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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A fé e seu poder

LEDA MARQUES BIGHETTI
de Ribeirão Preto, SP

Analisando a trajetória evolutiva identificamos o homem a caminhar dentro de horizontes e arrastando-os na seqüência existencial através das raízes em heranças. O que vai contribuir para que se liberte desses atavismos, será o conhecimento, permitindo este que cada um se analise, escolha e trace os caminhos da própria libertação.

Sob essa reflexões, teve o homem sempre a oportunidade de escolher caminhos?

Após a instalação do Cristianismo como religião oficial, com o predomínio da vida religiosa sobre as demais formas sociais, e, sobretudo, com a concentração do campo espiritual nos conventos e seminários, durante a Idade Média principalmente, o comum nas questões da fé, é a imposição dos pontos considerados de fundamental interesse ao pensamento humano e que devem ser aceitos como dogma de fé, incontestáveis, proibidos de serem discutidos, não se admitindo não só refutações como também simples trocas de idéias sobre os mesmos. A autoridade de quem dita o dogma é absoluta, infalível, definitiva e todo cristão deve acatá-la como expressão autêntica da verdade revelada.

Fé é chamada de virtude teologal, isto é, qualidade essencial para salvação e como tal deve-se aceitá-la, não importando o modo como se viva. Basta ter fé.

A vigência de tal estado, vem desaguar mais ou menos no século XVIII e se afirma em dois grandes movimentos: o materialismo, anterior ao Cristianismo, mas que se acentua por rejeitar a salvação pela fé. Na outra opção, firma-se a fé cega, que nada examina, tudo aceita, sectária, fanática e passiva.

Esse panorama no início do século XIX mescla-se ao lado das contestações nascentes, dos raciocínios que acirravam discussões em verdadeira oposição ao dogma. Lógica, razão, observação e experimentação vão caracterizar o pensamento da época. Questionam, buscam, refutam. Nesse clima, em face à tantas controvérsias, principalmente frente aos efeitos físicos que imperam, uma mente lúcida, personificada pelo professor Rivail procura a Verdade. Não o faz, nem dentro do materialismo, em nem na fé cega. Busca estudar através do campo científico. Aplica o método da experimentação: sem teorias pré concebidas observa, compara, deduz. Dos efeitos procura causas. Encadeia os fatos e só admite uma explicação como válida quando resolve ela todas as dificuldades de uma questão.

O conteúdo espírita, advindo dessa busca "(...) não pretende forçar convicção alguma, mas tão somente oferecer uma base racional de crença espiritual dos que não podem tê-la por não aceitarem as formas existentes (...)" 1

Tal afirmação é lógica, uma vez que a evolução vai fazendo com que as criaturas superem propostas ingênuas na procura de princípios mais claros na fé que esclarece satisfazendo a razão.

Como então, fé é entendida?

O vocábulo possui várias significações: pode ser entendido como crença, confiança, crédito, preceitos desta ou daquela religião ou fé pura, isto é, aquela que não diz respeito a nenhuma forma de crença ou seita em especial, mas que se traduz por segurança absoluta quanto ao que diz respeito à existência de um ser superior, Deus, sua justiça e misericórdia.

Seria esta a mais sublime como também a mais difícil de ser encontrada, pois se estabelece sob bagagem que fala de aprimoramento passado.

Ter fé nesse sentido, é ter convicções, certezas que ultrapassam o âmbito de uma sigla religiosa e que leva a que se vençam barreiras, porque não se sente sozinha, sabe por onde, porque e para onde caminha, repousada a sensibilidade em alegria íntima. Traduz certeza na Providência, confiança que leva a posicionar-se diante das lutas e conflitos com tranqüilidade e luz no coração.

Crer e ter fé, nesse caso, são a mesma coisa?

Não. Acreditar é expressão de crença, dentro da qual os legítimos valores da fé se encontram embrionários. O indivíduo admite sem exame, afirmações absurdas ou não, propostas estranhas ou dogmas. Age só pelo sentimento, no qual aceita sem verificação tanto o verdadeiro como o falso. Levada ao excesso, conduz ao fanatismo. No oposto, pode abolir o sentimento e só usar a razão. Encontrará fantasmas impiedosos que podem levar à negação, à obstinação e ao crime.

Na realidade, desenvolver fé, é alcançar a possibilidade de não mais dizer eu creio, mas afirmar eu sei, com todos os valores da razão e do sentimento.

Essa fé – eu sei – não caminha sozinha e ao exercer-se, desenvolve outros aspectos, considerados estes como virtudes uma vez que essa fé não existe sem a paciência, esperança, humildade, persistência, sem o entendimento racional, daquele que crendo, sabe.

Como efeito, teremos um homem desperto nos sentimentos nobres; torna-se empolgante; traduz certezas, exprime confiança na disposição sadia daquele que entendendo, confia, trabalha e aguarda.

Fé – razão e sentimento, tríade inseparável em que um vivifica o outro e a união dos três abre ao pensamento campo de certezas no qual a vida se harmoniza.

Quais os efeitos dessa forma de fé?

Diante dos perigos e turbulências, o homem assim convicto, age, faz a sua parte, permanece em equilíbrio e aguarda respostas atento para identificá-las, não no sentido do que quer que se realize, mas conforme a necessidade que atenderá. Torna-se robusto e forte nas atitudes. O conhecimento do mundo invisível, a confiança numa lei superior de Justiça e progresso, propiciam calma e segurança.

"(...) Efetivamente, que poderemos temer, quando sabemos que a vida é imortal e quando, após os cuidados e consumições da vida, além da noite sombria em que tudo parece afundar-se, vemos despontar a suave claridade dos dias infindáveis? (...)" 2

Para que tal estágio seja alcançado a base tem que ser sólida amparada no livre exame e liberdade de pensamento, na observação direta das leis naturais, reguladoras estas de todos os fenômenos. Este é o caráter da fé espírita: decorre do exame racional dos fatos em perfeita consonância com as leis que regem a Vida.

Como adquirir essa forma de fé?

Não é conquista que se estabelece de uma hora para outra. É ação individual no tempo, nas experiências vivenciadas em reflexões lógicas das causas, oração, meditação para discernir e acertar. Em gérmen, está presente em todos os seres; é inata a aguardar o esforço de cada um para crescer e fazer sentir sua ação.

No Espiritismo, é entendida como uma faculdade natural da alma. A semelhança do Amor, também contido em gérmen, cultivado à luz da razão, desenvolve-se da mesma forma que as outras faculdades. Naqueles em que já se apresenta espontânea, atestam sinais de progresso anterior, no qual já creram compreendendo, trazendo ao renascer a intuição do conhecido.

Os que sentem dificuldades, que estão na luta da busca, no conflito, na dualidade do passado detido na fé cega que não mais satisfaz e abrindo-se a um futuro ainda não claro, buscar, pesquisar, raciocinar, comparar, compreender para que a inteligência lhe aponte a lógica de uma proposta.

A fé que não se assentar sob essas bases, impõem-se sobre uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.

Fé raciocinada se apóia em fatos, na lógica que não deixa dúvida. Leva o homem a melhoria íntima em certezas que o direcionam para agir livremente sem medo de castigos, sem promessas, trocas ou dependências na fé raciocinada que "(...) pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade (...)" 3

Qual passagem evangélica é um exemplo do poder da fé?

Um certo pai procura Jesus para que lhe cure o filho obsedado, já que os discípulos não haviam conseguido faze-lo. Jesus pergunta:

"(...) — Há quanto tempo isto lhe sucede?

Desde a infância; mas se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos.

Ao que lhe respondeu Jesus:

— Se podes! Tudo é possível ao que crê.

E imediatamente o pai do menino exclamou (com lágrimas): — Eu creio, ajuda-me na minha falta de fé (...)" 4

O texto passa esperança ao mesmo tempo que ensina que no campo íntimo, no sentimento, na estrutura moral, impossível é termo sem significação, aceito apenas por aqueles que desconhecem a força dos que tendo fé, crêem porque sabem.

Quando a crença, a fé nos pareça pouca, insuficiente, titubeante, surge a exclamação do Pai: "— (...) Creio Senhor! Ajuda-me na minha pouca fé (...)" 4

Exterioriza-se ainda nessa passagem as características da fé verdadeira: o filho sofria desde a infância e não há desânimo; há persistência, humildade, pois leva primeiro aos discípulos e só depois procura Jesus; não perde a esperança, não desanima, não se entrega. Mantém a atitude de certeza na busca do bem para o outro, atitudes enfim, corajosas, que no seu todo davam-lhe forças para prosseguir buscando sem desequilíbrios ou descontrole.

"(...) A fé é o maior tesouro da alma (...)." 5 Sem ela nenhum sentimento generoso, caridade ou amor poderá habitar, crescer e florescer na alma humana, uma vez que não há a certeza que gera a esperança para alcançar. Analisando, o valente pai da parábola não sente dificuldade, procura, busca, entende, tem objetivos, desvincula-se de si, busca o melhor reflete, aceita, recomeça e encaminha-se para Deus.

"(...) Eu repito: a fé humana e divina, se todos os encarnados estivessem bem persuadidos da força que têm em si, se quisessem colocar sua vontade a serviço dessa força, seriam capazes de realizar o que, até o presente, chamou-se de prodígios, e que não é senão, o desenvolvimento das faculdades humanas (...)" 3

Conclui-se que sendo inata, aguarda pelo trabalho de cada um consigo, para que crescendo, clareie e fortaleça a alma como mensagem de Deus libertando as criaturas. 

Bibliografia:

1. KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1968, 14. ed., primeiro diálogo, p. 10.

2. DENIS, Léon. Depois da Morte. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1983, 12. ed., Parte Quinta, XLIV, p. 260.

3. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Araras, SP: IDE, 34. ed., cap. XIX– 7, p. 247, 12 e 250.

4. BÍBLIA, Novo Testamento. Rio de Janeiro, RJ: Sociedade Bíblica do Brasil, 1973, in: Mc 9 : 21-24, p. 57.

5. SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e ensinos de Jesus. Matão, SP: Casa Editora O Clarim, 1976, 10. ed., p. 260.

Janeiro de 2006, edição n°. 240

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