Sônia Theodoro da Silva
O
grande pensador da antiguidade, Pitágoras, afirmava que a Terra era a morada da
opinião.
Poderíamos
asseverar que, se em sua época havia esse reconhecimento, hoje não estamos
distante dessa definição. Aproximando-nos dela cada vez mais, distanciamo-nos
do processo mais importante e sugestivo que já surgiu entre nós, também trazido
por um sábio, que pautava o desenvolvimento do conhecimento a partir do próprio
homem. Esse sábio, Sócrates, humilde pela concepção de Jesus pois os
verdadeiros humildes não têm necessidade
de agir como “fortes” já que reconhecem
em si mesmos uma parcela de divindade
através do exercício das virtudes
latentes, ensinava, ou melhor, guiava os
seus seguidores e
ouvintes através dos caminhos ásperos da opinião, até o reconhecimento de
que os
seres humanos muito sabiam dos outros, porém, pouco ou nada
sabiam de si mesmos.
O conceito e a ironia socratianos, aplicados
no desenvolvimento do verdadeiro e mais profundo de todos os conhecimentos, o saber
de si, conduzia o pensamento e o raciocínio, de forma natural, a um outro
momento: conheça-se depois seja sincero
com o que descobriu. A humanidade atual parece estar atravessando por esse
processo; e é aí que surgem os desvios de rota. O ser humano habituou-se a reduzir
a compreensão das coisas às percepções da própria mente, pois é difícil romper
com as estruturas de referência e permitir que o Espírito efetue saltos
qualitativos para outras dimensões de conhecimento, transcendendo aos limites
impostos por vidas de pensamento estruturado.
Foi isso o que o prof. Rivail, futuro Allan
Kardec, realizou. Ao ser informado dos fenômenos que ocorriam em todo o mundo,
em particular na França, em Paris, mas conhecedor das leis do magnetismo e da
inconsequente utilização de seus mecanismos nas mãos de ilusionistas para espetáculos
de lazer, transcende a si próprio e às estruturas de saber lineares de sua
época, dá um salto de qualidade e vai ao encontro da maior proposta que um ser
humano poderia receber: a realização efetiva da própria missão, certamente
aceita na vida espiritual, porém passível de alterações oriundas de seu próprio
arbítrio, de trazer à consciência humana, de forma despojada de atavismos
religiosos, a sua verdadeira e real natureza, a espiritual, com todos os seus
desdobramentos.
Isso
implicaria em assumir um trabalho de peso, em que o discernimento, a impessoalidade
e a renúncia estariam presentes a todo instante, exigindo de si doação plena,
trabalho intenso, firmeza e coragem constantes.
A humildade do grande sábio, aquela que lhe
revela que o conhecimento real é vastíssimo e que nunca abarca uma só
existência, manifesta-se em Rivail e ele então conclui a fase do trabalho
imenso que lhe competia, legando, aos que chamou de “espíritas” (palavra nova
no vocabulário de então), uma herança grandiosa, verdadeira e que nunca poderia
estar sujeita às opiniões transitórias, muito embora estivessem embasadas em
níveis de intelectualidade possivelmente invejáveis, porém sempre circunscritas
e condicionadas à evolução temporal de quem as elabora, e, portanto,
restritivas, limitantes e limitadoras. Assim, o caminho já estava traçado. Liberto
das arestas reducionistas, o processo socrático precursor consolida, assim, a rota
firme e segura pela qual o ser humano poderia transitar sem receios.
O autoconhecimento, através da bússola
espírita, revelaria ao ser humano que ele evolui em espiral ascendente,
perpetuamente, e que, portanto, se bem compreendido, poderia livrá-lo do medo.
Livre do medo, acabaria com o ódio. Livre do ódio, estaria livre da ganância,
da inveja, da guerra, do ímpeto de matar, de destruir. Ele, o medo, necessário
à conservação da vida, quando patológico medo do fracasso, da dor, da morte, da
humilhação, da solidão, do desamor, de si mesmo, e, em última análise, medo do
medo é insidioso, manipulado e manipulador, instrumento de forças negativas e
destrutivas que se impõe ao que se acovarda diante do convite que o autoconhecimento
lhe propõe.
Mensagem clara e enobrecedora, o
Espiritismo postula a maiêutica socrática como método de autoconhecimento
seguro ao alcance daquele que não teme conhecer-se para renovar-se, sair da
caverna escura de seus erros de percepção de uma suposta realidade, a das
aparências, para alcançar degraus mais altos, reabilitando-se junto às leis
divinas conscienciais, sendo uno com o Pai tal como na promessa de Jesus.
Joanna de Ângelis, em seu livro O Homem
Integral (um dos livros da série psicológica, psicografado pelo querido irmão,
o Professor Divaldo P. Franco) afirma que "o homem é um mamífero
biossocial, construído para experiências e iniciativas constantes, renovadoras". Portanto, pode-se afirmar que os indivíduos
estão vivos para poderem interagir uns com os outros de forma positiva, isto é,
de acordo com os ensinamentos de Jesus.
Apesar disso, o homem, indivíduo social que é, geralmente toma decisões
as quais não estão baseadas na moral Divina (L.
E., moral absoluta e imutável, a qual, muitas vezes, a moral dos homens na
Terra não consegue vislumbrar). Em outras palavras, o homem, ao invés de agir
em concordância com a Lei de Amor, passa, consciente, ou inconscientemente, a
ser mais vulnerável, no qual as influências dos fatores externos (impostos pela sociedade) dominam o seu comportamento.
E,
dessa forma, as experiências, que deveriam ser renovadoras, passam a gerar
transtornos em todos os níveis de sua vida: pessoal, familiar e profissional.
Concluindo, somente quando o indivíduo passar
a buscar ser o Homem no Mundo e deixar de ser o homem do mundo (vide item 10 do
Capítulo XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo), ter-se-á uma sociedade melhor,
porque cada indivíduo será melhor. E independentemente
dos valores da sociedade na qual se vive, vale lembrar: "todas as coisas
me são lícitas, mas nem todas me convém" (I Coríntios 6:12).
Sônia
Theodoro da Silva é tradutora e graduanda em Filosofia, residente em São Paulo,
Brasil, colabora na FEESP, Casas André Luiz
e escreve para revistas e jornais
espíritas.
Jornal de Estudos Psicológicos
Ano II N° 5 Julho e
Agosto 2009
The Spiritist Psychological Society