"É muito difícil fazer entender aos homens que o sofrimento é bom" Léon Denis
O problema da dor, considerada como toda manifestação de sofrimento humano, sempre esteve ligado à religião. Mesmo na Filosofia, observamos que maior preocupação acerca do assunto se concentrou na fase que antecede a separação entre filosofia e religião, no mundo helênico. Daí, o Budismo, o Bramanismo etc. pregando princípios filosóficos acerca do problema, tomando como premissas doutrinas de conteúdo nitidamente religioso.
Na tradição cristã-judaíca, os liames ainda permanecem: "porque tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança" - escreveu S. Paulo (Romanos 15:4).
Com o divórcio crescente entre a Filosofia e a Religião, notadamente com Sócrates, os teólogos começaram a trilhar outros caminhos para equacionar a questão - por que sofremos? -com o abandono, muitas vezes, total da razão e a apologia da revelação.
Mais perto de nós, certos pensadores, aparentemente saldos dos meios eclesiásticos, deram à dor uma significação mística, através de obras cujo valor filosófico fica escondido por trás de uma retórica exagerada, dentro dum lirismo afetado, extremamente sentimental. É o caso do pensador cristão Humberto Rhoden que dividiu a humanidade em resignados, regenerados e revoltados, dando a esses termos conceitos teológicos produzidos por meio de raciocínio excêntrico. Um outro autor recente e de grande valor, é Gibran Calil Gibran que na beleza poética de "O Profeta" entre outras coisas, à semelhança do Espiritismo, diz que "a dor é o rompimento do invólucro em que se encerra nossa compreensão" (pág. 55).
Admitamos assim, que a filosofia, transferindo seus objetivos para a Teoria do Conhecimento e "para o Ser enquanto Ser", abandonou o campo das especulações sobre o homem em si. Por outro lado, a religião fundamentou-se cada vez mais no conhecimento revelado e tentou equacionar o problema de maneira excessivamente teórica, sem nenhum valor pragmático.
Há gente que acusa o Espiritismo de ter seguido a mesma trilha das demais religiões, ao procurar desvendar o porque do sofrimento do homem, cometendo os mesmos erros daqueles. É o que se poderia pensar, desavisadamente, com a leitura de pensamentos psicografados, sobretudo de Emmanuel, como aquele que nos ensina que a dor costuma agitar os que se encontram no "vale da morte", onde o medo estabelece o ranger de dentes nas trevas exteriores; mas existe a luz interior que é a da esperança" (Vinha de Luz, 161).
De tudo isso, concluímos que a dor sempre foi vista como algo de origem transcendental. No estudo de seu conhecimento sempre entra, obrigatoriamente, aquele instinto que liga o homem ao infinito, ao ignoto, a Deus.
Acontece, entretanto, que essa tendência do homem a buscar o transcendental nem sempre - ou quase nunca - foi bem sucedida, dando os resultados esperados por ele em termos de paz interior, de um melhor entendimento de seus problemas existenciais. E a religião tentou superar essa dificuldade, procurando clarear o caminho com o facho escondido do dogma, apelando para a apologia da dor. Surgiu assim o conceito de que "Todo sofrimento é agradável a Deus".
Neste ponto, há relação aparente entre o Espiritismo e as demais doutrinas religiosas: pessoas há, dentro do movimento, que buscam a mortificação, pregada na doutrina da igreja, como forma de elevação espiritual. Coube a Emmanuel desfazer essa falsa interpretação doutrinária, ensinando que "não vale a pena sofrer, é preciso aproveitar o sofrimento". (Caminho, Verdade e Vida, pág. 50).
Voltando à posição da filosofia ante dor, temos diversas correntes de pensamento que a definem, apenas, sem mostrarem interesse em explicações da sua etiologia. Nessa linha de pensamento, os intelectualistas, ,com Leibniz, a definem como a "diminuição do Ser"; os simpatizantes e defensores da teoria da efetividade identificam o sofrimento com a ação (?), uma identificação um tanto confusa. Finalmente temos a retomada do pensamento antigo de Lucrécio e Epicuro, com a teoria simplista que define a dor como a ausência de prazer, sem nada acrescentar.
Como se trata de um problema de caráter geral no mundo e no seio da humanidade, e por isso essencial para o conhecimento, a posição do Espiritismo não tem necessidade de ser buscada em outra fonte que não a própria codificação. Kardec e o Espírito da Verdade esclareceram-no rio corpo da Doutrina. E o problema da dor é um desses pontos.
Em primeiro lugar, temos o conceito de evolução e o estudo dos diversos tipos de mundos habitados, de onde advém o ensinamento de que nos encontramos num mundo de expiação e provas, isto é, num mundo onde o sofrimento é uma característica dos espíritos nele encarnados. Nesse particular, entretanto, não é absolutamente correto, tomar o Espiritismo uma doutrina que vem pregar o sofrimento.
Para que possamos entender a posição da Doutrina, temos que vê-la em seu aspecto consolador, isto é, como doutrina que visa o sofrimento no interior de cada criatura, através do esclarecimento, o que ela representa, o que é, e suas causas. Parte ela, para isso, da premissa de que só usamos bem aquilo que conhecemos em seus conceitos de causa e efeito.
Como resultado dessa posição doutrinária, vemos o Espiritismo claramente diferenciado das outras religiões, com o novo conceito de resignação e consolação que ultrapassa ao campo intelectual e sentimental, indo até o campo do agir; É o que se nos depara no cap. V., n.° 13 de "O Evangelho Segundo o Espiritismo" onde se lê que "o homem pode minorar ou agravar as asperezas de sua luta, pela maneira com que encara a sua vida terrena". Aí observamos que, embora o conceito de sofrimento não perca seu aspecto transcendental, o homem perde a passividade pregada por outras doutrinas. E conclui no item 14 b do mesmo capítulo: "a calma e a resignação auferidas na maneira de encarar a vida terrena, bem assim a fé no futuro, conferem ao espírita essa serenidade que é o preservativo contra a loucura e o suicídio".
O "Livro dos Espíritos" não poderia ser mais explícito a esse respeito:
Questão nº 920:
- O homem pode gozar na terra uma felicidade completa?
Resposta dos Espíritos:
"Não, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação, mas dele depende abrandar seus males e ser tão feliz quanto se pode ser na terra".
Finalmente, devemos lembrar que a não compreensão da dor, tem gerado problemas sociais. Isso porque os "resignados" de Rhoden trazem consigo um arsenal interior pronto a explodir a cada instante; os regenerados se não tiverem consciência do fim do último de sua regeneração, em termos de eternidade, estão sempre numa condição de instabilidade interior; os revoltados sempre são foliões cujas lágrimas umedeceram e rasgaram as máscaras que lhes escondiam a face e buscam, de rosto nú, o sorriso do futuro na face carrancuda do presente.
Luis Terra
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