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sábado, 6 de dezembro de 2014

Capítulo XII - O PESO DO ORGULHO E DO DESPOTISMO

Como sempre, o bate-boca era normal. Até risos eram ouvidos ao lado do corpo. Em uma sala estavam os comes e bebes, nem parecia enterro e sim uma festa. Os filhos de Laurindo choravam muito, assim como sua esposa; entretanto, os ditos amigos contavam casos, riam e de quando em vez iam abastecer-se de comidas e refrigerantes.
No plano espiritual, pelo menos uns dois metros e oitenta centímetros separavam o perispírito de Laurindo do seu corpo físico. Era como se ele estivesse em um mezanino, só que deitado em uma cama sendo tratado, enquanto o corpo, coberto de flores, era velado pela família e pelos amigos. Mesmo já separado do físico, Laurindo ainda dependia dele, pois estava ocorrendo o desligamento. Fixando bem o olhar, fui vendo que os fios que ligam o corpo perispiritual ao físico são uma expansão do perispírito. Quando ocorre o desligamento, estes fios voltam um a um para o seu real dono: o corpo perispiritual.
Estando o espírito em desequilíbrio, há uma dificuldade imensa em ocorrer esse retorno e o espírito sofre até que se complete o desligamento, isto é, até que ocorra a volta de todos os elementos que pertencem ao perispírito Laurindo, que aparentava tranqüilidade, sofria como se estivesse sem ar, pois os fios me pareceram embaraçados. Nisso, entram os meus amigos e começamos a orar, tentando ajudá-lo.
— Esse come-come não está perturbando a família, Enrico?
— A família não, pois ela está também participando da festa a Laurindo sim, porque ele está-se sentindo asfixiado, custando-lhe alçar vôo. Hoje em dia até jantares são encomendados pela família como gentileza aos amigos, para que ninguém sinta fome durante o velório.
— Você acha certo, Enrico?
—Quem sou eu para dizer não; o nosso trabalho não é criticar e sim esclarecer. Quem come ou serve algo na capela é dono de sua consciência. O que está me preocupando é que agora a capela está lotada, mas vamos ver daqui a pouco.
E como Enrico tinha razão! Logo que a noite chegou, a família foi ficando sozinha. Interessante isso, poucos têm condição de passar a noite acordados. E apenas a família sofrida vela o corpo, pois os ditos amigos sentem sono.
— Mas é duro passar a noite toda velando um corpo inerte...
— Não, Luiz, não é o corpo que precisa de companhia e sim aqueles que estão sofrendo muito. Infelizmente, poucos têm a coragem e o desprendimento para praticar um ato tão nobre de fraternidade. Até às dez da noite ainda ficam, depois disso, não conseguem. O sono para muitas pessoas é como o ar, se lhes falta, sentem-se mal. E para outros, só o fato de estarem ajudando já lhes é gratificante.
Reparei a viúva, os filhos e mais um senhor. Só eles ali ficaram, na fria e triste capela. Para Laurindo foi ótimo, depois que o silêncio se fez, ele conseguiu livrar-se do corpo físico e quando isso ocorreu, cerrou os olhos e adormeceu. Junto aos encarregados espirituais do cemitério, oramos a noite toda. As velas iam-se gastando, mas as nossas orações eram jatos de luz sobre o corpo e o perispírito de Laurindo. Bom será o dia em que todas as criaturas puderem compreender a grandeza da prece e mantiverem conduta digna em uma capela. Olhei o perispírito de Laurindo e percebi ser ele grosseiro, porém muito menos grosseiro do que o de Roberto, por isso, mesmo desencarnado, estava imantado dos elementos do mundo físico, sendo essa a causa de não conseguir alçar vôo. Perguntei aos meus amigos:
— O que Laurindo fez? Como ele era no corpo físico?
— Avaro, trapaceiro, violento, vivia agredindo os outros com palavras, pois se julgava daqueles que não levam desaforo para casa. Era duro com a família, chegava a ser mesquinho, cobrando tudo dos filhos; a mulher, coitada, não tinha direito a nada.
— Então ele não foi um homem mau, somente cri-cri, não é, Enrico? indaguei.
— Sim. Ele não matou ninguém, nunca roubou, mas levou a tristeza e a preocupação a muitos corações. No trabalho, perseguia os colegas e era delator das faltas alheias. É por causa desse apego às coisas terrenas que ele, agarrado à matéria, está encontrando dificuldade em se ver livre do corpo físico. Apesar de já estar separado do corpo de carne, ainda tem os fios ligados ao físico.
Fiquei olhando os dois corpos e pensei: como é triste o avarento! Ele não dá sequer amor à sua família, julgando que isso o enfraquece junto aos filhos. Aquele senhor, que ora tinha os olhos cheios de lágrimas, agora questionava: por que não me dediquei à família que tanto amo? Por que não tive coragem de lhes dizer o quanto eu os amo? Por que eu julgava tanto que eles só gastavam? De tudo eu reclamava. Sentia-se a pior das criaturas, quando sua esposa começou a recordar as horas em que ele era bondoso, preocupado com os filhos. E aquele corpo físico, velado com amor, como que expulsou as ligações que não mais tinham valor para ele. O respeito daquela viúva era grande para com o marido, mesmo tendo ele sido tão bruto para ela. O corpo inerte de Laurindo fez calar aquela voz tão dura, mas os lábios de uma mulher digna companheira lhe cobriram com o manto do amor e do respeito. Falei para o grupo:
— Tenho horror de homem que se julga o dono da esposa só sabe gritar com ela, procurando desmoralizá-la a cada momento. Acho que aquele que se julga com o direito de viver humilhando alguém é um infeliz, pois não sabe respeitar o seu próximo, as vezes presencio homens tratando a esposa como se ela fosse débil mental. Fico com muita pena, ele se julga amado e respeitado, mas no fundo a mulher só lhe dedica companheirismo e amizade, há muito as suas grosserias mataram o seu amor. As mulheres, na sua totalidade, anseiam por delicadeza e educação.
— Bravo! Está romântico!... — brincou Plácido.
Eu apenas sorri. Quando presencio esses fatos, sinto vontade de me materializar para falar com esses tiranos domésticos que fazem que suas famílias e seus subordinados lhes sofram o peso do orgulho e do despotismo, como a quererem desforrar-se do constrangimento que, fora de casa, se impõem a si mesmos. Não se atrevendo a usar de autoridade para com os estranhos, que o chamariam à ordem, acham que pelo menos devem fazer-se temidos daqueles que lhes não podem resistir. Envaidecem-se de poderem dizer: "Aqui mando e sou obedecido ", sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: "E sou detestado "(O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo IX, item 6).
— Defensor das mulheres, Luiz?
— Não, Plácido, defensor da paz. Esses homens, doentes da alma, que gostam de gritar com os outros, só levam o desespero ao coração do seu próximo. Esbofeteiam filhos e vivem a agredi-los.
Terminada a tarefa, Enrico convidou-nos a visitar outro lugar e dali saímos.




Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

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