(Uma análise de sua estrutura e intencionalidade)
O grupo de palestrantes da USE-Ribeirão Preto termina, neste mês, o programa de estudo sistematizado da estrutura e organização de conteúdos d’O Evangelho segundo o Espiritismo em busca da intenção e motivações que estimularam Kardec e a Falange do Espírito da Verdade a escrevê-lo.
Surpreendentemente, para muitos de então, Kardec e os Espíritos da Codificação adotaram explicitamente, n’O Evangelho segundo o Espiritismo, uma moral já estabelecida e milenar – o Cristianismo – em um momento em que a Doutrina Espírita ainda estava em fase de consolidação de suas próprias bases doutrinárias.
Por isso, este livro é um divisor de águas no movimento espírita nascente, provocando dissensões e críticas a Kardec, considerado místico e precipitado por vários companheiros.
O título O Evangelho segundo o Espiritismo é uma referência ao Cristianismo Primitivo, quando surgiram os Evangelhos segundo a tradição atribuída a apóstolos ou discípulos eminentes. Segundo o Espiritismo estabelece que este livro não é conseqüência de um ensino particular, mas de uma coletividade (os espíritos manifestantes através da mediunidade).
Para explicar como o livro pode afirmar-se possuidor da opinião de uma coletividade, Kardec descreve, na Introdução, o método de investigação espírita, correlacionando, inclusive, a AUTORIDADE DA DOUTRINA ESPIRITA com o respeito ao princípio científico de CONTROLE UNIVERSAL DO ENSINO DOS ESPÍRITOS.
Ao apresentar o Espiritismo, nítido movimento da espiritualidade no mundo ocidental, (como herdeiro do Cristianismo originado dos ensinos de um mestre oriental – Jesus), Kardec estabelece previamente os vínculos destas duas doutrinas com os primórdios da cultura greco-romana (fonte hegemônica de todas as culturas européias), demonstrando as coincidências doutrinárias entre Espiritismo, Cristianismo e os ensinos de dois filósofos fundamentais do mundo ocidental: SÓCRATES E PLATÃO, PRECURSORES DA DOUTRINA CRISTÃ E DO ESPIRITISMO.
O livro inicia-se com uma proposição corajosa: o Espiritismo é o consolador prometido por Jesus e está relacionada à doutrina do Cristo, assim como esta esteve em relação ao Judaísmo – veio cumprir suas promessas, dar-lhe seguimento e (o ponto mais polêmico) desenvolver seus princípios e idéias. NÃO VEIO DESTRUIR A LEI, mas responder a um desafio essencial da modernidade: aliar ciência e religião.
Nos três capítulos seguintes, demonstrando o quanto o Espiritismo é cristão, são destacadas passagens dos Evangelhos que ratificam três princípios básicos da Doutrina Espírita vistos como “corpos estranhos” pelo movimento cristão atual:
1) A eternidade ou sobrevivência do Espírito em MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO;
2) A pluralidade e diversidade dos mundos habitados e da erraticidadeem HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI; 3) A pluralidade das existências ou reencarnações sucessivas em NINGUÉM PODE VER O REINO DE DEUS, SE NÃO NASCER DE NOVO.
Após a exposição destas premissas básicas, Kardec e a Falange de espíritos comunicantes utilizam o Sermão da Montanha como ponto de partida para um diagnóstico franco do estado moral atual da Terra. No capítulo mais longo do livro, detalham a natureza deste mundo de provas e expiações, identificam as causas imediatas e as transcendentes dos sofrimentos; trazendo alento aos que experimentam ideações suicidas, loucura ou a melancolia – crises existenciais da contemporaneidade. Mas lembram, também, que só serão AFLITOS BEM-AVENTURADOS aqueles que souberem sofrer com resignação, para, em seguida, dar-se voz ao CRISTO CONSOLADOR, personificado na figura espiritual do Espírito da Verdade, que assina todas as mensagens daquele que é o mais importante capítulo do livro no aspecto autoral. Com uma postura cativante de intimidade e compaixão, o Espírito da Verdade diz aos “pobres deserdados” que “chorem, porque a dor estava presente no Jardim das Oliveiras”, mas “que elevem sua resignação ao nível de suas provas”, mostrando aos necessitados e aflitos que o jugo pedido por Jesus é leve.
Retomando o Sermão da Montanha, é proposto um programa de desenvolvimento das faculdades morais do Ser com destino à perfeição e à felicidade, cuja seqüência de capítulos sugere a ordem progressiva de virtudes - das mais básicas às mais complexas: HUMILDADE; PUREZA DE CORAÇÃO, como conduta de tolerância e simplicidade (conseqüências naturais da humildade) que curarão o Espírito das suscetibilidades à mágoa, ao rancor e à maledicência; MANSUETUDE E PACIFICIDADE – a afabilidade, a doçura e a paciência; MISERICÓRDIA – a indulgência, a busca ativa da reconciliação com o inimigo como o sacrifício mais agradável a Deus. Para chegar, por fim, à CARIDADE, como exercício pleno do amor e das demais virtudes, descrita como experiência individual (AMAR AO PRÓXIMO COMO A SI MESMO); radical ou limítrofe (AMAR OS VOSSOS INIMIGOS); familiar (HONRA A TEU PAI E A TUA MÃE); social (beneficência, piedade, promoção social e cultural, ascendência dos princípios morais sobre os princípios econômicos nos capítulos QUE A MÃO ESQUERDA NÃO SAIBA O QUE FAZ A DIREITA e SERVIR A DEUS E A MAMON); salvacionista e igualitário perante Deus (FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO).
Encerrando a proposta de auto-educação, Kardec e a Falange da Verdade convidam o leitor à perfeição (SEDE PERFEITOS (!)), como uma meta viável e próxima, estabelecendo as características do homem de bem, pormenorizando o comportamento dos bons espíritas; e reconciliando a busca da perfeição com uma atitude alegre e sociável do homem no mundo.
Após a explanação deste projeto para a felicidade, as dificuldades são explicitadas:
A) dificuldades pessoais dentro do contexto terreno, falando de nós como TRABALHADORES DE ÚLTIMA HORA – sendo urgente a tomada de postura devido às mudanças pelas quais o planeta passa, reconhecendo A porta estreita que teremos que atravessar por estarmos ainda em um mundo de provas e expiações – o que exige perseverança e faz com que serão MUITOS OS CHAMADOS E POUCOS OS ESCOLHIDOS;
B) dificuldades sociais, onde FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS, incluindo espíritos fascinadores, poderão confundir nossa vontade, sendo necessário o exercício da crítica e do discernimento, mas também da compreensão perante as dificuldades afetivas no mundo, para NÃO SEPARAR(mos) O QUE DEUS JUNTOU, respeitando a felicidade do próximo e suas escolhas:
C) dificuldades pessoais e sociaisdiante da doutrina revolucionária e dialética (complexa em sua simplicidade) de Jesus, que exige de nós um salto qualitativo de consciência para entendermos a essência de ensinamentos que nos soem como MORAL ESTRANHA.
Em meio a esta muralha de obstáculos, os autores não se esquecem de nossas potencialidades: somos possuidores de uma FÉ (humana ou divina) QUE TRANSPORTA MONTANHAS; a fé – mãe da caridade.
Em NÃO POR A CANDEIA DEBAIXO DO ALQUEIRE, o leitor é lembrado que, apesar das dificuldades, será bem-aventurado aquele que carregar sua cruz sem esmorecer, cumprindo sua missão simultaneamente.
Nos capítulos finais, procura-se livrar o homem de toda dependência anteriormente estabelecida quanto à ligação com Deus, mostrando que este Pai Amoroso não exige intermediação para atender aos nossos pedidos. BUSCAI E ACHAREIS mostra a providência divina para com nossas necessidades, pedindo para que “não nos cansemos pelo ouro” e salientando que a prática do bem e o esforço pessoal pela sublimação também são formas de prece. DAÍ DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBER é um manifesto espírita em defesa do exercício gratuito da mediunidade. PEDI E OBTEREIS fala da prece como algo simples, uma sintonia de amor em pensamento, uma experiência mística para todos. Orar em espírito.
O livro termina em prece e oração por todos que necessitam e sofrem: COLETÂNEA DE PRECES ESPÍRITAS.
Gustavo Marcelo R. Daré
gmadea@ig.com.br
Abril de 2006, edição n°. 243
Jornal Eletrônico Verdade e Luz
USE de Ribeirão Preto
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