Danilo Carvalho Villela
O registro da vida de Jesus apresentado pelos evangelistas contém, além de seus exemplos e ensinamentos, a descrição de inúmeros feitos incomuns realizados pelo Mestre, tais como curas numerosas, afastamento de interferências espirituais negativas e intervenções diretas nos elementos materiais (transformação da água em vinho, aplacar a tempestade). É interessante observar que é muito menor naquelas narrativas a menção a ocorrências verificadas no campo íntimo, sob a inspiração e orientação do Mestre (perdão de ofensas, liberação de vícios, descoberta de sentido para a vida) de que são exemplos luminosos Zaqueu, vencendo a avareza, e Maria de Magdala, superando obsessão e desregramento moral, as quais, contudo, foram por certo muitíssimo mais numerosas e constituíam o objetivo mesmo da Boa Nova. É compreensível no entanto que não tenham sido tão mencionadas pois se passavam no terreno espiritual, sendo conhecidas apenas pelos que as vivenciavam e pelas pessoas que lhes eram mais próximas, não produzindo o impacto da cura de um doente conhecido em sua comunidade, como o caso do cego de nascença.
Ao estudar, em “A Gênese”, os milagres atribuídos a Jesus, o Codificador mostra o seu caráter de fatos normais, embora incomuns, por se processarem segundo leis que o Espiritismo veio divulgar mas que o Mestre conhecia e utilizava com absoluto domínio na produção daqueles fatos. Na mesma ocasião, recorda Allan Kardec o sentido etimológico daquele termo (milagre significa digno de admiração, admirável), lembrando então que vivemos cercados deles na criação: “Se tomarmos a palavra milagre em sua acepção etimológica, no sentido de coisa admirável, teremos incessantemente milagres debaixo de nossos olhos. Nós os aspiramos no ar e os calcamos aos pés, pois tudo é milagre na Natureza”. A Doutrina Espírita não admite, assim, qualquer rutura na ordem natural, a semelhança de uma emenda feita pelo Criador em sua obra, idéia inconciliável com a sabedoria e a perfeição divinas.
É oportuno destacar ainda a importância dada pelo Codificador à influência moral da Doutrina Espírita, como se observa nas palavras que dirigiu aos espíritas de Lyon, quando de sua visita àquela cidade, em 1862: “Homens da mais alta posição honram-me com sua visita, porém nunca, por causa deles, um proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos fraternalmente, e, então, um pensamento me ocorria: Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios” (“Viagem Espírita em 1862” – Discurso).
E os milagres continuam realmente a ocorrer pois ao toque da Boa Nova, revivida pelo Espiritismo, más inclinações são vencidas, antagonismos superados e esforços se unem na promoção social de indivíduos e famílias, sendo esta, sem dúvida, o grande prodígio do Evangelho: a nossa renovação para o bem.
“A Gênese” (capítulo 15).
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