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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O LIVRO DOS ESPÍRITOS (I)

Revista Espírita de Allan Kardec

Janeiro, 1858

CONTENDO

OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA

Sobre a natureza do mundo incorpóreo, suas manifestações e suas relações com os homens; as leis morais, a vida presente, a vida futura e o futuro da Humanidade.

ESCRITO DE ACORDO COM O DITADO E PUBLICADO POR ORDEM DOS ESPIRITOS SUPERIORES

Por Allan Kardec

Como o indica o título, a obra não é uma doutrina pessoal: é o resultado do ensino direto dos próprios Espíritos sobre os mistérios do mundo aonde iremos um dia e sobre todas as questões que interessam à Humanidade; eles nos dão de algum modo um código de vida, traçando-nos a rota da felicidade porvindoura.

Este livro não é fruto de nossas idéias, pois sobre muitos pontos importantes tínhamos uma maneira de ver bem diversa; por isso nossa modéstia não poderá ressentir-se de nossos elogios. Preferimos, entretanto, deixar que falem os que estão inteiramente desinteressados por esta questão.

Sobre este livro o Courrier de Paris, de 11 de junho de 1857, estampou o seguinte artigo:

A DOUTRINA ESPÍRITA

Faz pouco tempo publicou o editor Dentu uma obra deveras notável; diríamos mesmo muito curiosa, se não houvesse coisas às quais repugna qualquer classificação banal.

O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do próprio grande livro do infinito e, estamos persuadidos, uma marca será posta nesta página. Seria lamentável que pensassem estarmos aqui a fazer reclame bibliográfico: se tal se pudesse admitir, preferiríamos quebrar a pena. Não conhecemos absolutamente o autor mas proclamamos bem alto que gostaríamos de o conhecer. Quem escreveu aquela introdução que abre o Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.

Aliás, para que não se ponha em dúvida a nossa boa fé e nos acusem de partidarismo, diremos com toda a sinceridade que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Apenas, se os fatos produzidos nos causaram admiração, pelo menos não nos levaram a dar de ombros. Somos um pouco da classe chamada dos sonhadores, porque não pensamos como todo mundo. A vinte léguas de Paris, ao cair da tarde quando em nossa volta tínhamos apenas algumas cabanas esparsas, pensamos naturalmente em coisas muito diversas da Bolsa, do macadame dos bulevares ou nas corridas de Longchamps. Muitas vezes nos interrogávamos e durante muito tempo, antes de ter ouvido falar em médiuns, a respeito do que se passava nas regiões que se convencionou chamar o Alto. Há tempos chegamos mesmo a esboçar uma teoria sobre os mundos invisíveis, guardando-a ciosamente para nós e nos sentimos muito felizes porque a encontramos, quase que por inteiro, no livro do Sr. Allan Kardec.

A todos os deserdados da Terra, a todos quantos marcham e que, nas suas quedas, regam com as lágrimas o pó da estrada, diremos: Lede o Livro dos Espíritos; ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelo caminho só encontram as aclamações e os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o e ele vos tornará melhores.

O corpo da obra, diz o Sr. Allan Kardec, deve ser atribuído inteiramente aos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente dividido no sistema de perguntas e respostas. Por vezes estas últimas são sublimes, o que não nos surpreende. Mas não foi necessário um grande mérito a quem as soube provocar?

Desafiamos aos mais incrédulos a rir quando lerem esse livro em silêncio e na solidão. Todos honrarão àquele que lhe escreveu o prefácio.

A doutrina se resume em duas palavras: não façais aos outros o que não quereis que vos façam. Lamentamos que o Sr. Allan Kardec não tivesse acrescentado: e fazei aos outros como quereríeis que vos fizessem. Aliás, o livro o diz claramente, sem o que a doutrina não seria completa. Não basta não fazer o mal: é preciso ainda que se faça o bem. Se fores apenas homem de bem, só terás cumprido a metade do dever. Somos um átomo imperceptível desta grande máquina chamada mundo, na qual nada é inútil. Não nos digam que é possível ser útil sem fazer o bem: seríamos forçados a responder por um volume.

Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos na obra do Sr. Kardec, dissemos a nós mesmo que havia um belo livro a escrever. Logo verificamos, entretanto, o nosso engano: o livro já está escrito. Procurando completá-lo, apenas o estragaríamos.

O senhor é homem de estudo e tem aquela boa fé que apenas necessita instruir-se?

Então leia o LIVRO PRIMEIRO sobre a doutrina espírita.

Está na classe das criaturas que apenas se ocupam consigo mesmas e que, como se costuma dizer, fazem os seus negócios muito tranqüilamente e nada enxergam além dos próprios interesses? Leia as Leis Morais.

A desgraça o persegue encarniçadamente e a dúvida o tortura por vezes no seu abraço gelado? Estude o terceiro livro: Esperanças e Consolações.

Todos quantos aninham pensamentos nobres no coração e acreditam no bem, leiam o livro da primeira à última página.

Aos que encontrassem matéria para zombarias, o nosso sincero lamento.

G. DU CHALARD.

Das numerosas cartas que nos têm sido dirigidas desde a publicação do Livro dos Espíritos, citaremos apenas duas, porque, de certo modo, resumem a impressão produzida pelo livro e o fim essencialmente moral dos princípios que o mesmo encerra.

Bordeus, 25 de abril de 1857.

Senhor,

V. S.a submeteu minha paciência a uma grande prova, pelo retardamento da publicação do Livro dos Espíritos, há tanto tempo anunciado. Felizmente não perdi com a espera, porque ele ultrapassa toda a idéia que eu havia feito, baseado no prospecto.

Impossível descrever o efeito em mim produzido: sinto-me como um homem que saiu da escuridão; parece-me que uma porta, até hoje fechada, abriu-se subitamente; minhas idéias ampliaram-se em poucas horas! Oh! Quanto a humanidade e todas essas miseráveis preocupações me parecem mesquinhas e pueris ao lado desse futuro de que não duvidava, mas que me era de tal modo obscurecido pelos preconceitos, que eu apenas o imaginava!

Graças ao ensino dos Espíritos, agora se me apresenta sob uma forma definida, perceptível, maior, mais bela, e em harmonia com a majestade do Criador. Quem quer que leia esse livro meditando, como eu, nele encontrará inesgotável tesouro de consolações, pois que ele abarca todas as fases da existência. Em minha vida sofri perdas que me afetaram vivamente; hoje não me causam nenhum desgosto e toda a minha preocupação é empregar utilmente o tempo e minhas faculdades para acelerar meu progresso, pois agora para mim o bem tem uma finalidade e compreendo que uma vida inútil é uma vida egoística, que não nos ajudará a avançar na vida futura.

Se todos os homens que pensam como eu e como o senhor, e que são multidões, ao que espero, para honra da humanidade, pudessem se entender, reunir-se e trabalhar de acordo, que poder não teriam para apressar essa regeneração que nos é anunciada!

Quando eu for a Paris terei a honra de o procurar e, se não for abusar do seu tempo, pedir-lhe-ei mais explicações sobre certos trechos e alguns conselhos sobre a aplicação das leis morais em certas circunstâncias pessoais. Receba, senhor, a expressão de todo o meu reconhecimento porque o senhor me proporcionou um grande bem, mostrando-se o único caminho da felicidade real neste mundo e, quiçá, além disso, um lugar melhor no outro.

Seu dedicado

Capitão reformado D...

Lião, 5 de julho de 1857.

Senhor,

Não sei como lhe exprimir o meu reconhecimento pela publicação do Livro dos Espíritos, que acabo de reler. Como tudo quanto o senhor nos ensina é consolador para a nossa pobre humanidade! Por mim confesso que me sinto mais forte e mais encorajado para suportar as penas e os aborrecimentos ligados à minha pobre existência. Faço meus amigos parIlIbarem das convicções adquiridas na leitura de sua obra; todos se sentem muito felizes; compreendem agora as desigualdades das posições sociais e não murmuram contra a Providência; a esperança fundamentada num futuro mais feliz, desde que bem se conduzam, os conforta e lhes dá coragem. Queria eu, senhor, ser-lhe útil: sou um simples filho do povo, que se criou numa posição insignificante pelo trabalho, mas a quem falta instrução, pois fui obrigado a trabalhar desde menino. Entretanto, sempre amei a Deus e fiz tudo quanto era possível para ser útil aos meus semelhantes: eis porque procuro tudo que possa aumentar a felicidade de meus irmãos. Vamos nos reunir, diversos adeptos esparsos; faremos esforços para o ajudar: o senhor levantou a bandeira e nossa obrigação é segui-lo. Contamos com o seu apoio e os seus conselhos.

Subscrevo-me, senhor, se me permite chamá-lo de confrade, seu dedicado.

C...

Muitas vezes nos foram dirigidas perguntas sobre a maneira por que foram obtidas as comunicações que constituem o Livro dos Espíritos. Resumimos aqui, com muito prazer, as respostas que temos dado a tais perguntas; é uma oportunidade para resgatarmos uma dívida de gratidão para com as pessoas que tiveram a boa vontade de nos prestar o seu concurso.

Como explicamos, as comunicações por meio de batidas, outrora chamadas signologia, são muito lentas e muito incompletas para um trabalho de fôlego; por isso tal recurso jamais foi utilizado.

Tudo foi obtido pela escrita, por intermédio de diversos médiuns psicógrafos. Nós mesmos preparamos as perguntas e coordenamos o conjunto da obra; as respostas são, textualmente, as que nos deram os Espíritos; a maior parte delas foram escritas sob nossas vistas, outras foram tiradas de comunicações que nos foram remetidas por correspondentes ou que colhemos aqui e ali, onde estivemos fazendo estudos. Parece que para isso os Espíritos multiplicam aos nossos olhos os motivos de observação.

Os primeiros médiuns que concorreram para o nosso trabalho foram as senhoritas B..., cuja boa vontade jamais nos faltou. O livro foi quase todo escrito por seu intermédio e em presença de numeroso público que assistia às sessões, nas quais tinha o mais vivo interesse. Mais tarde os Espíritos recomendaram uma revisão completa em sessões particulares, tendo-se feito, então, todas as adições e correções julgadas necessárias. Esta parte essencial do trabalho foi feita com o concurso da Senhorita Japhet (2), a qual se prestou com a melhor boa vontade e o mais completo desinteresse a todas as exigências dos Espíritos, porque eram eles que marcavam dia e hora para suas lições. O desinteresse não seria aqui um mérito especial, desde que os Espíritos reprovam qualquer tráfico que se possa fazer da sua presença; a Senhorita Japhet, que é também uma notável sonâmbula, tinha seu tempo utilmente empregado: mas compreendeu que também lhe daria uma aplicação proveitosa ao se consagrar à propagação da doutrina. Quanto a nós, já declaramos desde o princípio, e temos a satisfação de o reafirmar agora, jamais pensamos em fazer do Livro dos Espíritos objeto de especulação: seu produto será aplicado a coisas de utilidade geral. Por isso seremos sempre gratos aos que, de coração e por amor ao bem, se associaram à obra a que nos consagramos.

(1) 1 vol. in-8.º em 2 col., 3 fr.: Dentu, Palais-Royal e na redação do jornal, rua e galeria Sant'Ana, 59 (antiga rue des Martyrs, n. 8).

(2) Rua Tiquetonne, 14.

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