Em seguida, fomos à casa de Rogério, aquele a quem havíamos auxiliado
na capela. O pai queria guardar barco, computador, guitarra, enfim, tudo do
filho e a mãe estava louca para desocupar o quarto, a fim de não sofrer mais.
Pedimos licença e adentramos aquela casa onde ninguém orava.
Medrosos, não pisavam em Casa Espírita, tinham pavor. Eles haviam feito a sua
própria religião: ganhar dinheiro e gastá-lo. Agora, na hora da dor,
debatiam-se sem rumo. E aí é que chegaram as "comadres". Uma
aconselhava: acho melhor vocês não chorarem, vai fazer mal a ele. Outra recomendava:
pega tudo o que é dele, dá para os pobres, pois isso vai ajudá-lo. Outra
dizia: acho melhor deixar o quarto como está, para ele dormir quando tiver
vontade.
Os pais, que até aquele momento julgavam que o dinheiro era tudo
na vida, defrontaram-se com ela, a imbatível "morte", e por algumas
horas julgaram-se muito pequenos. Ali ficamos orando por Rogério, pedindo a
Deus que ele se recuperasse logo e buscasse os locais de aprendizado. Nem bem terminamos
de orar, o aspirador de pó já limpava o quarto que ele ocupara e a mãe separava
tudo o que podia ser vendido, querendo afastar a saudade. Julgava destruir as
lembranças, não sabendo que quando se ama verdadeiramente a saudade é lembrança
que o coração gosta de reavivar. O quarto ficou limpo para os pais de Rogério;
nada que lembrasse o filho ficou à vista. Perguntei a Enrico:
— É certo estar ainda o corpo intacto na cova e os familiares já
mexerem nos documentos e pertences daquele que partiu?
— Luiz, acho falta de respeito, ninguém vira santo de um dia para
outro e o espírito, quando deixa o corpo físico, busca, junto a ele, os apegos,
as lembranças, as saudades. Não é justo o que fazem muitas pessoas: julgando
ajudar, iniciam o inventário do "morto"; dão o chinelo para o fulano,
o cobertor que ele tanto gostava para outro; enfim, vão-se desfazendo de tudo o
que era dele. Alguém já parou para pensar o que se passa na cabeça e no coração
do recém-desencarnado? Não basta a separação do corpo físico e ainda a família
o deserda?
— Então deve a família guardar tudo o que foi do desencarnado?
— Não, Luiz, não é guardar, mas conservá-los por uns seis meses,
para depois começar a distribuí-los. Devemos lembrar que poucos desencarnados,
ao deixarem o corpo físico, sentem-se felizes e libertos. A grande maioria
desencarna mal e leva para o mundo espiritual as lembranças e as saudades das suas
coisas. Por que não dar um tempo para distribuir os seus pertences? Com esse
gesto repentino de caridade, a família não salvará aquele que partiu, ao
contrário, irá fazê-lo sofrer.
Vemos viúvas desesperadas no cemitério, mas na mesma noite do
enterro reviram os pertences do marido em busca de documentos com receio de não
receberem a pensão. Abrem gavetas, mexem em pastas, sem qualquer respeito, só
em busca do seguro, da poupança, enfim, mais preocupadas em não ficar na
miséria.
— Mas em nosso país, se a família não abrir os olhos, a viúva fica
até sem receber a pensão do marido!...
—Não creio que no Brasil a família não possa esperar alguns dias
para buscar os seus direitos. Tem de ser logo após o enterro? Acho que não.
Isso, Luiz, é muito triste. O desencarnado, doente no mundo espiritual,
necessitado de conforto, tamanha a saudade no seu coração, continua com seu perispírito
muito ligado àqueles que conviveram com ele durante anos. O que não é justo é o
desrespeito àquele que mudou de plano. Portanto, não é certo o que muitos vêm fazendo.
— Irmão, - mas em muitas Casas Espíritas existem orientadores que
mandam a família doar tudo, para a melhoria espiritual do Desencarnado.
— Seria muito fácil se a família encarnada, quando tivesse um
filho no erro, fosse aconselhada a doar tudo dele para receber a graça de vê-lo
regenerado. Não, Luiz, não é assim.
Para ajudar alguém que partiu, temos de buscar os abandonados da
sociedade — os chamados pobres — e começar a nos preocupar com eles. É uma
transformação lenta. Não é a doação de objetos que foram deixados que vai tomar
caridosa a alma de quem fica. Os que assim pensam já demonstram falta de amor
ao próximo. Muitas vezes esse doar prematuro traduz o desejo da família em
mudar a decoração.
Já vimos viúvas se desfazendo de tudo, desde as gravatas até as
coleções do marido, consideradas como rivais. Esta irmã o estava ajudando?
Claro que não. Estava, sim, levando-o ao desespero.
— Complicado, irmão. Muito complicado.
—Não, Luiz, complicada é a alma humana, porque tem apego às coisas
da matéria.
Fez uma pausa e depois acrescentou:
— Vamos à casa de Anita e Laerte, eles se encontram desesperados.
Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado
2a Edição • 1997
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