Ayrton Xavier
Fenômeno mediúnico? Mais que isso, era o filho Dori que, fazendo ecoar a mesma voz do pai, repetia sua declaração. Não falava em nome pessoal, fazia como que uma declaração universal, para a eternidade: viveremos sempre na terra onde está nosso coração, ou, por outra, Caymmi está a caminho de sua terra, a mesma terra em que nos acolheu com seu imenso coração; nela, nunca haverá distância entre ele e nós, sua imensa família.
A voz dele, quando falava, não era deste mundo, era como uma voz espiritual, que enfeitiçava, estivesse ele filosofando ou contando histórias, ou mesmo cantando, o que não era nada raro.
É o que registram seus familiares mais chegados e os amigos íntimos, mesmo agora aos 94 anos.
Falava de coisas que sua mente sondava, das profundezas da alma, cantava o amor, às vezes se confessava com Deus.
Certo dia apareceu com um canto que ficou como pérola rara em seu tesouro de poesias, testamento para a posteridade: “Só louco amou como eu amei. Só louco quis o bem que eu quis. Ó insensato coração, porque me fizeste sofrer, porque de amor para entender é preciso amar!”
Que estaria ele a dizer? Que é preciso amar, mas as fibras do coração, enquanto não alcançam a sutileza do amor universal, costumam magoá-lo duramente. O amor, na condição de energia vital essencial, tem que ser vivido intensamente, para que se lhe absorva todo sumo renovador, como alento da própria existência, sem o qual nem se pode dizer que exista vida.
Afinal, que é a vida sem Deus e que é Deus senão o puro amor? Cumpriram-se todas as homenagens ao velho corpo, desgastado por intensa e longa vida. Caymmi com a mente abalada pelo quadro grave de saúde de sua esposa Stela Maris, os desdobramentos espirituais se deram naquela hora mesmo: era como se ele se estivesse adiantando, para recebê-la condignamente, do outro lado.
Desligado, então, do corpo, viu-se cercado pela multidão de amigos sorridentes, que o recebiam com flores brancas, não um cortejo fúnebre, mas uma festa ao melhor estilo espiritual. Rostos familiares, retratos de todos os tipos brasileiros, que o conduziram em uma procissão de barcos, mar a dentro. Aqueles barcos coloridos e floridos, com bandeirolas brancas e muitas fitas azuis, mostravam presenças dos caboclos do mar, pescadores, escritores como Jorge Amado, músicos e compositores célebres, inúmeros capoeiristas como Mestre Pastinha, e figuras luminosas, dentre elas Mãe Menininha do Gantois.
Seu barco ia à frente, em direção à linha do horizonte, e ele, com o sorriso franco tão conhecido, parecia cantar os refrões de sua Suíte dos Pescadores: “Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer. Se Deus quiser quando eu voltar do mar, um peixe bom, eu vou trazer...
Meus companheiros também vão voltar, e a Deus do céu vamos agradecer! ”Os que estavam à sua volta, especialmente as mulheres, baianas vestidas a caráter, acena vam com as mãos e flores brancas, também cantando: “Adeus, Adeus... Pescador não esqueça de mim! Vou rezar pra ter bom tempo, meu nego, pra não ter tempo ruim...
Vou fazer sua caminha macia, perfumada de alecrim”.
A cena comovente, tão suave e luminosa, contrastava com as cores radiantes do céu azul e do mar, desenhado de brancas rendas de espuma. Depois de cruzar o horizonte, ficou o vazio das lembranças deixadas como rastros da passagem do bom espírito, em sua grande viagem.
Ficou a certeza de que voltará um dia, com seus companheiros. Mais que isso, certeza de que estaremos juntos até o final dos tempos.
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Sábado, 13/9/2008 – no 2111
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