou mesmo
geopolíticos de outras nações deste globo.
Porém, quando se aprofunda o olhar sobre a sociedade
brasileira, compreende-se que a principal causa da miséria nela verificada
ocorre porque parcela significativa das riquezas deste País é imediatamente absorvida
pela máquina estatal para custear os sofisticados e escabrosos esquemas de
corrupção, o loteamento de cargos públicos para aliados políticos, as obras
faraônicas superfaturadas que não promovem crescimento pátrio, as arenas
romanas que apenas se prestam ao culto da vaidade coletiva, as políticas
assistencialistas e clientelistas que geram a dependência do indivíduo e, com
isso, a perpetuação de determinado grupo no poder.
E para garantir recursos necessários à manutenção dessa
perniciosa patuscada com o dinheiro público, este País impõe elevada carga
tributária – a mais elevada do planeta quando comparada com o seu produto
interno bruto – sobre as forças produtivas, dificultando a competição dos seus
produtos no mercado internacional e a abertura de novas frentes de trabalho que
ajudariam na erradicação do desemprego.
Melhor explicando, o sofrimento experimentado por
parcela significativa da população brasileira existe porque as pessoas
investidas das funções de autoridade deixam de agir como elementos importantes
ao funcionamento da sociedade para atuarem como células integrantes de um
imensurável tumor maligno, que se espalham pelo corpo social para absorver,
ilimitadamente, os recursos imprescindíveis à sua existência.
E dessas células cancerígenas, destacam-se às oriundas
da classe política, que, não satisfeitas em conspurcar o Poder Legislativo e o
Poder Executivo, valem-se de práticas ignóbeis para arregimentar as autoridades
integrantes do Poder Judiciário que não estão muito preocupadas com os lídimos
interesses coletivos.
Como uma metástase que atinge o sistema nervoso de um
organismo, a corrupção apodera-se dos três Poderes da República, acarretando a
acelerada degeneração da sociedade, comprometendo a subsistência e a própria
existências daqueles que se encontram socialmente debilitados.
Para completar esse espetáculo de horrores, há ainda
determinadas autoridades políticas que, apesar de mergulhadas no lodo da
própria perversão, apresentam-se ao grande público como pessoas investidas do manto
messiânico, inalcançáveis às leis humanas e divinas, porquanto alçadas a
salvadores da pátria pela vontade do Pai Celestial.
Coerente com essa cruel realidade, esses messias às
avessas não sentem pudor de praticarem os mais descabidos atos de gestão, de
celebrarem acordos com antigos inimigos políticos historicamente reconhecidos
pelos mais desprezíveis atos de exploração dos mais humildes, de conferirem ao
povo brasileiro um tratamento infantilizado, de desviarem os recursos
necessários à prevenção dos desastres naturais para promoção pessoal, de
onerarem excessivamente o capital produtivo, de praticarem assistencialismo e
clientelismo com os recursos públicos, tudo isso com o fim de se perpetuarem no
Poder.
Dentro da lógica da insanidade, esses medonhos mandatários
messiânicos asseguram elevados índices de popularidade manipulando recursos
públicos em ações sociais assistencialistas e clientelistas, isto é, em ações
que transformam os seus destinatários em eternos necessitados da caridade
estatal justamente por não lhes permitir condições efetivas para que consigam,
por meio do próprio trabalho, uma vida digna.
Sem políticas realmente emancipatórias, os miseráveis,
os mais pobres, por não conseguirem autonomia sócio-econômica, tornam-se,
inconscientemente, dependentes das políticas assistencialistas e clientelistas.
Com isso, tornam-se dependentes dos falsos profetas da política, dos
autoproclamados pais e mães do povo brasileiro, que obstam qualquer
possibilidade de práticas políticas realmente capazes de libertá-los desse
lamentável cativeiro sócio-político.
É um perverso círculo vicioso que se instala na
sociedade, apoiada pelos mais humildes, que desconhecem outra realidade, e,
muita das vezes, pelos espíritos levianos, que passam pela existência distraídos,
sem maiores reflexões sobre a realidade que o circunda.
Não há dúvida de que qualquer apoio àqueles que se
prevalecem de práticas assistencialistas e clientelistas para alcançarem altos
índices de popularidade e, com isso, assegurarem a sua permanência no poder
constitui leviandade porque desconsidera, completamente, o seguinte alerta de
Emmanuel:
Em toda parte, existem discípulos descuidados que
aceitam o logro de aventureiros inconscientes. É que ainda não aprenderam a
lição viva do trabalho próprio a que foram chamados para desenvolver atividade particular.
Os fazedores de revoluções e os donos de projetos
absurdos prometem maravilhas. Mas, se são vítimas da ambição, servos de
propósitos inferiores, escravos de terríveis enganos, como poderão realizar
para os outros a liberdade ou a elevação de que se conservam distantes?
Não creias em salvadores que não demonstrem ações que
confirmem a salvação de si mesmos.
Deves saber que foste criado para gloriosa ascensão, mas
que só é fácil descer. Subir exige trabalho, paciência, perseverança, condições
essenciais para o encontro do amor e da sabedoria.
Se alguém te fala em valor das facilidades, não
acredites; é possível que o aventureiro esteja descendo.
Mas quando te façam ver perspectivas consoladoras,
através do suor e do esforço pessoal, aceita os alvitres com alegria. Aquele
que compreende o tesouro oculto nos obstáculos, e dele se vale para enriquecer
a vida, está subindo e é digno de ser seguido. (2b)
Percebe-se, com uma maior atenção, que as práticas
assistencialistas e clientelistas são, em verdade, esmolas custeadas com
recursos públicos, que merecem sérias reflexões em vista das respostas dadas às
seguintes perguntas formuladas por Allan Kardec no Livro dos Espíritos:
888. Que se deve pensar da esmola?
“Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física
e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseie na lei de Deus e na
justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve
assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à
mercê do acaso e da boa vontade de alguns.”
“Não; o que merece reprovação não é a esmola, mas a
maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade
de acordo com Jesus, vai ao encontro do desgraçado, sem esperar que este lhe
estenda a mão.
“A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está
tanto no ato, como na maneira por que é praticado. Duplo valor tem um serviço
prestado com delicadeza. Se o for com altivez, pode ser que a necessidade
obrigue quem o recebe a aceitá-lo, mas o seu coração pouco se comoverá.
“Lembrai-vos também de que, aos olhos de Deus, a
ostentação tira o mérito ao benefício. Disse Jesus:
‘Ignore a vossa mão esquerda o que a direita der.’ Por
essa forma, ele vos ensinou a não tisnardes a caridade com o orgulho.
“Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da
beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma
humilhação detém o verdadeiro pobre, que muita vez sofre sem se queixar. A esse
é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
“Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina,
mediante a qual governa Deus os mundos. O amor é a lei de atração para os seres
vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.
“Não esqueçais nunca que o Espírito, qualquer que sejam
o grau de seu adiantamento, sua situação como reencarnado, ou na erraticidade,
está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior,
para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sede, pois, caridosos,
praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do
bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias
ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de
votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os
viciados. Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior.
Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à lei de
Deus.”
SÃO VICENTE DE PAULO (3)
Não há dúvida, portanto, que as políticas
assistencialistas e clientelistas, que se prestam a assegurar a perpetuação
desse messianato profano, bestializam os seus destinatários, degradando-os
moral e fisicamente.
E o pior é que as medidas necessárias à emancipação
dessa agigantada massa de reféns do assistencialismo e clientelismo constituem
condição fundamental para que este planeta galgue a condição de mundo de
regeneração, conforme se infere do conteúdo da resposta prestada à seguinte
indagação de Allan Kardec:
889. Não há homens que se vêem condenados a mendigar por
culpa sua?
“Sem dúvida; mas, se uma boa educação moral lhes houvera
ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos causadores da
sua perdição. Disso, sobretudo, é que depende a melhoria do vosso planeta.”
(707) (4)
Como se pode notar, a política se transformou, nesta
República, em instrumento de dor, de exploração do homem pelo homem, de
bestialização da criatura humana.
Não se pretende, com essa assertiva, desconsiderar os
fatores cármicos atuantes nos processos expiatórios coletivos. Conforme cediço,
Jesus ensinou que os escândalos são inevitáveis (Mt 18:7).
Porém, também não se pode olvidar que foi próprio mestre
da Galiléia quem também alertou que “ai do homem pelo qual vem o escândalo” (Mt
18:7).
Por mais necessários que sejam os processos coletivos de
expiação para a evolução da Humanidade, certo é que não é dado a nenhum ser
humano agravá-los ou mesmo instituí-los, máxime quando destinados
exclusivamente à satisfação de interesses meramente pessoais.
Essa perspectiva de entendimento não foi esquecida pela
doutrina espírita, conforme questões abaixo extraídas do Livro dos Espíritos:
717. Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da
Terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o
necessário?
“Olvidam a lei de Deus e terão que responder pelas
privações que houverem causado aos outros.”
Nada tem de absoluto o limite entre o necessário e o
supérfluo. A Civilização criou necessidades que o selvagem desconhece e os
Espíritos que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem civilizado
deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas.
A Civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de
caridade, que leva os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à custa
das privações dos outros exploram, em seu proveito, os benefícios da
Civilização. Desta têm apenas o verniz, como muitos há que da religião só têm a
máscara.
755. Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada
civilização, se encontrem seres às vezes tão cruéis quanto os selvagens?
“Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos
se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da
civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros.
Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem
encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem. Mas,
desde que a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.” (5)
A doutrina espiritista não deixa dúvida. Enquanto houver
um ser humano privado das condições mínimas de existência digna em virtude de
práticas sociais deploráveis, a sociedade brasileira, de civilização, só possuirá
o verniz, e aqueles que concorrem para isso, de civilizados, só possuirão a
aparência exterior.
3. O motivo pelo qual os maus sobrepujam os bons O Livro do Espíritos contém a seguinte questão cuja
resposta merece consideração:
932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos
maus sobrepuja a dos bons?
“Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos,
os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.” (6)
A exatidão e universalidade do conteúdo dessa resposta é
confirmada e reafirmada pelo fato de haver sido reproduzida justamente por
alguém que não conheceu a doutrina dos espíritos: Martin Luther King, Pastor da
Igreja Batista e eminente ativista dos direitos civis estadunidense.
É o que se verifica no seguinte pensamento:
O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos
corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa
é o silêncio dos bons. (7 )
Como resta claro, o estado de calamidade da política
pátria e, por conseguinte, da sociedade brasileira existe não em razão da força
dos maus e, sim, em razão da inércia, da condescendência, dos bons. A partir do
momento que houver uma vontade sincera de combater o mal que dilacera os mais
humildes, que priva parcela considerável da população das condições mínimas
para a sua emancipação social, que arrasta multidões de crianças à prostituição
infantil e aos exércitos do tráfico de drogas, que transforma hospitais
públicos em matadouros de humanos, uma realidade de felicidade se implantará
nestas terras do cruzeiro do sul.
Todavia, essa vontade inexiste. E inexiste porque, mesmo
entre os religiosos, há um consenso de que a política e a corrupção são faces
indissociáveis do vil metal, que o manejo da máquina pública para satisfação de
interesses pessoais e para perpetuação no poder é algo plenamente tolerável.
Com isso, diariamente, constroem-se e reconstroem-se uma psicosfera permissiva,
propiciadora do estado de barbárie na gestão de recursos públicos.
Esse desagradável quadro é pintado diariamente na
realidade brasileira porque, conforme lição de Joanna de Ângelis:
A mente plasma, no campo da ideação, os desejos, que
depois se transformam em realidades que passam a participar da vida, na área
das formas. (8)
E sendo permissiva à corrupção, essa psicosfera também
se torna permissiva aos seus sectários lógicos, isto é, às circunstâncias
responsáveis pela bestialização da criatura humana socialmente vulnerável, até porque,
quando tolerada a causa, toleradas são as suas conseqüências.
Desse modo, todo aquele que propala aos quatro ventos,
muitas das vezes com ares proféticos, que é natural haver corrupção na
política, que é natural haver políticos corruptos, que inexiste meio de livrar
a sociedade das iniquidades, em verdade, revela ao mundo a sua indiferença aos
que sofrem, aos que experimentam os efeitos nefastos de conjecturas políticas
perversas.
Melhor explicando, a falta de consciência política, de
real comprometimento com os interesses da coletividade, isto é, de senso de
cidadania, retrata um mórbido estado de indiferença em relação aos menos
favorecidos, aos que passam por dolorosos processos de expiação.
É interessante a percepção desse aspecto da
personalidade humana porque, segundo Hammed:
A indiferença e a frieza emocional, a apatia e o apego
patológico, bem como o distanciamento das privações dos outros, são
características marcantes das criaturas que alimentam uma paixão egoística pelos
bens materiais. (9)
A indiferença, uma vez instalada na intimidade humana, é
de difícil remoção pois, como bem explica Joanna de Ângelis:
A pessoa indiferente, no entanto, não ouve nem quer ver,
de alguma forma acomodando-se à situação mental e física em que mergulha. (10)
E, enquanto permanecer no íntimo humano, a indiferença,
representada pela aceitação dos frutos venenosos da corrupção, marcará a marcha
evolutiva do indivíduo porquanto, nas palavras de Hammed:
Carmas são estruturados não somente sobre nossos feitos
e atitudes, mas também sobre nossas sentenças e juízos, críticas e opiniões.
(11)
A indiferença de hoje será o passaporte da privação amanhã!
4. Caminho para uma sociedade pautada na justiça Para justificar essa postura acomodada, irresponsável,
indiferente ao sofrimento alheio, é comum a invocação, até mesmo entre
espiritistas, do dever de resignação perante as mazelas do mundo.
Todavia, tal linha de argumentação é incabível porquanto
a resignação não se confunde com passividade, com comodismo, com conformismo. É
um agir sem revolta para remover tudo aquilo que representa o mal, a perversão
de propósito, dentro da esfera de possibilidades individuais.
Tanto é assim que a veneranda Joanna de Ângelis ensina,
com muita propriedade, que:
A resignação deve ser um estado de aceitação da
ocorrência – dor sem revolta, porém atuando para erradicá-la. (12)
A pessoa resignada movimenta-se, trabalha para superar
as dificuldades, faz toda caridade possível, porém, sem qualquer lamentação ou
revolta.
A resignação é a ação com amor.
Para melhor compreensão da palavra resignação, conforme
ensinamento dos espíritos superiores, importante se faz o estudo, conquanto
breve, da vida de Martin Luther King.
Esse Pastor Batista e Teólogo Protestante liderou
manifestações, boicotes, marchas, promovendo uma verdadeira resistência não
violenta contra o racismo institucionalizado em seu país, Estados Unidos da América,
inclusive, em leis.
A sua batalha em defesa dos direitos civis da população
afro-estadunidense iniciou-se em 1955, ao liderar o boicote ao transporte da
cidade Montgomery, Alabama, que perdurou por um ano, para protestar contra um
ato discriminatório praticado contra uma passageira negra. E não foi uma
batalha fácil. Durante esse período, a sua residência foi alvo de ataques dos
seus adversários.
Sem disparar um tiro, sem derramar uma gota de sangue,
mas com muito suor e coragem, essa inquestionável figura histórica concorreu
decisivamente para conquistas que mudaram definitivamente a face dos Estados
Unidos da América e que serviram de exemplo para os defensores dos direitos humanos
espalhados pelo globo terrestre.
Essas apertadas linhas permitem inferir que, ao estudar
a vida de Martin Luther King, estuda-se a vida de um líder incansável, que
jamais desistiu dos seus ideais, mesmo diante das mais variadas agressões dirigidas
contra a sua pessoa e a de seus familiares. E o mais interessante: estuda-se um
líder sempre coerente com os seus princípios pacifistas, que jamais cedeu aos
reclamos dos mesquinhos jogos da política.
A sua linha pacifista foi consagrada no seguinte trecho
do seu mítico discurso Eu
tenho um sonho:
Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se
dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar
nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças.
Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do
ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e
disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em
violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas
alturas da reunião da força física com a força de alma. (13)
Há, nessas palavras, o real sentido do vocábulo
resignação, conforme ensinado pelos espíritos superiores: luta incessante
destituída da mácula do ódio.
Uma alma dada ao comodismo, possuidora de uma
deficitária compreensão da resignação ensinada no cristianismo redivivo,
dificilmente entenderá as motivações que levaram pessoas como Martin Luther
King a sacrificar a própria existência em favor do interesse coletivo, sem
jamais ceder aos apelos da corrupção.
Porém, explica Vianna de Carvalho que as ações desses
importantes vultos históricos se sucedem na História porque o espírito, quando:
Conhecedor dos seus deveres e direitos espirituais, ele
se socializa e adquire capacidade política, a fim de contribuir em favor da
evolução da Humanidade, conquistando, de forma consciente, a sua cidadania. (14)
Com isso, chega-se à certeza de que o estado de barbárie
institucionalizado nesta República decorre do fato dos seus habitantes,
inclusive os que seguem alguma orientação religiosa, não assumirem a responsabilidade
pela construção de uma sociedade realmente livre, justa e solidária, pautada no
respeito à dignidade da criatura humana.
E quando se fala em responsabilidade, não se pode
admitir qualquer pensamento tolerante com os atos de corrupção vez que, segundo
Joanna de Ângelis:
A responsabilidade, para ser verdadeira, não pode
compactuar com a delinqüência, nem ignorar os mínimos deveres de respeito para
com a vida e para com as demais criaturas. (15)
Portanto, sem receio de cometer engano, pode-se
asseverar que as pessoas dotadas de responsabilidade, por não compactuarem com
as trevas, não aceitam como normal o envolvimento de políticos em atos de
corrupção ou com aqueles sabidamente corruptos nem apoiam práticas assistencialistas
ou clientelistas.
Em verdade, as pessoas responsáveis não toleram qualquer
perspectiva de entendimento no sentido de que o jogo político exige concessões
à corrupção, e, destarte, às suas mais variadas formas de manifestação,
porquanto todos sabem que não se constrói o bem comum com a argamassa da prostituição
infantil, da desnutrição, das precárias condições sanitárias e de saúde, entre
outras nefastas mazelas típicas de uma realidade injusta e cruel.
A luz jamais faz concessões às trevas.
Seguindo essa alcatifa de idéias, deságua-se na certeza
de que a solução para os graves problemas sociais experimentados pela população
miserável e pobre desta nação perpassa pela mudança da postura política
daqueles que possuem acesso às condições mínimas para uma vida digna e,
portanto,
aos meios de informação.
É claro que não se trata de uma mudança caracterizada
pela violência, pelo ódio. Trata-se de uma mudança caracterizada pela vontade
de ajudar na construção de uma sociedade realmente livre e igualitária, voltada
à superação de suas chagas sociais, por meio de atos pacíficos, responsáveis, a
exemplo de Martin Luther King.
Não se pode olvidar, como tantas vezes olvidou a
Humanidade, que:
O pacifismo, portanto, não pode ser confundido com a
pasmeira a que se entregam algumas criaturas receosas e inconscientes de que a
luta não pode ser encarada somente sob o ponto de vista da destruição, mas sim,
pelo empenho persistente para a transformação da sociedade por meio do
indivíduo que a constitui.(16)
Havendo essa mudança de postura, as práticas imorais,
contrárias ao interesse público, deixarão de figurar como atos normais,
toleráveis, e passarão a ser rejeitadas, reprovadas, pela coletividade. As
urnas deixarão de retratar a condescendência criminosa de um povo para
retratarem a fiel vontade coletiva de construir uma sociedade orientada pela
dignidade da pessoa humana, independentemente da origem social, étnica ou
religiosa. E, com isso, os maus políticos serão afastados para darem lugar aos
que, realmente, estão comprometidos com o bem comum.
Por óbvio, essa mudança de postura exigirá das pessoas
consideráveis esforços. Para alguns, próximos aos de Martin Luther King. Para a
maioria, a substituição do tempo dedicado às novelas, aos realitys shows, aos programas
de auditório pelo maior contato com telejornais, documentários, jornais,
livros, ou seja, com tudo aquilo que é necessário à compreensão da realidade
política e social pátria. Afim, a superação da indiferença e a consecução do
senso de cidadania.
5. O papel do espírita na sociedade brasileira No Livro dos Espíritos encontra-se o seguinte:
642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição
futura, bastará que o homem não pratique o mal?
“Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças,
porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o
bem.” (17)
Ora que bem.
Se a indiferença com a corrupção e, por via de
consequência, com as suas nefastas consequências constitui motivo de reprovação
para os não espíritas, com mais razão constituirá para os espiritistas porquanto
conhecedores da necessidade de empreender todo esforço possível para evitar ou
minorar o sofrimento humano.
De fato, uma vez conhecedor das leis cármicas, das
propriedades dos fluidos, do seu papel na construção de um mundo melhor, cabe
ao espírita, inicialmente, afastar de sua mente qualquer pensamento tolerante com
a corrupção, com as chagas morais que corroem a política pátria, para não
contribuir com a formação de uma psicosfera contrária às leis do eterno Pai
Celestial.
Feito isso, há necessidade do espírita instruir-se, não
só com obras espíritas, mas também com outras que possibilitem conhecimento da
realidade e, assim, elementos para nela atuar de acordo com os valores do
cristianismo redivivo. Sem conhecimento da realidade concreta, do mundo dos
homens, poderá o espírita possuir excelentes intenções, porém, não possuirá
todas as ferramentas necessárias à construção do bem comum.
Não se almeja com isso justificar a transformação da
tribuna espírita em palanque político nem o espírita em agente político. Como
já decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Engel V. Vitale (1962), “a
união entre governo e religião tende a destruir o governo e a degradar a
religião” (18.)
Basta um breve olhar sobre a História para se
identificar a precisão dessa sentença.
No entanto, como cidadão consciente do seu papel na
sociedade, o espírita precisa empreender todos os esforços necessários à
construção de uma sociedade efetivamente civilizada, guiada pelos sentimentos genuinamente
saudáveis, pautada na consagração da dignidade da criatura humana, seja por
meio de emissão de pensamentos contrários à corrupção, seja por meio do voto
criterioso, seja por meio de protestos pacíficos contra desvios nas ações
governamentais.
De qualquer forma, um espírita fiel aos postulados
cristãos jamais compactua com o mal, nem mesmo em pensamento.
É claro que não será um trabalho fácil. A simples
mudança de postura no sentido de buscar o esclarecimento necessário ao
exercício da cidadania poderá, não raro, revelar um grande esforço. E isso se
dará porque a saída da inércia sempre exige o emprego de uma força muito maior
do que é necessária à manutenção do movimento.
A incompreensão, a intolerância, as perseguições, a
solidão nos momentos decisivos são as etapas subsequentes de quem se envereda
pelo caminho do bem. É o que se identifica quando se estuda criteriosamente a
vida daqueles que contribuíram decisivamente para o avanço da Humanidade, a começar
pelo mestre Jesus.
Todavia, vencidas essas etapas, erguidos serão os
alicerces imprescindíveis à evolução coletiva, conquanto a conclusão da obra
exija tempo, longo na concepção humana, mas breve perante a Divindade.
Ademais, se, em termos coletivos, configurarão sementes
a germinar, em termos individuais, todos esses esforços em prol do bem comum
configurarão largos passos dados em favor da própria evolução porquanto,
conforme ensinamento de Joanna de Ângelis:
Atitude decisiva de trabalhar em favor do próprio e do
progresso geral, quando é adquirida a responsabilidade que promove o ser
interiormente, é conquista significativa. (19)
6. Referências:
1Miséria. Titãs. Composição: Paulo Miklos / Sergio
Britto / Arnaldo Antunes.
2b Caminho, verdade e vida. Emmanuel; [psicografado por]
Francisco Cândido Xavier, p. 106. Disponível em
http://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/caminhoverdadeevida.pdf
2Justiça e amor/ pelo espírito Camilo; [psicografado
por] J. Raul Teixeira. – 2º Ed. Niterói, RJ: Fráter, 1997, p. 50.
3, 4, 5, 6, 17 L. E.
7, 13 http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dream.htm.
8 Vigilância. Joanna de Ângelis; [psicografado por]
Divaldo Pereira Franco. 2ª ed. Salvador, BA: Espírita Alvorada, 2000, p. 27.
9 As dores da alma/pelo espírito Hammed; [psicografado
por] Francisco do Espírito Santo Neto. – Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 1998,
p. 126.
10 Joanna de Angelis responde/[psicografado por] Divaldo
Pereira Franco; organizado por José Maria de Medeiros Souza – Salvador, BA:
Livr. Espírita Alvorada Editora, 1999, p. 50.
11 As dores da alma/pelo espírito Hammed; [psicografado
por] Francisco do Espírito Santo Neto. – Catanduva, SP: Boa Nova Editora, 1998,
p. 47.
12 Elucidações psicológicas à luz do Espiritismo/pelo
Espírito Joanna de Ângelis; [psicografado por] Divaldo Pereira Franco;
organização de Geraldo Campetti Sobrinho, Paulo Ricardo A. Pedrosa. – Salvador,
BA: Livr. Espírita Alvorada, 2002, p. 288.
14 Atualidade do Pensamento Espírita/pelo Espírito
Vianna; [psicografia de] Divaldo Pereira Franco. – Salvador, BA: Livr. Espírita
Alvorada, 1999, p. 41.
15 Elucidações psicológicas à luz do Espiritismo/pelo
Espírito Joanna de Ângelis; [psicografado por] Divaldo Pereira Franco;
organização de Geraldo Campetti Sobrinho, Paulo Ricardo A. Pedrosa. – Salvador,
BA: Livr. Espírita Alvorada, 2002, p. 289.
16 Diretrizes para o êxito. Joanna de Ângelis;
[psicografado por] Divaldo Pereira Franco. Salvador, BA: Espírita Alvorada,
2004, p. 38.
18 NETO, Manoel Jorge e Silva. A SUPREMA CORTE
NORTE-AMERICADA E A LIBERDADE RELIGIOSA. REVISTA ELETRÔNICA DE DIREITO DO
ESTADO (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 17,
janeiro/fevereiro/março, 2009. Disponível na Internet:
http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp
. Acesso em 01 de agosto de 2010.
19 Iluminação Interior. Joanna de Ângelis;
[psicografado por] Divaldo Pereira Franco. Salvador, BA:Espírita Alvorada,
2006, p. 68.
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