A
Candeia e o Alqueire
Sérgio
Biagi Gregório
SUMÁRIO:
1. Introdução. 2. Endereço Bíblico. 3. O Significado dos Termos.
4. Contexto Histórico dos Evangelhos: 4.1. O Evangelho de Jesus; 4.2. O
Judaísmo e o Império Romano; 5. O Problema do Conhecimento: 5.1. Conceito de
Conhecimento; 5.2. Tipos de Conhecimento; 5.3. A Linguagem Simbólica. 6. A
Pedagogia de Jesus; 6.1. Educação; 6.2. As Parábolas; 6.3. O Mistério do Reino
dos Céus. 7. A Candeia, o Alqueire e o Espiritismo. 6. Conclusão. 7. Bibliografia
Consultada.
1.
INTRODUÇÃO
Os termos
candeia e alqueire representam a simbologia da transmissão do conhecimento.
Nosso propósito, neste texto, é mostrar que a transmissão conhecimento deve ser
proporcional à compreensão do ouvinte. Para isso, debruçaremos o nosso
pensamento sobre o conhecimento e a pedagogia utilizada por Jesus.
2.
ENDEREÇO BÍBLICO
1. “Não
se acende uma candeia para colocá-la sob o alqueire; mas se a coloca sobre um candeeiro,
a fim de que ela clareie todos aqueles que estão na casa”. (São Mateus, cap. V.,
v. 15)
2. “Não
há ninguém que, depois de ter acendido uma candeia, a cubra com um vaso ou a coloque
sob uma cama; mas a põe sobre o candeeiro a fim de que aqueles que entrem veja
a luz; porque não há nada de secreto que não deva ser descoberto, nem nada de oculto
que não deva ser conhecido e manifestar-se publicamente”. (São Lucas, cap. VIII,
v. 16 e 17)
3. “Seus
discípulos, se aproximando, disseram-lhe: por que lhes falais por parábolas? E,
lhes respondendo, disse: porque, para vós outros, vos foi dado conhecer os
mistérios do reino dos céus; mas, para eles, não foi dado. Eu lhes falo por
parábolas, porque vendo não vêem, e escutando não ouvem nem compreendem. E a
profecia de Isaías se cumprirá neles quando disse: vós escutareis com vossos
ouvidos e não ouvireis; olhareis com vossos olhos e não vereis. Porque o
coração deste povo está entorpecido e seus ouvidos tornaram-se surdos, e eles
fecharam seus olhos de medo que seus olhos não vejam, que seus ouvidos não
ouçam, que seu coração não compreenda, e que, estando convertidos, eu não os
curasse”. (São Mateus, cap. XIII, v. de 10 a 15) (Kardec, 1984, p.283)
3. O
SIGNIFICADO DOS TERMOS
Candeia
- do lat. candela, "vela de sebo ou de cera" -
significa pequeno aparelho de iluminação, que se suspende por um prego, com
recipiente de folha-de-flandres, barro ou outro material, abastecido com óleo,
no qual se embebe uma torcida, e de emprego em casas pobres.
Alqueire
- do ár. al-kail -, antiga medida de capacidade para secos
e líquidos, variável de terra para
terra. Na Europa correspondia, pouco mais ou menos a 13 litros; na China, entre
10 e 31 litros. No Brasil, medida agrária que varia de acordo com a região:
48.400m2 (Rj, Go e Mg) e 24.400m2 (SP)
O uso
simbólico do alqueire deve-se essencialmente a seu emprego pelas sociedades
secretas: a idéia básica é tirar o que está oculto debaixo, mais
propriamente, o que está no interior. Para isso, colocavam arroz
vermelho, alimento da imortalidade, dentro do alqueire. E, se o alqueire contém
esse alimento, é por causa da potência da luz, ou do conhecimento. Refere-se,
também, à mitologia, em que o deus irlandês, Diancecht mata o seu filho Miach
(alqueire). A filha de Diancecht, chamada Airmed, classificou as trezentas
e sessenta e cinco plantas que cresceram sobre o túmulo de seu irmão, Miach. Diancecht,
entretanto, colocou-os novamente em desordem, a fim de que ninguém pudesse
utilizá-las. Miach (alqueire) simboliza a medida de equilíbrio cósmico,
e Diancecht mata o próprio filho porque o conhecimento das plantas não deve ser
divulgado. Ele põe esse conhecimento “debaixo do alqueire”. (Chevalier, 1992)
4.
CONTEXTO HISTÓRICO DOS EVANGELHOS
4.1.
O EVANGELHO DE JESUS
A
palavra evangelho, do grego euangélion, quer dizer “boa-notícia”.
O sentido mais antigo está relacionado com a gorjeta que se dava aos que
traziam “boas-notícias”.
Nas
cidades gregas, falava-se do Evangelho quando ecoava a notícia de uma vitória militar
ou do nascimento do filho de um rei, de um imperador. Unia-se aos cânticos e às
cerimônias festivas, dando uma conotação de alegria.
No
Velho Testamento, Deus comunica os seus anúncios de alegria aos patriarcas, a Moisés,
aos chefes e aos profetas de seu povo.
No
Novo Testamento, Deus dá o maior dos “anúncios”, o anúncio de Jesus. O Evangelho
torna-se então “o alegre anúncio” da vinda do Cristo salvador e a proclamação
da sua missão. (Battaglia, 1984, p.19 a 21)
4.2.
O JUDAÍSMO E O IMPÉRIO ROMANO
O
judaísmo compreende as leis, costumes, práticas religiosas peculiares aos
judeus a partir do cativeiro da Babilônia.
O
povo judeu, ao qual Jesus e os apóstolos pertenciam fazia parte do grande
império romano que estendia as asas das suas águias do Atlântico ao Índico. O
jugo romano, porém, pesava de modo especial sobre a Palestina ao contrário dos
outros povos.
“O
ambiente histórico, em que o Evangelho nasceu, é o do judaísmo, formado e alimentado
pelos livros sacros do Antigo Testamento, condicionado pelos acontecimentos
históricos, pelas instituições nas quais se encontrou inserido e pelas correntes
religiosas que o especificaram.
Embora
o Cristianismo seja uma religião revelada, diferente da judaica, apareceu historicamente
como continuação e aperfeiçoamento da revelação dada por Deus ao povo de
Israel. Jesus era um judeu, que nasceu e viveu na Palestina. Os apóstolos eram todos
da sua gente e da sua religião. Os primeiros ouvintes do Evangelho e os
primeiros convertidos eram adoradores do Deus de Israel e seguidores da
legislação mosaica”. (Battaglia, 1984, p. 118)
5. O
PROBLEMA DO CONHECIMENTO
5.1.
CONCEITO DE CONHECIMENTO
“No
conhecimento encontram-se frente a frente a consciência e o objeto, o sujeito
e o objeto. O conhecimento apresenta-se como uma relação entre esses
dois elementos, que nela permanecem eternamente separados um do outro. O
dualismo sujeito e objeto pertence à
essência do conhecimento”. (Hessen, 1968, p. 26)
Desta
forma:
-
conhecer é reproduzir em nosso pensamento a realidade
-
damos o nome de conhecimento à posse deste pensamento que concorda com a
realidade.
- à
concordância do pensamento com a realidade, chamamos verdade.
5.2.
TIPOS DE CONHECIMENTO
a) Conhecimento
“folk”, que é o processo pelo qual adquirimos conhecimento ao longo da vida
quotidiana e através dos relacionamentos comuns na família, entre amigos, no
grupo de iguais etc. Seu defeito maior é a dificuldade de ser acumulado, pois
existe
apenas nas cabeças dos viventes. Pode desfazer-se com uma simples epidemia.
b) Conhecimento
literário, processo de conhecimento envolvendo o uso da escrita ou outras
formas de registro de informações. Começou a partir mais ou menos do ano 3.000
a. C. e dura até os dias atuais. Isso veio tornar o problema da transmissão do estoque
de conhecimentos de uma geração para a outra muito mais fácil e permitir maior
especialização, visto que o estoque de conhecimentos não ficava confinado ao que
uma cabeça individual pode guardar.
c) O
conhecimento científico pode ser apontado como o terceiro processo de
produzir conhecimento, e tem sido o característico dos últimos 300 anos.
damo-lhe o nome de ciência. O progresso do conhecimento produzido por esse
movimento praticamente dobrou a duração da vida humana, lançou o homem no
espaço, explorou toda a superfície da Terra, liberou enorme fontes de energia,
criou materiais inteiramente novos e provocou enorme acréscimo de produtividade
e de riqueza. (Boulding, 1974, p. 12 a 15)
d) Conhecimento
filosófico, como processo de autoconhecimento do homem. A maiêutica
socrática encontra-se atualíssima na era moderna.
e) Conhecimento
religioso, como processo de relacionamento entre criatura e criador, consubstanciando
na Revelação, na intuição e outras formas.
5.3.
A LINGUAGEM SIMBÓLICA
No
símbolo, a pessoa se expressa. No símbolo a pessoa é conhecida. No símbolo encontra-se
com outra no plano da comunicação e da confidência que une dois seres pessoais.
Foi por isso, que, com razão, já se definiu o homem como um ser simbólico.
Toda
a cultura é uma produção de símbolos dos quais os homens se expressam, se comunicam
e se trocam a riqueza interior. (Idígoras, 1983)
A
palavra símbolo presta-se a muitas significações. Confundimo-la com a metáfora,
a alegoria, a parábola, o apólogo etc. Há, até um matéria filosófica,
denominada simbólica, que estuda a gênese, o desenvolvimento, a vida, a
morte e a ressurreição do símbolo.
Em
se tratando dos ensinamentos de Jesus, precisamos extrair a essência daquilo
que ele deixou velado, ou seja, a simbologia de sua linguagem.
6. A
PEDAGOGIA DE JESUS
6.1.
EDUCAÇÃO
A
educação é um processo lento. O amadurecimento do ser requer consideração, reflexão
e ponderação constantes.
Por
sua própria natureza, a educação é um diálogo. Através desse diálogo, as
gerações mais experimentadas transmitem às mais jovens a riqueza de seus
conhecimentos e vivências.
Cristo
é o grande educador da humanidade. Para educar o povo, recorreu à pedagogia da época:
parábolas, hipérboles gráficas e alegorias.
6.2.
AS PARÁBOLAS
Parábola
é um relato que possui sentido próprio, destinado , porém, a
sugerir, além desse sentido imediato, uma lição moral.
No
fundo do parabole grego há a idéia de comparação, enigma, curiosidade.
As
parábolas evangélicas contadas por Jesus são imagens tomadas das realidades terrestres
para serem sinais das realidades reveladas por Deus. Elas precisam de uma explicação
mais profunda.
O
conhecimento exotérico e o conhecimento esotérico estão implícitos nas
parábolas. O conhecimento exotérico refere-se à exposição que Jesus
fazia publicamente, enquanto o conhecimento esotérico, refere-se às
explicações que Jesus dava aos apóstolos, em particular.
6.3.
O MISTÉRIO DO REINO DOS CÉUS
Mistério
- do grego mysterion evoca a idéia de coisa secreta. É um
dogma religioso cuja compreensão está acima da razão humana. Pode ser, também,
o ensinamento dado à parte aos iniciados em uma doutrina ou religião. Temos,
assim, o mistério eleusíaco, o mistério órfico, o mistério da encarnação, o
mistério da Santíssima Trindade etc.
Reino
dos Céus - é uma realidade misteriosa que só Jesus pode dar a conhecer.
Jesus revela o reino dos céus às crianças, aos humildes e aos pobres de
espírito. Nega-o, porém, aos prudentes. (Leon-Dufour, 1972)
7. A
CANDEIA, O ALQUEIRE E O ESPIRITISMO
Allan
Kardec, o codificador do Espiritismo, com o auxílio dos Espíritos superiores, fornece-nos
subsídios valiosos para a interpretação desta e de outras passagens evangélicas.
Analisemos,
pois:
a) reino
dos céus - não é um lugar circunscrito, nem governo ou Estado; é o governo
do cada um pela obediência às leis naturais, inscritas por Deus em nossa
consciência.
b) o
falar por parábolas - Jesus falava, exotericamente, de modo obscuro,
somente com relação aos aspectos mais abstratos de sua doutrina; quanto à
caridade, falava claramente. Com os apóstolos, mais aptos a compreender o
alcance de sua doutrina, falava mais abertamente. E, mesmo com estes, não disse
tudo.
c) o
mistério - é um instrumento valioso para as religiões, pois seus
propagadores não podem fornecer uma luz mais intensa do que aquela que os seus
adeptos possam absorver. Observe que a Ciência, descobrindo novas leis da
natureza, já elucidou mistérios. Por isso, a necessidade da constante
atualização dos conhecimentos.
“O
Espiritismo vem hoje lançar luz sobre uma multidão de pontos obscuros;
entretanto, não a lança inconsideravelmente. Os Espíritos procedem nas suas
instruções com uma admirável prudência; não foi senão sucessivamente e
gradualmente que abordaram as diversas partes conhecidas da doutrina e é assim
que as outras partes serão reveladas à medida que o momento tenha chegado para
fazê-la sair da sombra”. (Kardec, 1984, p. 285)
6 -
CONCLUSÃO
Todos
podemos ser os arautos do Senhor. O Espiritismo nada inventou, apenas facilitou
a nossa compreensão das verdades eternas. Cabe-nos, portanto, não só estudar os
princípios fundamentais da doutrina, como também, penetrar no âmago do
psiquismo humano. Tal empreendimento auxiliar-nos-á eficazmente no sentido de
transmitirmos o conhecimento espiritual de acordo com a capacidade de
entendimento daqueles que nos ouvem.
7.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BATTAGLIA,
0. Introdução aos Evangelhos — Um Estudo Histórico-crítico. Rio de
Janeiro, Vozes, 1984.
BOULDING,
K. E. O Impacto das Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Zahar, 1974.
CHEVALIER,
J. e GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, cores, números). 6. ed., Rio de Janeiro, José Olympio,
1992.
HESSEN,
J. Teoria do Conhecimento. 4. ed., Coimbra, Armênio Amado, 1968.
IDÍGORAS,
J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições
Paulinas, 1983.
KARDEC,
A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984.
LEON-DUFOUR,
X. e OUTROS. Vocabulário de Teologia Bíblica. Rio de Janeiro, Vozes,
1972. São Paulo, 18/08/1996
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