Rogério Coelho
"Se algum dia, eu disser algo diferente
do que disse Jesus e Kardec, fique com Eles e abandone-me." - Emmanuel
Lúcidas e coerentes, como sempre, estas palavras de
Emmanuel foram dirigidas ao médium Francisco C. Xavier, quando aquele pretendia
utilizar-se dos recursos mediúnicos deste para o trabalho de divulgação da
Doutrina dos Espíritos.
O caminho seguido pelas informações dos Espíritos
passou primeiro por dois poderosos filtros chamados Jesus e Kardec, sendo
enfeixados em síntese em "O Livro dos Espíritos" e ampliados depois
nos livros: "A Gênese", "O Livro dos Médiuns", "O
Evangelho Segundo o Espiritismo" e "O Céu e o Inferno", que constituem
o Pentateuco, indivisível bloco monolítico.
Assim, todo livro subsidiário não poderá deslocar-se
da órbita desses livros que são a base do Espiritismo. Destarte, quem deseja
escrever ou falar sobre Espiritismo, tem necessariamente que se balizar pelos
parâmetros básicos, sob pena de caracterizar conteúdos apócrifos pela não
observância de tais critérios.
Espíritas amai-vos; Espíritas instruí-vos; é a sempre
oportuna conclamação do Espírito de
Verdade. Instruamo-nos, portanto, principalmente nas fontes básicas, o que nos
ensejará maiores condições de avaliar e separar o joio do trigo.
No livro "A Gênese", Capítulo I, item 52,
Kardec faz notar que "em parte alguma, o ensino Espírita foi dado
integralmente. Ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos
tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas, que impossível
era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias. Tendo o
ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho,
disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas fábricas, a
confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários.
A revelação fez-se, assim, parcialmente em diversos
lugares e por uma multidão de intermediários e é dessa maneira que prossegue
ainda, pois nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o
complemento do que obtém, e foi o
conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram o
Espiritismo.
Era, pois, necessário grupar os fatos espalhados, para
se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções
dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as
comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as
comunicações de Espíritos de todas as partes, de todas as ordens, mais ou menos
esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permita
conceder-lhes, distinguir as idéias sistemáticas individuais ou isoladas das
que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das idéias práticas,
afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e
da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos
Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento de estado do
mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo.
Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração,
independente de qualquer idéia preconcebida, de todo prejuízo de seita,
resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora contrária às opiniões
pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força das coisas e sem
desígnio premeditado."
O Espiritismo estará preservado dos cismas?
"Não, certamente," - responde Kardec no
livro "Obras Póstumas" no capítulo referente à constituição do
Espiritismo - "porque terá, sobretudo no começo, de lutar contra as idéias
pessoais, sempre absolutas, tenazes, refratárias a se amalgamarem com as idéias
dos demais; e contra a ambição dos que, a despeito de tudo, se empenham por
ligar seus nomes a uma inovação qualquer; - dos que criam novidades só para
poderem dizer que não pensam e agem como os outros, pois lhes sofre o amor-próprio
por ocuparem uma posição secundária.
Se, porém, o Espiritismo não puder escapar às
fraquezas humanas com as quais se tem de contar sempre, pode, todavia,
neutralizar-lhes as conseqüências e isso é essencial. Conseqüentemente, seitas
poderão formar se ao lado da Doutrina, seitas que não lhe adotem os princípios
ou todos os princípios, porém, não dentro da Doutrina, por efeito da
interpretação dos textos, como tantas se formaram sobre o sentido das próprias
palavras do Evangelho. É esse um primeiro ponto de capital importância.
O segundo ponto está em não se sair do âmbito das
idéias práticas. Se é certo que a utopia da véspera se torna - muitas vezes - a
verdade do dia seguinte, deixemos que o dia seguinte realize a utopia da
véspera, porém, não atravanquemos a Doutrina de princípios que possam ser
considerados quiméricos e fazer que a repilam os homens positivos.
O terceiro ponto, enfim, é inerente ao caráter
essencialmente progressivo da Doutrina. Pelo fato de ela não se embalar com sonhos
irrealizáveis, não se segue que se imobilize no presente. Apoiada tão-só nas
Leis da Natureza, não pode variar mais do que estas leis; mas, se uma nova lei
for descoberta, tem ela de se por de acordo com essa lei. Não lhe cabe fechar a
porta a nenhum progresso, sob pena de se suicidar. Assimilando todas as idéias reconhecidamente
justas, de qualquer ordem que sejam, físicas ou metafísicas, ela jamais será
ultrapassada, constituindo isso uma das principais garantias da sua
perpetuidade.
Acrescentamos que a tolerância, fruto da caridade, que
constitui a base da Doutrina Espírita, lhe impõe como um dever respeitar todas
as crenças.
Querendo ser aceita livremente, por convicção e não
por constrangimento, proclamando a liberdade de consciência um direito natural
imprescritível, diz:
Se tenho razão, todos acabarão por pensar como eu; se
estou em erro, acabarei por pensar como os outros.
Em virtude destes princípios, não atirando pedras a
ninguém, ela nenhum pretexto dará para represálias e deixará aos dissidentes
toda a responsabilidade de suas palavras e seus atos."
É ainda Kardec, neste mesmo capítulo que nos alerta:
"(...) Não faltarão intrigantes,
pseudo-espíritas, que queiram elevar-se por orgulho, ambição ou cupidez; outros
que estadeiem pretensas revelações com o auxílio das quais procurem
salientar-se e fascinar as imaginações por demais crédulas. É também de prever
que, sob falsas aparências, indivíduos haja que tentem apoderar-se do leme, com
a idéia preconcebida de fazerem soçobrar o navio, desviando-o de sua rota. O
navio não soçobrará, mas poderia sofrer prejuízos como atrasos que se devem
evitar."
Acreditamos nada ter a acrescentar às palavras de
Kardec, por demais claras e judiciosas. Por elas concluímos que verdadeiro
Espírita será também aquele que guardar fidelidade à Codificação Kardequiana.
(artigo originalmente publicado no Boletim GEAE no. 300 - Julho de 1998)
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