Estudando a Doutrina Espírita
Tema: Suicídio
4. Depoimentos de suicidas
MEMÓRIAS DE UM SUICIDA
(SÍNTESE DE VÁRIOS CAPÍTULOS)
O VALE DOS SUICIDAS
Precisamente no mês de janeiro do ano da graça de 1891, fora eu surpreendido com meu aprisionamento em região do Mundo Invisível cujo desolador panorama era composto por vales profundos, a que as sombras presidiam: gargantas sinuosas e cavernas sinistras, no interior das quais uivavam, quais maltas de demônios enfurecidos, Espíritos que foram homens, dementados pela intensidade e estranheza, verdadeiramente inconcebíveis, dos sofrimentos que os
martirizavam.
Quem ali temporariamente estaciona, como eu estacionei, são grandes vultos do crime! É a escória do mundo espiritual falanges de suicidas que periodicamente para seus canais afluem levadas pelo turbilhão das desgraças em que se enredam, a se despojarem das forcas vitais que se encontram, geralmente intactas, revestindo-lhes os envoltórios físicos-espirituais, por seqüências sacrílegas do suicídio, e provindas, preferentemente, de Portugal, da Espanha, do Brasil e colônias portuguesas da África, infelizes carentes do auxilio confortativo da prece; aqueles, levianos e inconseqüentes, que, fartos da vida que não quiseram compreender, se aventuram ao Desconhecido, em procura do Olvido, pelos despenhadeiros da Morte!
Em geral aqueles que se arrojam ao suicídio, para sempre esperam livrar-se de dissabores julgados insuportáveis, de sofrimentos e problemas considerados insolúveis pela tibiez da vontade deseducada, que se acovarda em presença, muitas vezes, da vergonha do descrédito ou da desonra, dos remorsos deprimentes postos a enxovalharem a consciência, conseqüência de ações praticadas à revelia das leis do Bem e da Justiça.
Também eu assim pensei, muito apesar da aureola de idealista que minha vaidade acreditava glorificando-me a fronte.
Enganei-me, porém; e lutas infinitamente mais vivas e mais ríspidas esperavam-me a dentro do túmulo a fim de me chicotearem a alma de descrente e revel, com merecida justiça.
As primeiras horas que se seguiram ao gesto brutal de que usei, para comigo mesmo, passaram-se sem que verdadeiramente eu pudesse dar acordo de mim. Meu Espírito, rudemente violentado, como que desmaiara, sofrendo ignóbil colapso. Os sentidos, as faculdades que traduzem o eu racional, paralisara-se como se indescritível cataclismo houvesse desbaratado o mundo, prevalecendo, porém, acima dos destroços, a sensação forte do aniquilamento que sobre meu ser acabara de cair. Fora como se aquele estampido maldito, que até hoje ecoa sinistramente em minhas vibrações mentais - , sempre que, descerrando os véus da memória, como neste instante, revivo o passado execrável tivesse dispersado uma a uma as moléculas que em meu ser constituíssem a Vida!
Odores fétidos e nauseabundos, todavia, revoltavam-me brutamente o olfato. Dor aguda, violenta, enlouquecedora, arremeteu-se instantaneamente sobre meu corpo por inteiro, localizando-se particularmente no cérebro e iniciando-se no aparelho auditivo. Presa de convulsões indescritíveis de dor física, levei a destra ao ouvido direito: - o sangue corria do orifício causado pelo projétil da arma de fogo de que me servira para o suicídio e manchou-me as mãos, as vestes, o corpo... Eu nada enxergava, porém.
Convém recordar que meu suicídio derivou-se da revolta por me encontrar cego, expiação que considerei superior às minhas forcas, injusta punição da Natureza aos meus olhos necessitados de ver, para que me fosse dado obter, pelo trabalho, a subsistência honrada e altiva.
Sentia-me, pois, ainda cego; e, para cúmulo do meu estado de desorientação, encontrava-me ferido. Tão somente ferido e não morto! Porque a vida continua em mim como antes do suicídio!
Passei a reunir idéias, mau grado meu. Revi minha vida em retrospecto, até a infância, e sem mesmo omitir o drama do último ato, programação extra sob minha inteira responsabilidade. Sentindo-me vivo, averigüei, conseqüentemente, que o ferimento que em mim mesmo fizera tentando matar-me, fora insuficiente, aumentando assim os já tão grandes sofrimentos que desde longo tempo me vinham perseguindo a existência.
Quis furtar-me à presença de mim mesmo, procurando incidir no ato que me desgraçara, isto é - reproduzi a cena patética do meu suicídio mentalmente, como se por uma segunda vez buscasse morrer a fim de desaparecer na região do que, na minha ignorância dos fatos de além-morte, eu supunha o eterno esquecimento! Mas nada havia capaz de aplacar a malvada visão! Ela era, antes, verdadeira! Imagem perfeita da realidade que sobre o meu físico-espiritual se refletia, e por isso me acompanhava para onde quer que eu fosse, perseguia minhas retinas sem luz, invadia minhas faculdades anímicas imersas em choques e se impunha à minha cegueira de Espírito caído em pecado, suplicando-me sem remissão!
Um dia, profundo alquebramento sucedeu em meu ser a prolongada excitação. Fraqueza insólita conservou-me aquietado, como desfalecido. Eu e muitos outros cômpares de minha falange estávamos extenuados, incapazes de resistirmos por mais tempo a tão desesperadora situação.
Até que, dentro da atmosfera densa e penumbrosa, surgiram os carros brancos, rompendo as trevas com poderosos holofotes.
O SOCORRO ESPIRITUAL
Estacionou o trem caravaneiro na praça lamacenta. Desceu um pelotão de lanceiros. Em seguida, damas e cavalheiros, que pareciam enfermeiros, e mais o chefe da expedição, o qual, como anteriormente esclarecemos, se particularizava por usar turbante e túnicas hindus.
Silenciosos e discretos iniciaram o reconhecimento daqueles que seriam socorridos. A mesma voz austera que se diria, como das vezes anteriores, vibrar no ar, fez, pacientemente, a chamada dos que deveriam ser recolhidos, os quais, ouvindo os próprios nomes, se apresentavam por si mesmos. Foi então que lhes conheci os nomes e eles o meu.
Comovido e pávido, pude, então, elevar o pensamento à Fonte Imortal do Bem Eterno, para humildemente agradecer a grande mercê que recebia!
NOTAS DA AUTORA
Após a morte, antes que o Espírito se oriente, gravitando para o verdadeiro lar espiritual que lhe cabe, será sempre necessário o estágio numa ante-câmara , numa região cuja densidade e aflitivas configurações locais corresponderão aos estados vibratórios e mentais do recém-desencarnado. Aí se deterá até que seja naturalmente desanimalizado, isto é, que se desfaça dos fluídos e forças vitais de que são impregnados todos os corpos materiais. Por aí se verá que a estada será temporária nesse umbral do Além, conquanto geralmente penosa. Tais sejam o caráter, as ações praticadas, o gênero de vida, o gênero de morte que teve a entidade desencarnada tais serão o tempo e a penúria no local descrito. Existem aqueles que aí apenas se demoram algumas horas. Outros levarão meses, anos consecutivos, voltando à reencarnação sem atingirem a Espiritualidade. Em se tratando de suicidas o caso assume proporções especiais, por dolorosas e complexas. Estes aí se demorarão, geralmente, o tempo que ainda lhes restava para conclusão do compromisso da existência que prematuramente cortaram. Trazendo carregamentos avantajados de forças vitais animalizadas, além das bagagens das paixões criminosas e desorganização mental, nervosa e vibratória completas, é fácil entrever qual será a situação desses infelizes para quem um só balsamo existe: - a prece das almas caritativas!
Se, por muito longo, esse estágio exorbite das medidas normais ao caso a reencarnação imediata será a terapêutica indicada, embora acerba e dolorosa, o que será preferível a muitos anos em tão desgraçada situação, assim se completando, então, o tempo que faltava ao término da existência cortada.
* * *
Às impressões e sensações penosas, oriundas do corpo carnal, que acompanham o Espírito ainda materializado, chamaremos repercussões magnéticas, em virtude do magnetismo animal, existente em todos os seres vivos, e suas afinidades com o perispírito. Trata-se de fenômeno idêntico ao que faz a um homem que teve o braço ou a perna amputados sentir coceiras na palma da mão que já não existe com ele, ou na sola do pé, igualmente inexistente. Conhecemos em certo hospital um pobre operário que teve ambas as pernas amputadas senti-las tão vivamente consigo, assim como os pés, que, esquecido de que já não os possuía, procurou levantar-se, levando, porém, estrondosa queda e ferindo-se. Tais fenômenos são fáceis de observar.
Memórias de um Suicida Yvonne A. Pereira 1ª parte O Vale dos Suicidas
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