"Estando chegados os tempos da renovação, conforme os desígnios divinos, era preciso que, em meio às ruínas do velho edifício e para não perder a coragem, o homem entrevisse as fiadas da nova ordem de coisas; era preciso que o marinheiro percebesse a estrela polar, que deve guiá-lo ao porto. ." - Allan Kardec
Assim se expressa Lourenço Prado numa lição que traz por título o mesmo escolhido acima, num belo livro editado pela Federação Espírita Brasileira:
"A Doutrina Espírita, reafirmando positivamente a Doutrina do Cristo, não tem bases físicas.
Ergue-se de fato em fato, de exemplo em exemplo e de lição em lição, no plano das consciências, para outros planos de consciência.
(...) Evitemos substituir simplesmente as noções de inferno por umbral ou de céu por esferas espirituais, alimentando velhas ilusões da mesma forma."2
De fato. Há enganos que nos têm intoxicado por séculos. Apegados a velhas idéias, custa-nos perceber o quanto elas são responsáveis pela seqüência dos acontecimentos que vão se desenrolando sob nossas vistas, e, freqüentemente, como se nada pudéssemos fazer diante do inesperado “contigente” da vida. E vamos vivendo nossas horas como quem passa despercebido de outras questões mais importantes...ou, como diz Fernando Pessoa no poema Hora Morta:
LENTA e lenta a hora
Por mim dentro soa
( Alma que se ignora! )
Lenta e lenta e lenta,
Lenta e sonolenta
A lua se escoa...
*
Tudo tão inútil!
Tão como que doente
Tão divinamente
Fútil, ah, tão fútil
Sonho que se sente
De si próprio ausente...
A expressão "Alma que se ignora" encerra de maneira muito simples (e poética!) a apatia em que, por vezes, o espírito humano logra se encerrar, talvez por insistir em (re)vitalizar “estados de alma” desnecessários e improdutivos. Os chavões Deus quis assim ou Foi o destino bem ilustram esse estado de coisas. Curiosamente, hoje, somos convidados a “desmaterializar” pensamentos. Como se dá isso?
Não seriam as ilusões senão pensamentos que não servem mais? Podemos insistir neles, agir segundo o que nos apresentam, mas a quê custo? Decepções, dores, e um mundo de possibilidades, todas substituindo uma alternativa mais simples (embora mais difícil): manter-se atento pela reflexão.
Assim, precisamente por não cogitarmos da “eternidade“ da consciência – com o seu estado íntimo, pessoal e inalienável, atingindo a todos, encarnados e desencarnados – é que vamos perpetuando esse “mundo de idéias” por nós mesmos criado, terminando por nos tornamos adversários de nós mesmos, na feliz expressão de Lourenço Prado. São as velhas idéias de “castigo”, “penas” e “recompensas”, como se o VIVER fosse governado por “leis de mercado”, ou do do ut des (dou para que tu dês) do utilitarismo mais baixo. Sentimentos de culpa, suplícios íntimos como forma de compensação aos defeitos, jogando porta a fora sublimes momentos de transformação que encontramos no dia a dia. Qual a razão de tudo isso? Almas apressadas para chegar a lugar nenhum? Espíritos “prisioneiros” de si mesmo, ou melhor, de suas criações mentais, momentaneamente “adormecidos” de que são os próprios autores.
Precisamente dentro deste contexto de dificuldades e progressos, não foi ignorada por Kardec (e pelos Espíritos da Codificação), a necessidade de oferecer material útil a um trabalho de “saneamento” da consciência, com o objetivo de auxiliar a remover o “lixo” que acumulamos (sem nos darmos conta) ao longo da vida.
Assim como acontecia no coletivo em 1865, por ocasião do lançamento de O Céu e o Inferno, após deixar às velhas idéias o tempo de se gastarem e provar sua insuficiência, também nos dias de hoje, acontece algo parecido conosco, pois chega o dia em que as “velhas idéias” tornam-se “desgastadas” e, então, passamos a sentir a necessidade de uma mudança de posição.
E surge a pergunta: - Do que trata o livro “O Céu e o Inferno”?
O próprio Kardec responde:
“Aí reunimos todos os elementos próprios para esclarecer o homem sobre o seu destino. (...) O Céu e o Inferno é mais um passo cujo alcance será mais facilmente compreendido, porque toca ao vivo certas questões.”
Foi justamente com o propósito de tocar questões essências, renovando idéias, de auxiliar a raciocinar com mais clareza - não em termos de condições de espaço, mas em termos de estados de alma - de não aguardarmos o chamado céu ou chamado paraíso, em algum lugar do Universo, ou mesmo nas Colônias Espirituais do Mundo Maior, que o livro O Céu e o Inferno nos chega como um convite para que logremos atingir o estado sugerido nas palavras de Lourenço Prado:
“ Habitua-te a pensar que céu ou paraíso são atmosferas interiores do Espírito, em todos os lugares, e que podem ser fruídos por ti, desde já, onde te encontras.”
Quanta estesia no “Pensamento de Deus” vamos descobrindo nas linhas em que se desenha Sua Justiça sempre equilibrada pela Sua Bondade. Convites singelos no sentido de filtrarmos as nossas próprias idéias em torno do que chamamos “a manifestação da Sua Justiça”, ou o “ Deus quer assim”.
Assim vamos compondo um “tecido novo” de idéias à medida que percorremos suas páginas, pedagogicamente distribuídas em duas partes: teoria e prática (exemplos). Mas não se trata de leitura por puro prazer intelectual. Trata-se, sim, de enquadramentos, analogias, empatias, que vão se estabelecendo por ocasião das exemplificações, aqui e acolá, nas narrações dos Espíritos, onde vamos nos identificando ou não com suas descrições.
Quantas “muralhas mentais”, verdadeiros verdugos escondidos, vão caindo diante da solidez dos argumentos e do calor dos depoimentos! Alimentos para a razão e para o coração: uma verdadeira aula de Evangelização a nos ensinar a valorizar a Vida, pois “Se não somos da Terra, não olvidemos que a Terra é o caminho...”. Onde vamos descobrindo que desencarnar não resolve: a morte não é solução espiritual em definitivo para ninguém. Em ambos os planos de vida uma mesma necessidade: a vivência da caridade pura...
Planos de consciência didaticamente ordenados a nos questionar: Que tipo de pessoa (Espírito) eu sou? Feliz? Em condições medianas? Sofredor? Com tendência suicida? Criminoso arrependido? Com o coração endurecido? Quantos pais, filhos, profissionais das mais diversas áreas não lucrariam por refletir durante alguns instantes apenas em tais depoimentos! Teríamos talvez menos queixas e mais ação.
Por fim esse é o trabalho mensal de garimpagem que, desde já, nos propomos a realizar com a ajuda do leitor. Mergulhar no pensamento das Vozes do Céu, os Espíritos, a fim de que, lentamente mas com tenacidade, caminhemos amadurecendo na vida, descobrindo sempre novos sentidos do que seja viver, até que, finalmente um dia, ao voltarmos para Casa venhamos a nos sentir como propõe a sabedoria árabe:
(...) no nosso fim, não lamentemos o passado, nem temamos o futuro: sejamos como o entardecer de um belo dia, pois já teremos aprendido que as vitórias são ganhas no coração, não numa terra ou em outra... 3
1- KARDEC, Allan. In "Revista Espírita", Notícias Bibliográficas. EDICEL. VOL.9. Setembro. 1865. Pág. 276
2- VIEIRA, Valdo. In "Seareiros de Volta", Estados de Alma. FEB. 4ª ed. São Paulo. 1987. Pág. 155.
3- BEDIN, Edson L. (Org.) In "Coletâneas do Universo". 1ª ed. Caxias do Sul. 1999
Por Vanderlei Luiz Daneluz Miranda
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