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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

PÃES E PEIXES

- Sinto muito, Valdo, mas não há condições para o pagamento do décimo terceiro salário. Temos, no banco, apenas vinte por cento do necessário.
O presidente da Creche Discípulos de Jesus, nobre entidade protestante que atendia cento e vinte crianças, desligou o telefone amargurado. A informação de Justino, o tesoureiro, afligia-o duplamente: uma disposição da lei trabalhista deixaria de ser cumprida ao mesmo tempo em que ficariam frustradas as expectativas das funcionárias, mulheres pobres que contavam com aquele dinheiro para o Natal.
Há muito sedimentara-se em seu espírito penosa dúvida: valeriam os sacrifícios, preocupações e noites insones para manter a creche, sem o devido apoio? Numa cidade tão grande, raros tomavam conhecimento do que se realizava ali. Nem mesmo na comunidade religiosa da qual participava existia interesse maior pelo serviço. Se seus irmãos em crença se dispusessem a “arregaçar as mangas” e “abrir a bolsa”, tudo seria mais fácil. Jesus definira com propriedade a questão ao proclamar que a Seara é grande e os trabalhadores são poucos. A dificuldade presente parecia-lhe a gota d’água a transbordar o cálice de suas sofridas perquirições íntimas, quebrantando-lhe o ânimo, sugerindo desistência.
Como ocorria habitualmente, sempre que problemas o afligiam, Valdo buscou inspiração no Evangelho. Abriu-o ao acaso e leu, em Mateus, capítulo quinze:
“Ao sair dali, Jesus veio costeando o mar da Galiléia e, tendo subido ao monte, lá se sentou. Logo dele se acercou grande multidão, trazendo mudos, cegos, coxos, aleijados e outros muitos que foram colocados a seus pés; e ele a todos curou, de sorte que a multidão se mostrava maravilhada ao ver que os mudos falavam, os coxos andavam, os cegos enxergavam e os aleijados ficavam sãos; e todos glorificavam o Deus de Israel.
Jesus chamou os seus discípulos e lhes disse:
- Tenho compaixão destas criaturas, porque há três dias que estão sempre comigo e nada têm que comer. Não quero despedi-las em jejum para que não desfaleçam no caminho.
Disseram-lhe os discípulos:
Donde receberíamos neste deserto tantos pães para fartar tão grande multidão?
Perguntou-lhes Jesus:
- Quantos pães tendes?
- Sete e alguns peixinhos.
Jesus ordenou então ao povo que se sentasse no chão e, tomando os sete pães e rendendo graças, os partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem pelo povo. Tinham também alguns peixinhos; e ele, abençoando-os, mandou que estes igualmente fossem distribuídos. Todos comeram, ficaram saciados e ainda encheram sete cestos com os pedaços que sobraram. Ora, os que comeram eram em número de quatro mil homens, além de mulheres e crianças. Despedido o povo, Jesus entrou na barca e foi para o território de Magadã.”
Como ocorria, invariavelmente, a leitura do texto evangélico revigorou o ânimo de Valdo que, possuído por inquebrantável resolução, tomou o telefone e discou:
- Alô...
- Justino?
- Oi, Valdo.
- Pode soltar os cheques do décimo terceiro.
- Conseguiu o dinheiro?
- Não, mas com a ajuda de Jesus ele virá!
- Não quero parecer cético. Devo lembrar- lhe, todavia, que não se trata de valor pequeno e teremos apenas vinte e quatro horas para providenciar a cobertura.
- Tenhamos fé, companheiro! Jesus dispunha de apenas sete pães e alguns peixes e alimentou uma multidão de quatro mil pessoas!
- Valdo, sejamos práticos. O tempo dos milagres passou. Dinheiro não se multiplica no banco do dia para a noite!
- Pague! Assumo a responsabilidade!
- Tudo bem, profeta. Seja o que Deus quiser!
No dia seguinte o tesoureiro lhe telefona:
- Recebi um comunicado do banco.
- Quanto devemos depositar?
- Nada.
- Nada?!
- Informaram que houve um depósito ontem, feito por um irmão que se propôs a ofertar um donativo de natal. Deu exatamente para completar as despesas com o décimo terceiro!...
Valdo desligou o telefone de olhos úmidos. Incontida emoção revigorava seu espírito valoroso. Não havia motivos para desânimo. Jesus velava, sempre pronto a socorrer seus seguidores, conforme prometera.
Assim como o Cristo multiplicou pães e peixes para atender a multidão faminta e sofredora, a boa vontade multiplica indefinidamente os recursos com os quais podemos e devemos ajudar nossos irmãos.
Que o digam os dirigentes de organizações assistenciais. Raramente há dinheiro suficiente, mas os recursos chegam invariavelmente, sustentando o serviço, enquanto persistem a boa vontade e a disposição de servir. 


03. SIMONETTI, Richard. Pães e peixes. In.: Endereço certo. 6. ed. Araras:IDE, 1993. cap. 11.

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