Céu inferno_057_2ª. Parte cap. IV - Espíritos Sofredores - Claire II
TEXTO PARA ESTUDO
Sociedade de Paris, 1861
O Espírito que ditou as comunicações
seguintes foi o de uma senhora que o médium conhecera quando viva, e cuja
conduta e caráter não justificam senão muito os tormentos que ela sofre.
Sobretudo, ela era dominada por um sentimento exagerado de egoísmo e de
personalidade, que se reflete na terceira comunicação, por sua pretensão de
querer que o médium não se ocupe senão dela. Essas comunicações foram obtidas
em diversas épocas; as três últimas denotam um progresso sensível nas
disposições do Espírito, graças aos cuidados do médium, que empreendia a sua
educação moral.
I. Eis-me, eu, a infeliz Claire; que queres
tu que eu te ensine? A resignação e a esperança não são palavras para aquele
que sabe que, inumeráveis como os calhaus da praia, seus sofrimentos durarão
durante a sucessão dos séculos intermináveis. Eu posso abrandá-los, dizes? Que
palavra vaga! Onde encontrar a coragem, a esperança para isso? Trate, pois,
cérebro limitado, de compreender o que é um dia que não acaba nunca. Ele é um
dia, um ano, um século? Que sei eu disso? As horas não o dividem nada; as
estações não o variam; eterno e lento como a água que escorre do rochedo, esse
dia execrado, esse dia maldito, pesa sobre mim como uma moldura de chumbo... Eu
sofro!...
Não vejo nada ao meu redor, senão sombras silenciosas e
indiferentes... Eu sofro!
Eu o sei, todavia, acima dessa miséria
reina Deus, o pai, o senhor, aquele para quem tudo se encaminha. Quero pensar
nele, quero implorar-lhe misericórdia.
Eu me debato e me arrasto como um
estropiado que rasteja ao longo do caminho. Não sei que poder me atrai para ti;
talvez sejas a salvação? Eu o deixo um pouco calma, um pouco reanimada; como um
velho tiritante que se reanima a um raio de Sol, minha alma gelada haure uma
nova vida aproximando-se de ti.
II. A minha infelicidade aumenta a cada
dia; aumenta na medida em que o conhecimento da eternidade se desenvolve em
mim. Ó miséria! Quanto vos maldigo, horas culpáveis, horas de egoísmo e
esquecimento, onde, desconhecendo toda a caridade, todo o devotamento, não
pensava senão no meu bem-estar! Sede malditos, arranjos humanos! Vãs
preocupações de interesses materiais! Sede malditos, vós que me enceguecestes e
me perdestes! Estou roída pelo incessante lamento do tempo perdido. Que te
direi, a ti que me escutas? Vela sem cessar sobre ti; ama os outros mais que a
ti mesmo; não te demores nos caminhos do bem-estar; não engordes teu corpo às
expensas de tua alma; vigie, como dizia o Salvador aos seus discípulos. Não me
agradeças por esses conselhos, meu Espírito concebe-os, meu coração nunca os
escutou. Como um cão chicoteado, o medo me faz rastejar, mas não conheço ainda
o desembaraçado amor. Sua divina aurora tarda muito a se levantar! Ora por
minha alma ressequida e tão miserável!
III. Venho te procurar até aqui, uma vez
que me esqueces. Crês, pois, que preces isoladas, o meu nome pronunciado,
bastarão ao apaziguamento de minha pena? Não, cem vezes não. Eu rujo de dor;
erro sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o eterno aguilhão do
castigo se enterrar na minha alma revoltada. Rio quando ouço os vossos
lamentos, quando vos vejo abatidos! Que são as vossas pálidas misérias! Que são
as vossas lágrimas! Que são os vossos tormentos que o sono suspende! É que
durmo, eu? Eu quero, entendes? Eu quero que, deixando as dissertações
filosóficas, te ocupes de mim; que faças que os outros de mim se ocupem. Não
tenho expressões para pintar a angústia desse tempo que foge, sem que as horas
lhe marquem os períodos. Vejo apenas um fraco raio de esperança, e esta
esperança tu ma deste; não me abandones pois.
IV. O Espírito de São Luís – Este quadro
não é senão muito verdadeiro, porque não é, de modo algum, carregado. Perguntar-se-á,
talvez, o que fez essa mulher para ser tão miserável. Cometeu ela algum crime
horrível? Foi roubada, assassinada? Não; nada fez que merecera a justiça dos
homens. Ao contrário, ela zombou do que chamais a felicidade terrestre; beleza,
fortuna, prazeres, adulações, tudo lhe sorria, nada lhe faltava, e dizia-se em
vendo-a: Que mulher feliz! E invejava-se a sua sorte. O que ela fez? Foi
egoísta; tinha tudo, exceto bom coração. Se não violou a lei dos homens, ela
violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das virtudes.
Não amou senão a ela mesma; agora não é amada por ninguém; nada deu, nada se
lhe dá; está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço onde ninguém
pensa nela, ninguém se ocupa dela: é o que faz o seu suplício. Como não
procurou senão os gozos mundanos, e hoje esses gozos não mais existem, o vazio
se fez ao seu redor; ela não vê senão o nada, e o nada parece-lhe a eternidade.
Não sofre mais as torturas físicas, os diabos não vêm mais atormentá-la, mas isso
não é mais necessário: ela se atormenta a si mesma, e antes sofre muito, porque
esses diabos ainda seriam seres que nela pensariam. O egoísmo fez a sua alegria
na Terra: perseguiu-a; agora é o verme que lhe rói o coração, seu verdadeiro
demônio.
SÃO LUÍS
V. Eu vos falarei da diferença importante
que existe entre a moral divina e a moral humana. A primeira assiste a mulher
adúltera em seu abandono, e diz aos pecadores: - “Arrependei-vos, e o reino dos
céus vos será aberto.” A moral divina, enfim, aceita todos os arrependimentos e
todas as faltas confessadas, ao passo que a moral humana repele estas e admite,
sorrindo, os pecados ocultos que, diz ela, são perdoados pela metade. A uma,
graça e perdão, à outra, a hipocrisia. Escolhei, Espíritos, ávidos de verdade!
Escolhei entre os céus abertos ao arrependimento e a tolerância que admite o
mal que não incomoda o seu egoísmo e seus falsos arranjos, mas que repele a
paixão e os soluços de faltas confessadas publicamente. Arrependei-vos, vós
todos que pecais; renunciai ao mal, mas sobretudo renunciai à hipocrisia que
vela a torpeza, da máscara risonha e enganosa das conveniências mútuas.
VI. Estou agora calma e resignada para a
expiação das faltas que cometi. O mal está em mim, e não fora de mim; sou,
pois, eu quem devo mudar e não as coisas exteriores. Carregamos em nós o nosso
céu e o nosso inferno, e as nossas faltas, gravadas na consciência, se lêem
facilmente no dia da ressurreição, e então somos nossos próprios juizes, uma
vez que o estado da nossa alma nos eleva ou nos impele de cima para baixo. Eu
me explico: um Espírito manchado e pesado pelas suas faltas, não pode conceber
nem desejar uma elevação que não saberia suportar. Crede-o bem: assim como as
diferentes espécies de serem vivem cada uma na esfera que lhe é própria, assim
também os Espíritos, segundo o grau de seu adiantamento, se movem no meio que é
o de suas faculdades; não concebem outro senão quando o progresso, o
instrumento da lenta transformação das almas, arrebata-os de suas tendências
rasteiras, e fá-las despojar da crisálida do pecado, a fim de que possam
adejar, antes de se lançarem, rápidas como flechas, para Deus, tornado o
objetivo único e desejado. Ai de mim! Eu me arrasto ainda, mas não odeio mais,
e concebo a inefável felicidade do amor divino. Orai, pois, sempre por mim, que
espero e aguardo.
Na comunicação seguinte, Claire fala de seu
marido, que muito a fez sofrer quando viva, e da posição em que se acha hoje no
mundo dos Espíritos. Esse quadro, que ela mesma não pôde terminar, foi completado
pelo guia espiritual do médium.
VII. Venho a ti que me deixaste muito tempo
no esquecimento; mas adquiri a paciência, e não sou mais desesperada. Queres
saber qual é a situação do pobre Feliz; ele erra nas trevas, vítima da profunda
nudez da alma; seu ser, superficial e leviano, manchado pelo prazer, sempre
ignorou o amor e a amizade. A própria paixão não alumiou os seus vislumbres
sombrios. Comparo o seu estado presente ao de uma criança inábil para os atos
da vida, e privada do socorro daqueles que a assistem. Félix erra, com pavor,
nesse mundo estranho onde tudo resplandece ao clarão de Deus, que ele negou...
VIII. O guia do médium – Claire não pôde
continuar a análise dos sofrimentos de seu marido, sem senti-los também; vou
falar por ela.
Félix, que era superficial nas idéias como
nos sentimentos, violento porque era fraco, debochado porque era frio, entrou
no mundo dos Espíritos moralmente nu, como o era no físico. Em entrando na vida
terrestre, nada adquiriu, e, por conseqüência, tem tudo a recomeçar. Como um
homem que desperta de um longo sonho, e que reconhece o quanto vã foi a
agitação de seus nervos, esse pobre ser, saindo da perturbação, reconhecerá que
viveu de quimeras que enganaram a sua vida; maldirá o materialismo que o fez
abraçar o vazio, quando acreditava estreitar uma realidade; maldirá o
positivismo que o fez chamar de fantasias as idéias de uma vida futura; as
aspirações, loucuras, e a crença em Deus, fraqueza. O infeliz, em despertando,
verá que esses nomes zombados por ele eram a fórmula da verdade, e que, ao
contrário da fábula, a caça da presa foi menos proveitosa que a da sombra.
GEORGES
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1. Por que Claire, em uma de suas primeiras
comunicações, afirma que sua infelicidade aumenta a cada dia?
2. O que ela fez para estar em tal
situação?
3. Segundo Claire, qual a diferença entre a
moral divina e a moral humana? Você concorda? Explique.
4. Qual a causa de as três últimas
comunicações de Claire mostrarem um progresso em suas disposições?
5. Em uma de suas últimas comunicações,
Claire já está calma e resignada. Por quê?
6. Qual o estado de seu marido no mundo
espiritual?
7. Por que Claire não teve condições de
relatar as condições de seu marido na espiritualidade, tendo este relato ter
que ser feito pelo guia do médium?
CONCLUSÃO
1. A sua infelicidade aumenta na medida em
que o conhecimento da eternidade se desenvolve nela.
2. Ao contrário do que se possa imaginar,
ela nada fez que merecera a justiça dos homens. Ela zombou da felicidade
terrestre: beleza, fortuna, prazeres, adulações, tudo lhe sorria, nada lhe
faltava, e dizia-se vendo-a: Que mulher feliz! E invejava-se a sua sorte. O que
ela fez? Foi egoísta: tinha tudo, exceto bom coração. Se não violou a lei dos
homens, violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das
virtudes. Não amou senão a ela mesma, agora não é amada por ninguém; nada deu,
nada se lhe dá; está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço onde
ninguém pensa nela, ninguém se ocupa dela; é o que faz o seu suplício. Como não
procurou senão os gozos mundanos, e hoje esses gozos não mais existem, o vazio
se fez ao seu redor, ela não vê senão o nada, e o nada parece-lhe a eternidade.
Não sofre mais as torturas físicas, os diabos não vêm mais atormentá-la, mas
isso não é mais necessário: ela se atormenta a si mesma, e antes sofre muito,
porque esses diabos ainda seriam seres que nela pensariam. O egoísmo fez a sua
alegria na Terra: perseguiu-a; agora, é o verme que lhe rói o coração, seu
verdadeiro demônio.
3. A moral divina aceita todos os
arrependimentos e todas as faltas confessadas, ao passo que a moral humana
repele estas e admite, sorrindo, os pecados ocultos que, diz ela, são perdoados
pela metade. A uma, a graça do perdão, à outra, a hipocrisia.
4. O progresso visto nas três últimas
comunicações de Claire denotam um progresso sensível nas condições do Espírito,
graças aos cuidados do médium que empreendia a sua educação moral.
5. Porque ela percebeu que o mal estava
nela e não fora dela: era ela, então, que deveria mudar, e não as coisas
exteriores. Disse ainda que “...Carregamos em nós o nosso céu e o nosso
inferno, e as nossas faltas, gravadas na consciência, se lêem facilmente no dia
da ressurreição, e então, somos nossos próprios juízes, uma vez que o estado de
nossa alma nos eleva ou nos impele de cima para baixo...”.
6. Ele erra nas trevas, vítima da profunda
nudez da alam; seu ser, superficial e leviano, manchado pelo prazer, sempre
ignorou o amor e a amizade. A própria paixão não alumiou os seus vislumbres
sombrios. Ela chegou a comparar o seu estado presente ao de uma criança inábil
para os atos da vida, e privada do socorro daqueles que a assistem.
Ainda, segundo o guia do médium, diz que
ele, Félix, era superficial nas idéias como nos sentimentos, violento porque
era fraco, debochado porque era frio, entrou no mundo dos Espíritos moralmente
nu, como o era no físico. Entrando na vida terrestre, nada adquiriu e, por
conseqüência, tem tudo a recomeçar. Como um homem que desperta de um longo
sonho, e que reconhece o quanto vã foi a agitação de seus nervos, esse pobre
ser, saindo da perturbação, reconhecerá que viveu de quimeras que enganaram a
sua vida; maldirá o materialismo que o fez abraçar o vazio, quando acreditava
estreitar uma realidade; maldirá o positivismo que o fez chamar de fantasias as
idéias de uma vida futura; as aspirações, loucuras, e a crença em Deus, fraqueza.
O infeliz, despertando, verá que esses nomes zombados por ele eram a fórmula da
verdade.
7. Porque ela sentia os sofrimentos do
marido, por isso, não teve condições de continuar a narrativa.
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